Hungria considera novo Pacto uma "vitória de Orbán"

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De  Teresa BizarroAna Lázaro e Sandor Zsiros
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A Euronews foi ouvir representantes de três visões diferentes do Pacto para a Imigração e Asilo, proposto pela Comissão Europeia: a dos países que lidam com as chegadas; a dos países relutantes em aceitar refugiados; e a das organizações que se encontram na linha da frente

Com as imagens do campo de refugiados de Moria em chamas presentes na memória coletiva, o novo Pacto para a Imigração e Asilo da Comissão Europeia ganhou uma importância ainda mais urgente. A abordagem de Bruxelas mudou: mais controlos, mais repatriações e o fim das quotas de refugiados.

A nova política de imigração veio para ultrapassar as divisões entre os Estados membros, mas continua a gerar controvérsia.

Nesta edição do The Global Conversation a Euronews convidou representantes de três visões diferentes: a dos países que lidam com as chegadas; a dos países relutantes em aceitar refugiados; e a das organizações que se encontram na linha da frente.

"Sejamos muito honestos, temos até hoje países que não querem assumir qualquer responsabilidade"
Miriam Dalli
Eurodeputada socialista, Malta

Uma proposta menos ambiciosa ou mais realista?

No Parlamento Europeu, os eurodeputados vão agora analisar a proposta da Comissão para o novo Pacto. Uma das pessoas responsáveis pela anáise é Miriam Dalli, eurodeputada socialista de Malta, um dos países da linha da frente para a chegada e receção de migrantes.

Euronews
Miriam DalliEuronews

Euronews (E): Qual é a sua impressão da proposta da Comissão como um todo?

Miriam Dalli (MD): Tenho de ser muito honesta convosco. Sou cautelosa, porque gostaria de ver como vamos garantir que as coisas que estamos a ouvir da Comissão sejam efectivamente transformadas em legislação, mas depois executadas de facto. Na introdução, disse que os membros do Parlamento Europeu vão analisar os detalhes deste pacote. E tem toda a razão. Porque, sabe, dizem que o diabo está nos detalhes e são os detalhes que vão fazer a diferença.

E: Analisemos as diferentes propostas que estão no plano. Querem aumentar o retorno dos migrantes económicos. Pensa que um país como o seu, Malta, pode lidar com um processo que prevê uma decisão no prazo de 12 semanas?

MD: Falo sobre o meu país, mas esta é também a experiência dos países-membros da linha da frente. O que o meu país enfrenta é uma situação semelhante à que a Itália enfrenta, à que a Espanha enfrenta, à que a Grécia enfrenta. Refere os retornos, mas ligado a esses retornos está também o processo de rastreio que tem de ser feito. Não é realmente claro onde é que o processo de rastreio terá de ser feito. O meu entendimento, tal como as coisas estão hoje e pelo que vi, é que será provavelmente da responsabilidade dos países da linha da frente. Isso vai continuar a colocar muito mais responsabilidade e peso nos países da linha da frente. Algo que eu própria e as pessoas que acreditam na solidariedade pensamos que precisa de ser abordado. Não faz sentido, na medida em que se quisermos ser solidários e ajudar os países da linha da frente, não podemos continuar a colocar mais pressão sobre eles.

E: Falemos de solidariedade, porque a Comissão quer que seja obrigatória. Alguns países aceitarão refugiados e outros países pagarão ou financiarão a repatriação dos requerentes de asilo que sejam rejeitados. Pensa que a solidariedade pode ser forçada?

MD: A solidariedade é um princípio da União Europeia. Por isso, deve um passo natural, para que todos os Estados-membros enfrentem este desafio em conjunto. Quando estamos a juntar acolhimento e retorno, é um passo na direcção certa. Porque, sejamos muito honestos, temos até hoje países que não querem assumir qualquer responsabilidade. Creio que a Comissão Europeia fez a proposta com esta ideia que, para estes países, provavelmente seria muito mais fácil patrocinar os retornos. Mas também preciso de compreender como é que isto vai funcionar para aliviar os problemas e os países da linha da frente. Há outra questão: e se todos os Estados-membros optarem pelo patrocínio de retornos, mas não escolherem o acolhimento ou se o pouco acolhimento existente for ainda mais reduzido?

E: Vamos falar sobre os países de origem e de trânsito. A União Europeia já assinou acordos com pelo menos 20 países. Mas isto nem sempre está a funcionar. Como é que isto poderia ser melhorado?

