Portugueses e espanhóis quebram o "Gelo"

Portugueses e espanhóis quebram o "Gelo"
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De  Ricardo Figueira
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A equipa e elenco de "Gelo", o filme que teve honras de abertura no Fantasporto deste ano, falou em exclusivo à euronews.

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Gelo, de Luís e Gonçalo Galvão Teles, está nos ecrãs portugueses desde 3 de março. Durante a antestreia, na abertura do Fantasporto, a euronews conversou em exclusivo com os realizadores, produtores, argumentista e quase todo o elenco: Só Ivana Baquero, a Ofelia de “O Labirinto do Fauno” de Guillermo del Toro, que em “Gelo” tem o papel principal (Catarina/Joana), faltou à chamada, por motivos profissionais. O filme passou ainda pelo Cinequest, realizado na Califórnia.
Co-produzido pela Fado Filmes (do clã Galvão Teles) e pela empresa espanhola Potenza Producciones, este é um exemplo de como a união ibérica funciona na perfeição… pelo menos no cinema.

Ricardo Figueira, euronews: Como foi esta colaboração ibérica? É fácil portugueses e espanhóis trabalharem juntos, em duas línguas diferentes?

Luís Galvão Teles ( realizador) : Os filmes são apátridas. Um filme não tem língua, porque nem a imaginação nem o sonho têm língua. O facto de algumas personagens falarem português e outras espanhol faz parte da universalidade do sonho e da imaginação.
Ruth Gabriel (atriz, “Ruth”): Não foi a primeira vez que trabalhei em Portugal misturando as duas línguas, comigo a falar em espanhol e os restantes colegas em português. Ao princípio, há sempe um pouco de medo, mas há uma coisa que nos chega: O olhar do nosso colega. Isso basta-nos para trabalhar toda uma vida.
Albano Jerónimo (ator, “Samuel”): O importante é concentrarmo-nos no nosso trabalho diário. O nosso trabalho é representar.
Ivo Canelas (ator, “Filipe”): O facto de a Ruth Gabriel ter percebido imediatamente a tua pergunta, mesmo não dominando o português, mostra que existe uma grande simplicidade no entendimento entre as duas línguas.
Afonso Pimentel (ator, “Miguel”): O facto de falarmos em várias línguas obriga-nos a estar mais focados noutros códigos, que não necessariamente o código linguístico. Foi o que senti ao contracenar com a Ivana Baquero.


O que sentiram em relação à história e, mais tarde, ao filme?

RG: Que valentes! É uma história arriscada. Quando entras assim num mundo de fantasia e imaginação, não depende só de ti, como também do que imaginam os outros. E isso é algo que não tem limites. O que me levou a aceitar este projeto foi, exatamente, essa valentia e o papel que represento, o da mãe. Eu, como mãe, sei o que é esse medo de que nos tirem algo que já esteve dentro de nós. É um papel pequeno, mas fortíssimo.
IC: Do guião ao filme vai sempre um grande salto. O guião é um texto, o filme é uma soma de muitas coisas. Um filme é outro filme.
AP: Eu tive medo. Medo porque, sendo esta história um “puzzle” tão intrincado, qualquer alteração na narrativa pode ter consequências. Um guião como este, de enigma e mistério, cria dúvidas no espetador, mas tem também de dar respostas. Há coisas fáceis que fazemos todos os dias. Depois há os trabalhos difíceis, como este , que nos lembram a razão por que gostamos tanto desta profissão de ator.

Que pensam das vossas personagens?

