“País saído de meio século de ditadura militar há apenas dois anos, Myanmar abre-se ao mundo. Mas será que está afastado o risco de nova onda de repressão como aquela que encarcerou Aung San Suu Kyi e milhares de ativistas políticos, incluindo os monges da Revolução de Açafrão?”, é a questão que a correspondente da euronews, Isabel Marques da Silva, foi tentar responder.
A violência étnica acompanha a história de Myanmar, que tem mais de 100 minorias e vários grupos rebeldes.
Mas nos últimos dois anos, os 800 mil muçulmanos são o alvo principal e cerca de 20% deslocaram-se depois de confrontos com a maioria budista.
O monge U Kyaw Pyi, que dirige uma escola para órfãos, esteve 15 anos preso por ativismo político e argumenta que é tudo orquestrado.
“Todas essas lutas entre comunidades e violência sectária são criadas pelo governo. É uma conspiração levada a cabo tendo em vista as eleições de 2015. Eles também provocaram a confusão com os agricultores e outros trabalhadores, como forma de criar graves tensões. Pode-se ainda dizer o mesmo sobre o problema da expropriação de terra”, explicou.
O coração do país continua a ser Yangoon, como é agora chamada a antiga capital do país, ele próprio ex-Birmânia.
Com o fim da censura, a imprensa ganha poder. A estação Voz Democrática da Birmânia (VDB) abriu em 2012.
O diretor, Zoe Zaw Latt, reconhece que a violência étnica é difícil de abordar: “Quando há um episódio de violência, a resposta das autoridades é fechar a estrada e isso torna-se uma barreira física difícil de enfrentar”.
“Mas também é difícil contatar algumas minorias marginalizadas porque vivem em áreas remotas. Um dos nossos jornalistas foi espancado porque tinha uma câmara com a qual filmou cenas de violência e a câmara foi apreendida”, acrescentou.
Antes, esta empresa de rádio e TV operava a partir do estrangeiro, recorrendo a jornalistas clandestinos. Mas mesmo no terreno, as presidenciais de 2015 serão um problema logístico.
“Temos pela frente um sério desafio para cobrir as eleições a nível nacional. Ainda não temos rede de transportes, telecomunicações ou outras infra-estruturas. É ainda tudo muito difícil”, refere o produtor Than Win Htut.
A União Europeia quer ajudar na transição, tendo levantado as sanções há 18 meses.
Um grupo de trabalho político e empresarial esteve no país em meados de Novembro.
A chefe da diplomacia, Catherine Ashton, garantiu que “todos que nos acompanharam até aqui sabem que há um real compromisso para garantir que a economia do país cresce, que as pessoas vão ter reais oportunidades de emprego, oportunidades para estabelecer parcerias. Esse foi mesmo um dos temas do fórum de negócios”.
Ex-presa política e Prémio Nobel da Paz, a líder da oposição é agora deputada.
Aung San Suu Kyi luta para mudar a Constituição, que a impede de concorrer à presidência.
“É um esforço contínuo certificar-se de que a política segue o caminho certo. É algo que não acontece automaticamente nem algo que se possa dizer que está terminado. É um trabalho contínuo, diário, que evolui a cada ano, a cada década, a cada geração” afirmou Aung San Suu Kyi.
O aumento do comércio e turismo de estilo ocidental são sinais de modernização.
O país é visto como um “eldorado” porque tem algumas das maiores reservas mundiais de petróleo, gás, minerais, pedras preciosas.
Uma ex-executiva britânica, Vicky Bowman, fundou uma associação para ajudar a redistribuir a riqueza pelos 55 milhões de habitantes.
“Um dos grandes riscos que vemos para os investidores – especialmente os que precisam de comprar muita terra -, é saber quem são os proprietários dessas terras e se terão sido expropriados, talvez há 20 anos. Ou se agora estão a lidar com um projeto que implica transferir pessoas dessas terras, garantindo que elas são devidamente recompensados e tratadas de acordo com as normas internacionais. Até o momento, esse processo tem sido muito mau neste país”.
Buda disse que “o povo é o tesouro de um país”. Os birmaneses acarinham esse provérbio e esperam que se vá tornando verdade a cada dia que passa.