“Quantos judeus teria de matar para vingar o meu irmão?”

“Quantos judeus teria de matar para vingar o meu irmão?”
De  Nelson Pereira
Partilhe esta notíciaComentários
Partilhe esta notíciaClose Button

A euronews entrevistou em Genebra, na Suíça, Ali Abu Awwad, fundador do movimento Al Tariq e um dos mais destacados representantes de uma nova geração de activistas palestinianos.

PUBLICIDADE

Tinha 15 anos quando pegou nas armas pela primeira vez, para combater nas fileiras do Fatah, durante a primeira Intifada. Foi numa prisão israelita que decidiu abraçar a não-violência, em 1993, mas o assassinato do irmão, Youssef, abatido por um soldado israelita em 2001, obrigou Ali a ir ainda mais longe: “Quantos judeus teria de matar para vingar a morte do meu irmão? Foi então que percebi que a única forma de quebrar o círculo do ódio era começar a falar com o outro lado.”

Ali Abu Awwad é um dos mais destacados representantes de uma nova geração de activistas palestinianos que se inspiram dos ensinamentos de Mohandas Gandhi, Martin Luther King e Nelson Mandela. Empenhado em criar uma frente palestiniana de resistência não-violenta, está profundamente convencido de que a paz só será possível quando os judeus se libertarem do medo: “A história do povo judeu é uma série horrível de experiências traumáticas e temos de os ajudar a libertarem-se do medo. Não são eles os nossos inimigos, mas sim o medo que os determina e eu recuso continuar a ser vítima desse medo”, disse à euronews em Genebra, onde participou no debate “Israelitas e palestinianos contra a ocupação”.

Nasceu em 1972 próximo de Hébron, do lado palestiniano, numa família muito envolvida na política. Ouvia contar como tinham sido obrigados em 1948 a deixar as terras e a localidade de Al-Qubayba onde viviam, destruída pelo exército israelita.

A mãe estava ligada ao Fatah e eram frequentes as visitas dos soldados e as cenas de brutalidade quando queriam obter informações sobre palestinianos envolvidos em operações anti-Israel. Activo na intifada que deflagrou em Dezembro de 1987, Ali atirava pedras e “cocktails molotov” às tropas israelitas.

Com 18 anos, em 1990, foi condenado a dez anos de prisão, dos quais cumpriu quarto e foi libertado na sequência dos Acordos de Oslo.

Estava em convalescença depois de ter sido ferido na Cisjordânia pelos tiros de um colono quando soube que Youssef tinha sido morto num posto de controlo. Tinha descoberto o poder da não-violência durante o cativeiro, quando, depois de 17 dias de greve da fome com a mãe, que estava na mesma penitenciária, lhes foi autorizado o contacto.

Foi, no entanto, a morte do irmão que o empurrou para uma decisão radical: “Dei comigo numa encruzilhada. Assaltado pelo ódio, fui obrigado a dar uma volta completa. Há 600 mil colonos na Cisjordânia, onde nós queremos criar um Estado palestiniano e em vez de os demonizar é preciso levar ambas as partes a assumirem responsabilidades e a negociarem uma saída do impasse.”

Fundou o movimento Al Tariq (O Caminho), que ensina os princípios da resistência não-violenta aos palestinianos e desde a morte do irmão faz parte do Fórum Israelo-Palestino de Famílias Enlutadas, fundada por Yitzhak Frankenthal, um judeu ortodoxo cujo filho foi raptado e morto pelo Hamas.

Na região de Gush Etzion, território palestiniano ocupado por uma vintena de colonatos sob controlo do Estado hebreu, entre Belém e Hebron, fundou com outro irmão, Khaled, e o rabino Hanan Shlezinger, a ONG “Raízes”, que organiza encontros entre palestinianos e judeus e envolve hoje cerca de 18 mil pessoas.

Não faltam razões para a violência, precisamos é de uma saída

A não-violência não é cobardia, fraqueza? Não é faltar à solidariedade com as vítimas? Ali replica, a voz pesada: “As condições de vida em que se encontra hoje a população palestiniana são duríssimas. O nosso objectivo é que a raiva e o ressentimento provocado por todas as humilhações e injustiças que fazem o quotidiano dos palestinianos sejam canalizados para acções de resistência não violenta.”

Frisa que aquilo a que Gandhi chamava “satyagraha”, a resistência não-violenta, é o único caminho rumo a uma solução que permita a todos no Médio Oriente viver com dignidade, em liberdade e segurança.

“Há anos que os palestinianos vivem num desespero extremo. Tanto a comunidade internacional como a sociedade israelita não nos deram nenhuma esperança, nenhum modelo de solução pacífica. O papel da não-violência é falar ao desespero das pessoas – não para lhes dizer que têm razão, mas para lhes mostrar uma saída.”