RG: Para mim, este filme, desde o início, está cheio de metáforas, de poesia, de momentos mágicos. Para mim, a principal metáfora deste filme é que o gelo representa a dor que sente a minha personagem ao perder a filha. Foi a primeira metáfora que senti. Os momentos em que lhe tiram a filha e, mais tarde, o da reunião, são para mim os mais fortes. A cena do reencontro, com o medo da rejeição que a rodeia é a mais bonita do filme.
AJ: O principal desafio para mim, ao fazer a personagem de Samuel, talvez a mais enigmática do filme, era saber que lugar ocupar. Numa estrutura de um filme que obedece a uma narrativa própria, com personagens com relevâncias diferentes, o objetivo é ocupares o teu lugar de forma plena. O desafio é precisamente esse. Para mim, foi importante estimular o lado enigmático, sugestivo. Deixar um espaço para o público preencher.
AP: Há algo interessante no jogo entre o real e o metafórico. Às vezes pensamos ter as respostas e depois perdemo-las outra vez. A personagem de Miguel representa isso mesmo. Pensamos que faz parte da realidade de Joana (Ivana Baquero), outras vezes pensamos que faz parte da utopia. Andamos entre realidade e utopia, até que no final percebemos. Para mim, foi interessante poder trabalhar de uma forma muito realista com a personagem de Joana e, de momento a momento, criar algo de misterioso, que faz com que não percebamos muito bem se estamos na realidade ou na ficção. Isso, para mim, foi o mais difícil.

Olhando para trás, com que opinião ficam do filme?

LGT: É uma demonstração de que o cinema português está vivo, tal como o cinema internacional feito em coprodução, a cinematografia e os atores. É sinal, sobretudo, de que se procuram caminhos novos para fazer os filmes. Este filme foi feito muito rapidamente, quase em estado de emergência. Por outro lado, é um filme que tem um esquema de distribuição especial, tanto em Portugal como em Espanha, já que criei uma distribuidora associada à Fado Filmes. O filme estreou em 16 salas, o que é bom para um filme desta dimensão, mas é também importante dizer que há nove distritos do país onde o filme está a ser exibido. Depois da antestreia mundial no Fantasporto, a estreia nacional coincidiu com a passagem no festival Cinequest, na Califórnia, nos EUA.


Como está a ser feita a distribuição do filme?

Carlo D’Ursi (coprodutor) : A distribuição é feita de uma forma muito especial, através de acordos diretos com cadeias de cinemas, o que vai permitir ao filme estar mais tempo em cartaz do que num esquema normal de distribuição. Esta é uma corrida de fundo, que tem de ser corrida etapa a etapa.

É a primeira colaboração entre pai e filho?

LGT: É verdade que, no cinema, as colaborações entre irmãos são mais comuns que entre pai e filho. Tanto que houve quem tenha anunciado o nosso filme como sendo dos “manos Galvão Teles”…
Gonçalo Galvão Teles (realizador): Não é a nossa primeira colaboração. Comecei a trabalhar em cinema há 20 anos como assistente de realização, com o meu pai. Mais tarde segui a minha carreira de argumentista, depois fui estudar para os EUA e quando regressei comecei a trabalhar para a Fado Filmes, de que me tornei depois sócio. Tivemos várias colaborações, fizemos juntos um telefilme para a SIC, eu produzi uma longa-metragem dele, “Tudo isto é Fado” e ele produziu todas as minhas curtas-metragens. Mas é, de facto, a primeira vez que assinamos ambos um filme, como correalizadores. Aconteceu naturalmente, fruto desses 20 anos a trabalhar juntos.
LGT: Fruto também de um excelente argumento do Luís Diogo, que começámos a adaptar, primeiro separadamente e depois juntos. Do argumento que o Gonçalo estava a escrever e da minha preparação para a realização do filme, nasceu um esforço que acabou por se unir.

A história

GeloGelo Joana e Catarina: Qual das duas é real? Uma estuda escrita de argumentos e criou a personagem da segunda – uma jovem nascida de uma experiência com o ADN de um homem da idade do gelo. Catarina é criada numa casa isolada por Samuel, um homem misterioso por quem se apaixona. Já Joana perde-se de amores por Miguel, um colega de estudos com quem decide explorar a Serra da Estrela, onde encontram a neve, que acaba por ser o verdadeiro fio condutor desta história. O branco da neve, do gelo, das roupas de ambos e de uma grande parte dos cenários. O branco de uma página por escrever, onde talvez apareçam as respostas às questões que o filme vai sempre criando no espetador...

