Contraofensiva ucraniana: quando, onde e como?

A contraofensiva ucraniana é dada como certa nas próximas semanas
A contraofensiva ucraniana é dada como certa nas próximas semanas Direitos de autor Roman Chop/AP
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De  Valerii Nozhin
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Nos últimos mesese, as Forças Armadas Ucranianas estão ativamente a preparar, em território nacional, mas também no estrangeiro, novas unidades para uma contraofensiva em larga escala

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Os militares ucranianos falam em planos para uma contraofensiva de grande envergadura no país desde o final do ano passado.  Os documentos do Pentágono, revelados há algumas semanas, indicavam que a operação estava planeada para começar a 30 de abril. Em finais de março, o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky referiu que as Forças Armadas da Ucrânia (FAU) ainda não estavam prontas para manobras de grande escala. Já este mês, o primeiro-ministro Denys Shmygal indicou que era previsível a contraofensiva ocorresse durante o verão.

Quando vai começar a contraofensiva da Ucrânia?

Os peritos ocidentais parecem inclinados a validar a posição do primeiro-ministro da Ucrânia: no final da primavera ou mesmo no início do verão

"Querem boas condições meteorológicas para que possam efetuar as operações de manobra ofensiva e  proteger as suas próprias forças. Mas também estarão a tentar antecipar-se às tentativas russas de aprofundar e fortificar a sua própria posição. Por isso, estarão a tentar equilibrar essas três coisas. E penso que o tipo de janela de oportunidade é dentro dos próximos um a dois meses. Portanto, Abril, Maio, até ao início de Junho," diz à Euronews Robert Cullum, Especialista em Estudos de Defesa do King's College London.

Mas mesmo antes disso, não há dúvida de que as FAU irão fazer o reconhecimento do campo de batalha, com operações de escala limitada para identificar fraquezas na defesa russa.

Estratégia antecipada de Kiev

Em termos políticos e militares, o discurso público daos responsáveis ucranianos não tem udado uma vírgula: objectivo final deve ser a libertação de todo o território ocupado - incluindo a Crimeia anexada e os territórios das repúblicas separatistas no leste do país. Mas é pouco provável que isto seja feito numa única operação num futuro próximo.

Leo Correa/AP - ARQUIVO 2022
A central nuclear de Zaporíjia vista de uma área na região de Dnipropetrovsk, a 20 km de distânciaLeo Correa/AP - ARQUIVO 2022

A estratégica região de Zaporíjia

O plano mais óbvio de uma contraofensiva ucraniana, segundo os especialistas, deveria ser na direcção do Mar de Azov, na região de Zaporíjia, em torno de Melitopol. Isto poderia dividir os territórios ocupados em dois, cortar as rotas terrestres para a Crimeia e para a região de Kherson, e permitir que a artilharia bombardeasse a península da Crimeia, a base naval em Sebastopol e a ponte da Crimeia. Este é o cenário mais frequentemente discutido pelos políticos, militares e peritos.

Mas o problema aqui para Kiev é que esta direcção de ataque também é óbvia para Moscovo. Tem sido repetidamente noticiado que as tropas russas estão a reforçar seriamente as suas posições na região de Zaporíjia.

Para Gustav Gressel, Investigador do Conselho Europeu das Relações Externas, "o problema é, neste caso, a disponibilidade de forças porque têm então dois flancos abertos, um a oeste, em direcção à Crimeia, outro no leste em direcção aos Donbas. Têm de cobrir estes dois flancos abertos contra os contra-ataques russos de ambos os lados. Quanto mais longe forem, mais forças terão de ter para cobrir os flancos e empurrar a ofensiva - o que os pode atrasar e que pode também engolir uma quantidade considerável de forças".

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As três opções para uma contraofensiva da UcrâniaEuronews

Os peritos consideram que avançar 30 quilómetros para a área de Melitopol - de modo a que as rotas de abastecimento russas estejam ao alcance da artilharia ucraniana - é um objectivo mais realista para Kiev.

Flancos: Kherson e Luhansk

A visita de Vladimir Putin às regiões ocupadas de Kherson e Luhansk, divulgada a 18 de Abril, é também associada por muitos analistas à preparação da defesa nestas áreas - os flancos do agrupamento russo.

No caso de uma contraofensiva nestas direcções, Kiev terá de se preocupar menos em assegurar os seus flancos, mas em cada caso há desvantagens.

Na região de Luhansk, Kremenna, Svatove, Severodonetsk e Lysychansk poderiam ser o foco das ataques ucranianos: os combates nesta área têm vindo a ter um sucesso inconsistente desde há muito tempo. O terreno ali é arborizado e acidentado, dificultando a utilização do equipamento pesado ocidental.

Umacontraofensiva na região de Kherson poderia ser a rota mais curta para a Crimeia para as tropas ucranianas. Mas para a concretizar, teriam de atravessar o rio Dnipro. O mais difícil, segundo os especialistas, não será a operação em si, mas a necessidade de garantir a segurança de travessias e pontes - que neste cenário se tornarão o alvo mais importante para a aviação e mísseis táticos russos. Os ataques russos poderiam isolar os batalhões de batedores ucranianos.