MD: Acredito firmemente que precisamos de trabalhar com esses países. A Comissão Europeia está a dizer que quer dar atenção aos países de origem para garantir que os problemas nos países de onde os migrantes vêm são tidos em conta. Há muito tempo que ouço isto. Espero que haja propostas verdadeiramente fortes que possam abordar essa questão e que também abordem as redes criminosas. Se há algo sobre o qual pouco se tem feito, são as redes criminosas

"Já foram feitas demasiadas concessões? Até agora, tivemos propostas que tentaram não fazer demasiadas concessões. E como cidadã de um Estado-membro da linha da frente, posso dizer-lhe que não funcionaram"
Miriam Dalli
Eurodeputada socialista, Malta

E: Dê-me um exemplo de como podemos lidar melhor com estes países.

MD: Penso que precisamos de fazer parcerias com eles e muito para além das políticas que estão relacionadas com a migração. Se estamos a falar muito em ter uma economia mais verde, porque não alargar esta política para fora da União Europeia e olhar para esses países como nossos parceiros. Parceiros económicos que nos podem ajudar e garantir que podemos reforçar as suas economias. E como parceiros, juntos, começamos a lidar com a questão da migração.

E: Nesta fase, o Pacto é uma proposta. Que mudanças; que mudanças concretas gostaria de ver nela?

MD: Por exemplo, o Pacto fala de um novo coordenador para os retornos, mas não existe um coordenador para a recolocação. Gostaria de ver isso introduzido para garantir que damos o mesmo peso ao acolhimento e aos retornos. Como vamos garantir que o controlo fronteiriço não coloca a responsabilidade apenas nos Estados-membros que estão na linha da frente. É preciso encontrar propostas que possam garantir que todos os países se empenhem para que não seja apenas o local da primeira chegada a lidar com isto.

E: Mas tem a impressão de que foram feitas demasiadas concessões a populistas ou a países como a Hungria ou a Polónia que pediam políticas mais duras?

MD: Já foram feitas demasiadas concessões? Até agora, tivemos propostas que tentaram não fazer demasiadas concessões. E como cidadã de um Estado-membro da linha da frente, posso dizer-lhe que não funcionaram realmente. Penso que o que a Comissão está a tentar fazer é tentar juntar todos os diferentes Estados-membros. Eu, por exemplo, sou totalmente a favor da deslocalização obrigatória, mas isso não está a acontecer.

Novo Pacto é "vitória de Viktor Orbán"

O eurodeputado Balázs Hidvéghi representa no Parlamento europeu o partido no poder na Hungria. O governo de Viktor Orbán tem liderado o discurso anti-migração em Bruxelas e colhe agora este Pacto como uma vitória.

Euronews
Balázs HidvéghiEuronews

Euronews (E): Que primeira avaliação faz ao novo pacote da Comissão Europeia?

Balázs Hidvéghi (BH): Bem, a primeira avaliação é que parece conter alguns elementos novos que parecem ser um passo na direção certa. Sublinha uma necessidade estrita de proteger as fronteiras externas. Fala muito sobre o retorno das pessoas que não têm o direito de permanecer na União Europeia. Por outro lado, ainda fala da migração como algo desejável, ainda fala de uma migração que deve ser gerida... E algo que falta, no nosso ponto de vista, é a perspetiva clara de que os pedidos das pessoas precisam de ser geridos ou devem ser geridos fora da União Europeia em vez de deixar as pessoas entrar e depois levá-las para todo o tipo de lugares, por vezes perdendo-as para fora do radar das autoridades.

E: Mas não se pode simplesmente parar a migração para a Europa. Esta é a realidade. Como se poderia parar completamente a migração, por exemplo, na fronteira marítima?

BH: A Hungria tem demonstrado nos últimos cinco anos que uma fronteira externa pode ser protegida, pode ser defendida, se houver vontade política. Criámos, construímos uma vedação de fronteira. Aumentámos os patrulhamentos. A polícia, os guardas de fronteira estão lá e essa fronteira já não é uma fronteira que os migrantes ilegais estejam a atravessar.

Agora, eu sei que uma fronteira marítima é muito mais difícil, é um tipo de fronteira diferente. Mas, sabe, não é aceitável dizer-se que uma fronteira marítima, só porque está no mar, é impossível de defender. É claro que seria possível defendê-la. A Itália mostrou-o quando o Sr. Salvini era Ministro do Interior.

Solidariedade com a falta de controlo nas fronteiras? Não. Solidariedade com os contrabandistas de seres humanos e com as ONG que cooperam? Não. Fora de questão.
Balázs Hidvéghi
Eurodeputado do Partido Popular Europeu, Hungria

E: O Primeiro-Ministro Viktor Orbán tem vindo a lutar contra as quotas de realojamento obrigatórias nos últimos cinco anos. E estas quotas estão agora fora do pacote. Isso é para si uma vitória?

