A "preocupante" aposta maciça da Alemanha e da França em subsídios

Os líderes da França (esquerda), Emmanuel Macron, e da Alemanha, Olaf Scholz
Os líderes da França (esquerda), Emmanuel Macron, e da Alemanha, Olaf Scholz Direitos de autor Markus Schreiber/Copyright 2022 The AP. All rights reserved
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De  Jorge LiboreiroIsabel Marques da Silva
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Estes dois países representavam 38% da produção industrial na UE e injetaram nas suas economias quase 80% de todos os auxílias estatais que foram aprovados pela Comissão Europeia, que analisou os seus pedidos.

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Quando se trata de subsídios estatais, a Alemanha e a França são os reis da Uniao Europeia (UE), deixando os outros 25 países do bloco a uma grande distância.

Os últimos números divulgados pela Comissão Europeia confirmaram a tendência: desde que alterou as regras de ajuda estatal, em março de 2022, para enfrentar as consequências económicas da invasão da Ucrânia pela Rússia, estes dois países juntos injetaram nas suas economias 77% dos 672 mil milhões de euros autorizados por Bruxelas.

As alterações permitiram desembolsos mais rápidos e fáceis de empréstimos, subvenções e garantias estatais subsidiadas para as empresas que lutavam contra a falência, devido às pesadas contas de energia, às interrupções da cadeia de abastecimento e às contra-sanções do governo russo.

A Alemanha e a França, dois pesos pesados industriais, fizeram bom uso da alteração: o governo de Berlim teve mais de 356 mil milhões de euros de apoio económico aprovados pela Comissão Europeia (53% de toda a ajuda extraordinária) - enquanto que o de Paris recebeu 24% (cerca de 161 mil milhões de euros).

A Itália ficou num distante terceiro lugar, assegurando a aprovação de 51 mil milhões de euros (7,65% do total), e a Dinamarca ficou em quarto lugar, com 24 mil milhões de euros. O resto do bloco representa, coletivamente, menos de 12% dos restantes auxílios estatais aprovados pela Comissão da UE (cerca de 78 mil milhões de euros).

"Estes valores estão sujeitos a alterações diárias e os auxílios aprovados não correspondem necessariamente aos auxílios que os Estados-membros desembolsaram", disse um porta-voz da Comissão Europeia à euronews, observando que o valor de 672 mil milhões de euros era uma "melhor estimativa" baseada em 200 decisões tomadas.

"Precisamos de iniciar uma verdadeira discussão".

Embora os governos de Berlim e Paris tenham, historicamente, gozado de um papel político e económico dominante dentro da União Europeia, estes números desencadearam um novo debate no âmbito da Lei de Redução da Inflação (IRA), dos EUA. Trata-se de um programa maciço de créditos fiscais e descontos diretos promovido pelo Presidente Joe Biden, que favorece  a tecnologia ecológica na produção norte- americana.

Nos próximos dez anos, o IRA irá injetar cerca de 369 mil milhões de dólares nas empresas e ajudar os consumidores que desejem produzir, investir e comprar painéis solares, turbinas eólicas, bombas de calor, veículos elétricos, baterias e electrolisadores, desde que estes produtos sejam fabricados no país.

A UE considera esta disposição discriminatória, injusta e ilegal, e receia que a súbita injeção de dinheiro possa desencadear um êxodo industrial devastador deste lado do Oceano Atlântico. Os consumidores poderão passar a comprar sobretudo produtos dos EUA, mais baratos porque subsidiados, e não europeus, deixando centenas de fábricas desertas e milhares de trabalhadores desempregados.

Como deve a Europa responder?

Até agora, não há um consenso. Espera-se que a Alemanha e a França se juntem no apelo para que haja um novo impulso de subsídios e uma espécie de estratégia "Made in Europe". Mas há Estados-membros, incluindo os Países Baixos, a Irlanda, a Polónia, a República Checa e os Nórdicos, que defendem cautela antes de se flexibilizarem ainda mais as regras dos auxílios estatais.

"Precisamos de iniciar uma verdadeira discussão sobre como melhorar a produtividade, como aumentar a competitividade e como atrair mais empresas baseadas nas nossas próprias capacidades e não baseadas em regras de ajuda estatal a longo prazo", disse o primeiro-ministro sueco, Ulf Kristersson, cujo país detém a presidência rotativa do Conselho da UE.