Missão por terra e ar

Em teoria, a superioridade aérea é um factor importante para o sucesso de qualquer ofensiva militar - para atacar, mas tambem para proteger as tropas na linha da frente, as colunas de abastecimento e o território, à medida que as formações progridem no terreno.

Kiev tem falado repetidamente de uma escassez de aviões de combate e de defesa aérea. A acreditar nos já mencionados documentos do Pentágono que surgiram online,  até maio a Ucrânia ficará sem mísseis para sistemas de defesa aérea "soviéticos" de longo e médio alcance - e isto é se forem utilizados ao ritmo actual, sem ter em conta uma contraofensiva.

O Investigador do Conselho Europeu das Relações Externas, Gustav Gressel, sublinha que os meios aéreos são importantes para a proteção das cidades contra ataques russos, mas não têm tanto peso na linha da frente.

"Sim, eles não têm superioridade aérea, o que não é naturalmente o ideal. Mas, por outro lado, a maior parte do reconhecimento não é feito por aviões. E também a maioria das missões de ataque não é feita por aviões, como na NATO. São feitas pela artilharia, tal como no exército russo," diz.

Robert Cullum faz uma análise semelhante. "Tem sido uma guerra muito intensiva de artilharia. Ambos os lados têm usado artilharia e munições de artilharia em enormes quantidades, tanto no ataque como na defesa. Portanto, outro problema que têm de ultrapassar é o fornecimento de munições de artilharia, que é um factor chave para o sucesso militar nesta guerra," afirma o especialista em Estudos de Defesa do King's College London.

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Ainda assim, a falta de meios de defesa aérea na "linha de frente" poderá reduzir significativamente as hipóteses das FAU se o exército russo fizer um uso intensivo de aviões para combater a contraofensiva ucraniana, e neste caso o Ocidente não será capaz de fornecer um apoio significativo.

Segundo Gustav Gressel, "a maioria dos sistemas de defesa aérea que a Ucrânia recebe são ideais para proteger alvos de alto valor como cidades, bases aéreas, etc. O problema é que a Europa tem muito poucos sistemas móveis de defesa aérea baseados em terra para proteger as suas próprias tropas, porque a NATO combate usualmente com superioridade aérea. Portanto, aqui o problema com os fornecimentos ocidentais à Ucrânia passa também pelo facto de a Ucrânia estar a exigir algo que nós mal temos".

Guerra de informações

Do lado dos serviços secretos, Kiev tem a vantagem de ter acesso à informação dos EUA e da NATO (para além da informação da guerrilha nos territórios ocupados por tropas russas). Contudo, a fuga de documentos secretos do Pentágono pode ser uma desvantagem.

"O mau, claro, é que os russos sabem agora quão profundamente e com que meios os serviços secretos americanos analisarmo planeamento russo e a estrutura de comando e controlo russas, e podem ajustar por exemplo os seus códigos ou a encriptação. Se isso acontecer, e se os serviços de informações ocidentais durante a contraofensiva forem menos precisos, vai prejudicar os ucranianos," afirma Gustav Gressel.

Como pode a Rússia responder `à contraofensiva ucraniana?

Segundo os serviços secretos ocidentais, a Rússia está a fortificar quase toda a linha da frente em território ucraniano, com cerca de 800 km de comprimento. Estas faixas consistirão em quilómetros de valas anti-tanque, trincheiras, arame farpado, obstáculos e todo o tipo de postos de tiro fortificados.

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A qualidade destas barreiras tem sido questionada por peritos ocidentais, no entanto, não há dúvida que serão um sério obstáculo para os atacantes se não houver artilharia e apoio de engenharia suficientes.

Como referido, Kiev precisará de muitas tropas para apoiar os flancos e desenvolver fraturas nas linhas inimigas. Estas tropas serão inevitavelmente deslocadas de outras posições, facto de que o exército russo pode tirar partido, atacando áreas enfraquecidas.

Defesa nuclear em cima da mesa

O Kremlin tem recorrido cada vez mais à retórica nuclear e no final de março tomou a decisão de instalar armas nucleares russas no território da Bielorrússia.

Irá o Kremlin decidir utilizar armas nucleares se a contraofensiva ucraniana for bem sucedida?

Gustav Gressel considera que "Putin vai definitivamente pensar duas ou três vezes," mas não acredita que ele o faça "para qualquer região, excepto talvez para a Crimeia".

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A contraofensiva ucraniana vai ser decisiva?

Os políticos ucranianos já disseram várias vezes que uma contraofensiva decisiva na primavera e no verão poderia ditar que a guerra terminasse antes do fim do ano. Os peritos ocidentais contactados pela Euronews são muito cautelosos a este respeito.

"Se tiverem alcançado um sucesso significativo (e creio que o terão), estarão em posição de forçar os russos a sentar-se à mesa e talvez conseguir algum tipo de concessões, particularmente se a Crimeia estiver ameaçada. Putin não vai querer perder a Crimeia por ser um grande símbolo do sucesso do seu regime. Se os ucranianos não tiverem muito sucesso, então penso que vão enfrentar muito mais pressão dos aliados que estão realmente no limite do que estão dispostos a dar em termos de apoio e equipamento. E por isso, a Ucrânia enfrentará provavelmente muito mais pressão para encontrar algum tipo de status quo e cessar-fogo," diz Robert Cullum.

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