BH: Em certa parte, sim. Penso que Viktor Orbán, o primeiro-ministro, foi o primeiro a dizer que isso não era aceitável. Desde aí não foi criada uma solução, não se contribuiu para um acordo comum. Pelo contrário, pressionar e forçar o acolhimento obrigatório apenas criou uma divisão cada vez mais profunda dentro da União Europeia. É claro que esse não é o caminho a seguir.

Portanto, se este novo Pacto sobre migração finalmente aceitar essa realidade, isso é um bom desenvolvimento. E é em certa medida, sim, uma vitória de Viktor Orbán.

E: Como é que a Hungria demonstraria solidariedade para com a Itália e a Grécia?

BH: Solidariedade com a falta de controlo nas fronteiras? Não. Solidariedade com os contrabandistas de seres humanos e com as ONG que cooperam? Não. Fora de questão.

A proteção eficaz de uma fronteira externa da União Europeia é uma forma de mostrar solidariedade para com os colegas europeus. E também, nesta nova proposta, eles falam de patrocinar o retorno. Agora, tanto quanto entendo o texto e a proposta, os países que não aceitam o acolhimento de migrantes ilegais ou migrantes podem contribuir para o esforço conjunto patrocinando e gerindo o retorno de pessoas que não têm direito a permanecer na Europa; que não são refugiados e que precisam de partir, mas que não o fizeram nos últimos dois anos. Veremos nas negociações se isso é algo para que vamos contribuir. Penso que o faremos.

E: que tipo de ajuda oferece a Hungria ao povo de Moria?

BH: Penso que as pessoas nestes campos, em Moria e noutros locais, as pessoas nos barcos no Mar Mediterrâneo, as pessoas que estão a pagar tudo o que têm aos contrabandistas de seres humanos para tentarem vir para a Europa, são vítimas. E nós temos simpatia por essas pessoas, obviamente.
Mas são vítimas porque lhes foram dados os sinais errados da União Europeia. Muitas pessoas pensam, nessas zonas do Norte de África e do Médio Oriente, que a única coisa que têm de fazer é entrar de alguma forma no território da União Europeia. Que se o fizerem, não há problema, e poderão ficar aqui o tempo que quiserem. E esta tem sido, de facto, a realidade ao longo dos últimos cinco anos, mas isso é errado. A Europa não é capaz de acolher o mundo inteiro aqui na União Europeia. Isto é contra a vontade do povo europeu. E a migração é algo que, no fim de contas, deve continuar a ser competência dos Estados-membros.

"O debate é realmente sobre a migração económica ilegal em massa. Isso não é aceitável. Isso tem de ser travado"
Balázs Hidvéghi
Eurodeputado do PPE, Hungria

E: Mas a Hungria não é contra aceitar refugiados?

BH: Claro que não. Temos sido muito claros quanto a isso. E as pessoas que têm direito ao estatuto de refugiado, também obtiveram o estatuto de refugiado na Hungria. Isso não é um debate. O debate é realmente sobre a migração económica ilegal em massa. Isso não é aceitável. Isso tem de ser travado.

E: A Hungria tem sido fortemente criticada pelo tratamento de refugiados e migrantes nas fronteiras e zonas de trânsito. Qual é a sua reação a esta crítica?

BH: Rejeito categoricamente qualquer opinião em que se diga que foi desumana ou desrespeitadora do povo ou incorreta. Era, em todos os aspetos, uma forma correta de ter as pessoas algures durante o tempo em que os seus pedidos eram tratados. O pacto migratório também fala agora da necessidade de acelerar o tempo e a decisão sobre esse tipo de pedidos. Veremos se isso será possível. Preferíamos algo semelhante ao que era a zona de trânsito húngara, ter zonas de perigo fora do território da União Europeia que as pessoas possam saber com certeza e com clareza se têm o direito de vir para a Europa ou não.

ONG tem dúvidas sobre a concretização do novo Pacto

Na Europa há pessoas que conhecem bem a migração porque a têm acompanhado de muito perto. A agência Proactiva Open Arms resgatou milhares de migrantes em alto mar. E passou inúmeras horas à espera de um porto europeu para autorizar os seus desembarques.

Euronews
Oscar CampsEuronews

Oscar Camps, fundador e diretor da organização, espera pelo dia em que o trabalho que fazem no Mediterrâneo não seja necessário, mas tem duvidas que isso venha a acontecer em breve.

Euronews (E): A Comissão Europeia apresentou um Pacto para a Imigração e Asilo. O que pensa sobre ele? Pode fazer a diferença?

Oscar Camps (OC): Não parece um bom começo, porque formaliza as políticas xenófobas existentes, externaliza a responsabilidade, especialmente nos centros de detenção em território líbio. Esta proposta fala em reforçar as deportações, mas não fala em reforçar os salvamentos humanitários, de todo.