Uma primeira incursão no fantástico?

LGT: Não. O meu primeiro filme, “A Confederação”, já entra nesse tema. Com este novo filme, quis recuperar o mesmo espírito. “A Confederação” foi feito pouco depois do 25 de abril de 1974 e pode-se considerar como ficção científica política, prevê uma evolução do mundo para um estado “orwelliano”. O que previ nesse filme acabou por se concretizar, embora de outra forma, já que hoje somos apenas números. A dialética entre o real e o imaginário é uma constante nos meus filmes.

Os filmes que fez na altura do 25/04/1974 são marcadamente políticos. São filmes de intervenção. A memória desses tempos perdura no que faz hoje ou é uma página que está virada?

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LGT: Com certeza que perdura. 25 de abril sempre! Tal como o maio de 68 e a luta contra Pinochet no Chile. Existe uma iconoclastia, uma vontade de por em causa todos os fundamentos de uma sociedade baseada em artifícios, um regresso a nós próprios. É isso que procuro.
GGT: A consciência política está sempre presente naquilo que fazemos. Pode é manifestar-se de forma diferente. Fiz sempre questão em que a nossa visão humanista estivesse presente neste filme.

Como foi feita a divisão de tarefas?

GGT: Há uma divisão natural, que não tem fronteiras estanques. Nas vésperas das filmagens, eu preocupei-me mais com a reescrita do guião, enquanto ele se preocupou mais com os preparativos e com as equipas. Algumas questões estavam mais do lado do meu pai, enquanto outras estavam mais do meu lado, como o desenvolvimento das personagens. Durante a rodagem, eu preocupei-me mais com a direção de atores, enquanto ele se ocupou mais dos aspetos técnicos. No entanto, todos os dias discutíamos sobre os vários passos a dar na rodagem do filme.
LGT: Completámo-nos um ao outro. Sempre que um se ia abaixo, o que é normal dada a violência que representa uma rodagem, o outro retomava. Por exemplo, na Serra da Estrela dei uma queda que quase colocou em perigo a continuação da rodagem. Aí foi o Gonçalo que pegou em tudo.

Qual das duas personagens é real: Joana ou Catarina?

Luís Diogo, argumentista: Não posso responder (risos). Até porque o guião que escrevi, originalmente, era muito diferente da história que está no filme. Esse guião continha cinco histórias diferentes.

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Como surgiu a história?

LD: Começou com uma notícia real, a descoberta de um cadáver com 5000 anos, que foi batizado o “homem das neves”. Na altura falou-se da possibilidade (que existe) de gerar uma criança a partir desse ADN. Houve inclusivamente várias mulheres que se ofereceram, em Itália, para essa experiência, mas o governo italiano recusou. A verdade é que pode ter recusado apenas oficialmente e, de facto, existir uma Catarina entre nós.

Que alterações sofreu o guião original?

LD: As alterações necessárias para fazer o filme em Portugal. A minha história original passava-se em Los Angeles e na Irlanda, enquanto este filme se passa em Portugal e Espanha. Logo aí, há alterações.
LGT: Quando se pega num guião feito por outra pessoa e se parte para um filme, há sempre alterações que têm de ser feitas, impostas não só pelos realizadores ou coargumentistas, como pela própria realidade. Um filme é uma constante luta contra a realidade. Tentamos transformar um sonho ou uma história em ficção, mas há várias coisas que nos impedem de o fazer, seja a indisponibilidade de um local de filmagens ou de um ator, sejam outros fatores. É uma luta para conseguir realizar o nosso sonho. Há sempre uma necessidade de transformação e de “re-sonhar” as coisas.
LD: E o tempo muda. O guião original foi escrito em 1996, ou seja, há 20 anos que o separam da estreia deste filme.

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Fotos: Lauren Maganete

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