Tecnicamente falando, o auxílio estatal refere-se a qualquer forma de apoio económico dado por um governo a uma empresa ou grupo de empresas específico, que gera uma vantagem sobre os seus concorrentes.

Uma vez que as economias dos 27 Estados-membros estão profundamente interligadas e interdependentes, a Comissão Europeia goza de competência exclusiva para examinar programas de auxílios estatais e decidir se a concorrência leal em todo o mercado único é preservada ou ameaçada.

Se as implicações forem demasiado prejudiciais, o executivo tem o direito de recusar a proposta, proibindo efetivamente um Estado-membro de desembolsar os subsídios nacionais.

Quais os subsídios em causa?

Contudo, na realidade, cerca de 91% das iniciativas de auxílio estatal estão isentas do escrutínio da Comissão, tais como assistência social, desenvolvimento, infra-estruturas de transporte, assistência em catástrofes naturais, cultura, educação, proteção ambiental, inovação e digitalização.

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Por exemplo, um Estado-membro não precisa de notificar Bruxelas se quiser subsidiar livros escolares para escolas primárias, filmes de cineastas nacionais ou expansão da Internet em áreas carenciadas.

Os chamados "quadros de crise temporária", como o criado em março passado para mitigar a crise económica desencadeada pela guerra e a crise energética, acrescentam maior flexibilidade à avaliação interna e permitem aprovações mais rápidas, com um âmbito mais alargado.

Com uma avalanche de subsídios norte-americanos a pairar sobre o continente, Bruxelas está a trabalhar em mais um quadro de crise para convencer os fabricantes europeus a conduzierem os seus negócios na nova direção, mais ecológica, e poderem receber subsídios.

"Iremos propor a adaptação temporária das nossas regras em matéria de auxílios estatais para as acelerar e simplificar. Cálculos mais fáceis. Procedimentos mais simples. Aprovações aceleradas", disse Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, na terça-feira, no Fórum Económico Mundial em Davos (Suíça).

Von der Leyen falou de benefícios fiscais e apoio direcionado para "combater os riscos de deslocalização a partir de subsídios estrangeiros".

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Desequílibrios no Mercado Único Europeu

As estatísticas reflectem uma dissonância crescente entre os subsídios nacionais e o sector industrial, que enfrenta os maiores riscos da dispendiosa crise energética e dos créditos americanos.

Segundo o Eurostat, o país com a maior produção industrial é a Alemanha, com 27% do valor da produção vendida da UE em 2021, seguida da Itália (16%), França (11%) e Espanha (8%).

Isto significa que a Alemanha e a França representavam 38% da produção industrial total. Estes dois países  absorveram quase 80% de todo o apoio directo aprovado por Bruxelas.

"Não há tempo a perder no estabelecimento de uma nova política industrial europeia para apoiar a indústria ecológica e encorajar as indústrias a deslocalizarem-se para o território europeu", disse o ministro das Finanças francês, Bruno Le Maire.

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"Não é uma política que queremos pôr em prática apenas para a França e a Alemanha. Deve ser do interesse de todos os 27 Estados-membros", acrescentou.

A Comissão Europeia comprometeu-se a criar um "Fundo Soberano Europeu" para oferecer fontes de financiamento comuns aos governos que não podem permitir-se ou recusar a opção de auxílios estatais agressivos.

Mas este fundo continua a ser uma ideia no papel e não está claro como será financiado, uma vez que o orçamento da UE de 2021 a 2027 quase não tem espaço para acomodar novas despesas. Também não está claro se este fundo, uma vez estabelecido, será capaz de compensar a pressão dos subsídios germano-franceses.

A ideia de emitir dívida comum da UE, tal como o bloco fez para criar o plano de recuperação da pandemia de Covid-19 (Próxima Geração UE, no valor de 750 mil milhões de euros), ganhou força, mas continua a ter a oposição de alguns países "frugais", incluindo a Alemanha.

Entretanto, a vice-Presidente da Comissão Europeia, Margrethe Vestager, uma defensora convicta dos mercados livres e que supervisiona a política de concorrência, prometeu facilitar os subsídios para a tecnologia verde - mas com reservas.

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"Pode ser um impulso a curto prazo, é claro, mas não construímos a competitividade a partir de subsídios. Este  deve ser um ajustamento temporário. Impulsionamos a competitividade a partir de um mercado que funciona bem, dinâmico e inovador", disse Vestager, no Parlamento Europeu.

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