E: A Comissária para o Interior, Ylva Johansson, fez uma alusão às operações de salvamento. Disse esperar que existam menos navios como o seu no Mediterrâneo. Ela pensa que já não será necessário, porque as novas medidas desempenharão um papel dissuasor, de modo que, os migrantes deixarão de vir para a Europa porque sabem que serão expulsos. Acha que é realista?

OC: Desejo que não seja necessário estarmos no mar. Nem nós, nem outras ONG, nem qualquer outro navio humanitário. Porque isso significaria que a União Europeia tomou a seu cargo as operações de salvamento, quer por uma missão militar, uma missão civil, ou mesmo pela Guarda Costeira Europeia.
Enquanto não for esse o caso, é evidente que terão de tolerar a nossa presença como observadores e como testemunhas do que está realmente a acontecer; de como as convenções internacionais sobre direitos humanos e as leis marítimas internacionais estão a ser violadas. Não só por Malta, mas também pela chamada guarda costeira líbia.

"Esta proposta fala em reforçar as deportações, mas não fala em reforçar os salvamentos humanitários, de todo"
Oscar Camps
Fundador e diretos da Proactiva Open Arms

E: A Comissão propõe igualmente assumir a responsabilidade da coordenação das operações de salvamento para assegurar que os desembarques sejam mais bem preparados. O que pensa desta proposta?

OC: Bem, durante 2016 e 2017, todas as operações de resgate foram coordenadas pela Guarda Costeira Italiana e, por vezes, pela Frontex. Ambas as agências coordenaram os desembarques e a transferência (dos migrantes) dos navios das organizações humanitárias para os navios oficiais. Os desembarques foram todos coordenados e houve alguma ordem. Por coincidência, a partir de Março de 2018, após as eleições em Itália, tudo isto mudou.
Agora, ninguém coordena os salvamentos, nem as acções humanitárias, nem os desembarques. Tudo se tornou um pesadelo, devido à espera e ao sofrimento prolongado e desnecessário das pessoas que estão a ser resgatadas no mar.
Se estas medidas puderem contribuir para acelerar a obtenção de um porto seguro para desembarcar e para assegurar que estas pessoas sejam imediatamente atendidas, serão bem-vindas.

"Externalizar fronteiras, pagar a países terceiros para fazer o trabalho sujo, pagar à Líbia para ter centros de detenção ilegais onde se pratica tortura, extorsão e violações de todos os direitos, não me parece uma boa solução"
Oscar Camps
Fundador e diretor da Proactiva Open Arms

E: O que pensa sobre os acordos com países terceiros. Será que funcionam? Acha que são viáveis? Com que países é possível negociar? Por exemplo, em África.

OC: Tenho muitas dúvidas sobre a ideia da externalização. Temos outros pontos de vista. Pensamos que a solução está no ponto de origem. Precisamos de países seguros, onde os cidadãos se sintam seguros. Isso irá obviamente evitar muitos fluxos migratórios. Se acabarmos com os conflitos, acabaremos também com uma grande parte do fluxo migratório. Externalizar fronteiras, pagar a países terceiros para fazer o trabalho sujo, pagar à Líbia para ter centros de detenção ilegais onde se pratica tortura, extorsão e violações de todos os direitos, não me parece uma boa solução.

E: Há alguns anos, organizações como a sua eram consideradas como anjos da guarda. Havia uma imagem positiva. Em vez disso, agora há agora uma tendência para vos rotular como criminosos. De facto, a sua ONG, e até alguns dos membros da sua tripulação, teve em problemas com a lei. O que aconteceu?

OC: Bem, passámos de cidadãos europeus altamente respeitados a perseguidos. Perseguidos, extorquidos, raptados, alvejados ou ameaçados em águas internacionais. E tudo é obviamente uma campanha de difamação. Porque, de um ponto de vista judicial, nada pode ser feito. Estamos simplesmente a respeitar as convenções internacionais e o Direito marítimo.

E: Para concluirmos, o Pacto que foi apresentado em Bruxelas é uma proposta que ainda tem de ser debatida antes de ser aprovada no Parlamento e pelos Estados-Membros. O que deve ser alterado neste texto?

OC: Recordo à presidente da Comissão Europeia as palavras do seu próprio discurso: o salvamento no mar não é opcional. Mas no texto da proposta, ela quase não menciona o resgate humanitário.

Obviamente que as 30 mil mortes que tivemos nos últimos cinco anos devem ser tidas em consideração. É evidente que precisamos de uma operação de salvamento como a que realizámos em 2014.

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