Convencido de que as pessoas anseiam por uma solução e querem agir de acordo com princípios humanitários, Ali Abu Awwad fala a toda a gente, incluindo às facções mais radicais. Diz que o seu objectivo é conseguir o envolvimento de todos num combate por condições humanas para ambas as partes e que esta é a única via que pode trazer a liberdade aos palestinianos.

“Eu não discuto a identidade judaica, eu contesto as acções de Israel, são as acções que devem mudar. O meu apelo aos judeus de Israel é que assumam as suas responsabilidades e vençam o medo. Defendendo a nossa dignidade, estarão a defender a sua própria dignidade.”

Indigna-se quando fala da situação dos palestinianos na Cisjordânia: “O meu povo sofre aqui humilhações e crimes revoltantes. Para conseguir a paz, há que pôr fim à ocupação israelita. Um palestiniano não tem direito à água, à electricidade, não tem direito a construir, passa três horas bloqueado nas barreiras de controlo.”

Ali explica-nos que para conseguir sair do impasse, os activistas do Al Tariq trabalham com os líderes comunitários, criando espaços de acção onde há lugar para todos – judeus, cristãos ou muçulmanos: “Organizamos workshops em vários lugares na Palestina, plantamos árvores, limpamos as ruas, desenvolvemos projectos de responsabilidade civil, incentivamos a participação das mulheres e dos jovens, cooperamos com a comunidade internacional.”

Sublinha que o seu movimento está a criar as bases na sociedade para que os líderes políticos e os líderes comunitários comecem a agir segundo princípios de não-violência: “Estamos a envolver a sociedade palestiniana no processo e os líderes seguirão a sociedade. Temos de unir e não cavar divisões, como fazem os ocupantes – interpelar os políticos israelitas, mas também questionar o nosso olhar sobre os judeus.”

Ali Abu Awwad sabe que escolheu uma batalha difícil. Diz que governo de Israel receia os movimentos da sociedade civil, em particular aqueles que atraem judeus e palestinianos, porque sabe que representam uma força poderosa. E que por isso são alvo de muito ódio, mas é o preço a pagar. Cita Gandhi: “Eles começam por te ignorar, depois riem-se de ti, em seguida atacam-te e finalmente vences.”

PUBLICIDADE

Está convencido de que, “no dia que os palestinianos se unirem massivamente num movimento não-violento, os israelitas vão erguer-se em defesa dos direitos (palestinianos).”

Os primeiros sinais de mudança profunda são já visíveis e muito incómodos para o governo de Israel, mesmo se ainda minoritários: há soldados israelitas que começam a recusar combater, os soldados do movimento “Combatants for Peace” recusam servir no exército.

Pressão internacional

Sobre o movimento “Boicote, desinvestimento e sanções” (BDS), considera-o útil e necessário, lembrando que a não-violência é activa, não é passiva, mas acrescenta que deve fazer parte de um leque mais vasto de medidas.

Há mais de seis mil prisioneiros palestinianos nas prisões israelitas. Para Ali Abu Awwad, se Israel quer contribuir para uma solução, um dos passos é a libertação de todos os prisioneiros palestinianos, pois “não se pode esperar que os palestinianos renunciem à violência enquanto os seus pais e irmãos são vítimas de injustiça nas prisões israelitas.”

Recorda que não se pode esperar uma atitude humanitária de pessoas que continuam a ser humilhadas e diz que a comunidade internacional tem de pressionar o governo de Israel para que isto mude.

PUBLICIDADE

Vivem mais de 2,1 milhões refugiados palestinianos na Jordânia, cerca de 450 mil no Líbano, em campos de refugiados onde estão privados de uma existência digna. Ali alerta que a situação destas pessoas só mudará quando Israel quiser cooperar com a Autoridade Palestiniana, a entidade que representa estes refugiados, para fazer avançar uma solução de dois Estados que envolva também os refugiados palestinianos.

Quanto aos ventos que podem soprar de Washington, diz que se a nova administração americana avançasse com a promessa eleitoral de Donald Trump de mudar a embaixada americana em Israel para Jerusalém significaria que não respeita o sangue derramado – o sangue palestiniano e o sangue judeu – “porque isso provocaria um imenso derramamento de sangue”.

Ali tem um conselho para o presidente Trump: “Em vez de tomar um dos lados do conflito, assuma urgentemente políticas que promovam uma solução, porque nem os palestinianos nem os judeus vão desaparecer. Dar apoio a um dos lados equivaleria a perpetuar o conflito.”

Texto: Nelson Pereira (Genebra)

Partilhe esta notíciaComentários

Notícias relacionadas

Suíça reconhece os direitos de autodefesa de Israel

Houthis "têm armas hipersónicas": Petroleiro e destroyer dos EUA atacados

Familiares de reféns bloqueiam autoestrada em Israel