Porque é que a União Bancária Europeia está incompleta?

A zona euro teve um importante reforço no setor bancário após a crise de 2008
A zona euro teve um importante reforço no setor bancário após a crise de 2008 Direitos de autor Petros Karadjias/AP
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De  Jorge LiboreiroIsabel Marques da Silva
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Foram criados o Mecanismo Único de Supervisão e o Mecanismo Único de Resolução, mas há pouca vontade política para criar o Sistema Europeu de Garantia de Depósitos.

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Os mercados financeiros não parecem conseguir libertar-se dos receios criados pela queda do banco norte-americano Silicon Valley Bank (SVB) e a aquisição forçada, por parte do governo suíço, do Credit Suisse (segundo maior credor suíço) pelo banco UBS.

Apesar de repetidas garantias dos decisores políticos de que tudo vai bem, as ações dos bancos europeus continuam a desvalorizar em bolsa.

Deutsche Bank, Commerzbank, Société Générale e BNP Paribas estão entre aqueles que viram o seu valor cair abruptamente nos últimos dias.

Em consequência, foi reaberta a discussão incómoda para os países da zona euro: porque é que a União Bancária Europeia continua incompleta?

Esta união foi criada em 2012, com vários pilares, quando a zona euro atravessava uma crise de dívida pública que desafiava a sobrevivência da própria moeda única.

Os bancos da zona euro tinham ligações excessivamente estreitas com as dívidas soberanos dos seus países de origem, porque compravam obrigações aos seus próprios governos, em vez de  diversificarem os investimentos através do bloco.

Esta exposição à dívida soberana foi agravada pelo facto de os depósitos dos clientes de bancos comerciais estarem protegidos, antes de mais, pela legislação interna.

Esta co-dependência significava que, assim que os bancos entravam em dificuldades, os problemas poderiam facilmente repercutir-se no governo nacional - e vice-versa.

A ideia de uma união bancária visa enfraquecer esta ligação e injetar uma nova dimensão europeia, harmonizando as regras, reduzindo a fragmentação e assegurando que o dinheiro dos contribuintes não será utilizado para salvar bancos em dificuldades.

Dois pilares criados, um à espera

Foram, então, criados os dois primeiros pilares do projeto: o Mecanismo Único de Supervisão (MUS) e o Mecanismo Único de Resolução (MUR).

O MUS concedeu ao Banco Central Europeu poderes mais fortes para controlar a "saúde" dos bancos da zona euro, enquanto que o MUR criou um fundo comum - pago pelos próprios bancos - para fazer face a instituições insolventes.

Mas a estrutura continua sem o terceiro e último pilar: o Sistema Europeu de Garantia de Depósitos (SEGD).

Segundo as atuais regras da UE, os depósitos até 100 mil euros estão protegidos pelo Estado, em caso de falência de um banco. Esta protecção, no entanto, é prestada a um nível estritamente nacional.

Em 2015, a Comissão Europeia propôs a criação do SEGD para garantir que todos os depósitos, em toda a zona euro, gozassem de um nível de proteção igual, independentemente da localização do banco e da saúde orçamental do país onde tem sede.

O SEGD introduziria uma rede de segurança coletiva e supranacional, que dissuadiria os clientes de levantarem desesperadamente os seus depósitos logo que más notícias atingissem um banco, como foi o caso do Silicon Valley Bank.

Mas a partilha transfronteiriça dos riscos bancários é mail vista pelos países do norte da Europa, que argumentam que a saúde financeira da zona euro necessita de melhorias consideráveis antes da criação do SEGD.

"Um acordo sobre uma garantia de depósitos comum foi dificultado pelo fraco estado dos bancos em alguns países periféricos, com a Alemanha a recear ter de resgatar bancos italianos", disse Daniel Gros, analista no Centro de Estudos de Política Europeia.

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"A atual agitação não é causada pela ausência de um terceiro pilar, mas pelo facto de os depósitos se terem tornado mais voláteis do que o previsto pelos reguladores (e mercados)".

Nicolas Véron, analista no Bruegel, acredita que a oposição é muito mais profunda e que se baseia numa contradição intrínseca: embora os governos digam que aspiram a ter uma União Bancária Europeia, continuam a priviligiar um laço muito estreito com o seu próprio setor bancário e querem manter o controlo nacional.

"Continuamos a pensar que SEGD é uma boa ideia, mas está agora nas mãos dos co-legisladores (governos dos países e Parlamento Europeu), o que é um processo normal de tomada de decisões", disse uma fonte da Comissão Europeia à euronews.

Passo intermédio

Como passo intermédio, a Comissão Europeia está a trabalhar num "quadro comum para a gestão de crises bancárias e garantia de depósitos nacionais", em conformidade com as conclusões de uma cimeira do euro, em 2022.

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Mas esse quadro deverá ficar aquém do verdadeiro sistema comunitário que está consignado no terceiro pilar.

Em reação às mais recentes nuvens no setor, alguns líderes da UE, tais como o presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro neerlandês, Mark Rutte, apelaram à conclusão do terceiro pilar, mas sem oferecer uma resposta clara sobre como quebrar o impasse.

Numa declaração à euronews, o Ministério das Finanças alemão afirmou que "várias condições prévias devem ser preenchidas" antes de retomar as conversações sobre o SEGD, tais como uma maior redução dos riscos bancários, um quadro mais forte de gestão de crises e medidas para limitar a dependência entre a liquidez dos bancos e a dívida pública de um país.

"É ainda um pouco prematuro tirar conclusões dos casos atuais em relação à a regulamentação futura. Vamos precisar de uma análise mais detalhada", disse um porta-voz do ministério.

O analista Nicolas Véron diz que o processo só avançará com uma crise de grandes dimensões e não estamos nessa situação. 

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"Lamento se o que digo parece ser demasiado cínico, mas penso que neste momento não há uma grande crise bancária na zona euro. Mas é uma boa notícia, porque significa que o Banco Central Europeu tem estado a fazer um bom trabalho enquanto supervisor. Talvez venhamos a descobrir, amanhã, que alguns bancos da zona euro têm grandes problemas. Mas, neste momento, não é o caso, mesmo com o que aconteceu no mercado", explicou.

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