"Quando as pessoas se apercebem que sou da Rússia, vejo a sua cara mudar", contou à Euronews um migrante russo que se mudou para a Lituânia no ano passado
"O meu sonho sempre foi mudar-me para a Europa", diz Ivan Sidorov, que não revela o nome verdadeiro por receio. Tem estatuto de imigrante e a família está na Rússia.
Surpreendido com a facilidade com que era possível entrar na União Europeia (UE), Sidorov, 31 anos, encontrou um emprego e mudou-se de São Petersburgo para a Lituânia em setembro passado.
Achou que o seu futuro era na Europa por causa da situação que se vive no seu país.
"O nosso presidente, governo, regime... não podemos mudar nada. Se tentarmos, arriscamo-nos a ir parar à prisão. Antes, pensava que tínhamos uma hipótese, mas apercebi-me que é inútil", conta à Euronews. "O domínio deles é demasiado forte".
Quando os tanques russos invadiram a Ucrânia em fevereiro de 2022, Sidorov participou em vários protestos contra a guerra em São Petersburgo.
Embora tenha conseguido escapar a qualquer punição, milhares de russos foram detidos, espancados e presos pelas forças de segurança por se estarem a manifestar contra o governo.
"Não há nada que possamos fazer para alterar a situação"
Apesar de se opor ao Kremlin, Sidorov diz que a política lhe é implacavelmente imposta. "Antes de me mudar para cá, pensava que a existência de questões políticas entre pessoas comuns como eu, era um mito", admite.
"Pensava que toda a gente compreendia que se tratava apenas de política e que aqueles que deixam a Rússia estão contra tudo isto, que não é escolha dos russos. Mas quando cheguei, fiquei surpreendido com a dificuldade das coisas".
Os lituanos apoiam muito a Ucrânia. Muitos são severos em relação à Rússia, marcados por aquilo a que chamam ocupação, exploração e 'russificação' do seu país na altura da União Soviética.
Sidorov acredita que um "vírus psicológico" herdado da História coloca os russos como inimigos na mente das pessoas, mesmo que o russo com quem se cruzam não seja mau.
O migrante lembra-se de ocasiões em que outras pessoas foram agressivas, hostis ou o questionaram incansavelmente sobre a sua posição em relação à guerra, por vezes insultando-o ou dizendo piadas ofensivas.
"A verdade é que a maior parte da população russa não é política", sublinha.
"A União Soviética eliminou toda a vontade de influenciar a política. Este regime disse às pessoas como deviam viver durante 70 anos e elas ficaram impotentes devido ao caráter autoritário".
Vílnius, em solidariedade com Kiev, implementou várias medidas restritivas para os cidadãos russos, suspendendo os vistos pouco depois da invasão e proibindo-os de comprar propriedades na Lituânia.
"Penso que estas políticas são um grande erro", critica Sidorov. "As pessoas que apoiam esta confusão ficam na Rússia. Todos os outros fogem e tentam fazer uma nova vida".
"Já temos problemas suficientes. Perdemos as nossas casas. Não podemos simplesmente voltar para a Rússia."
"A elite russa está a gozar a vida na Europa como se nada tivesse acontecido"
Mas nem toda a gente está de acordo. Em setembro passado, Benjamin Tallis, especialista em política e segurança internacional, disse à Euronews que a imposição de medidas duras aos cidadãos russos na UE era necessária para mostrar o quanto o bloco estava contra a agressão de Moscovo.
"É errado ver que a elite russa está a gozar a vida na Europa como se nada tivesse acontecido, enquanto os russos continuam a matar, torturar, violar e roubar a Ucrânia", realçou também a cientista política Kristi Raik na altura.
Apesar das restrições de viagem e de vistos impostas por uma grande parte dos países da UE à Rússia em 2022, mais de 600 mil cidadãos russos receberam vistos Schengen no ano passado.
Nadezda Kutepova, uma advogada e ativista russa dos direitos humanos, chegou a França como refugiada em 2015 e acredita que o país "faz o seu melhor".
A forma como é tratada pela sociedade ou pelo Estado franceses não mudou desde o início da guerra, exceto os eternos "problemas da burocracia francesa", revela à Euronews.
Mas Kutepova é severa com os seus compatriotas.
"Estou muito, muito zangada com isto. As pessoas não vão às manifestações porque pensam que a sua participação não é útil. Mas isso não é verdade", acrescenta.
A advogada protesta contra a guerra e critica a "comunidade pró-Putin" em França. Por outro lado, elogia Paris pela criação de mecanismos especiais de proteção dos refugiados ucranianos.
Kutepova consegue compreender as "coisas más" que os ucranianos pensam frequentemente sobre a comunidade russa. "Mas a maioria dos russos não está preparada para ser acusada disso. Eles não são responsáveis pela situação".
Na opinião da ativista, a Europa deveria fazer mais para integrar os russos que vivem dentro das suas fronteiras.
"A comunidade europeia deve estar mais atenta ao que os russos estão a fazer, porque há sempre o perigo de aqueles que não falam a língua local ou não compreendem a história e códigos culturais locais serem facilmente capturados pela embaixada russa", alerta.