UE proíbe produção proveniente de trabalho forçado, visando principalmente a China

Um trabalhador embala carretéis de fio de algodão numa fábrica de têxteis, durante uma viagem organizada pelo governo para jornalistas estrangeiros, em Aksu, no Xinjiang, na China
Um trabalhador embala carretéis de fio de algodão numa fábrica de têxteis, durante uma viagem organizada pelo governo para jornalistas estrangeiros, em Aksu, no Xinjiang, na China Direitos de autor Mark Schiefelbein/Copyright 2021 The AP. All rights reserved
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De  Mared Gwyn JonesPaula Soler
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Artigo publicado originalmente em inglês

O Parlamento aprovou uma nova lei, terça-feira, que permite à União Europeia (UE) proibir a venda, a importação e a exportação de mercadorias fabricadas com recurso ao trabalho forçado. A China é o país potencialmente mais visado por esta legislação, dadas as denúncias em vários setores.

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A legislação foi aprovada com 555 votos a favor, 6 contra e 45 abstenções, na sessão plenária, em Estrasburgo (França) e destina-se a fechar o mercado comunitário aos produtos fabricados com base na chamada escravatura moderna e noutras violações dos direitos humanos.

Apesar de se aplicar a todo o mundo, a lei é vista como uma medida que visa, sobretudo, países tais como a China e o vizinho Turquemenistão, que foram acusados, internacionalmente, de imporem trabalho forçado em unidades geridas pelo Estado.

De acordo com o novo regulamento que deverá entrar em vigor em 2027, enquanto se aguarda a aprovação final dos Estados-membros, as autoridades nacionais poderão lançar investigações sobre produtos suspeitos e proibir a entrada no mercado da UE.

Em caso de suspeitas relacionadas com países fora do bloco, a Comissão Europeia poderá iniciar investigações e solicitar a esses governos que realizem inspeções sobre os casos suspeitos de trabalho escravo.

Os produtos fabricados com recurso a trabalho forçado que já se encontrem no mercado da UE serão doados, reciclados ou destruídos, e as empresas que não cumprirem as regras serão sujeitas a altas multas, a definir pelos governos dos Estados-membros.

"Esta é uma boa notícia para os consumidores e também para as empresas europeias, que atualmente sofrem com o "dumping" (produção mais barata) de importações de regiões com trabalho forçado", afirmou a eurodeputada alemão dos verdes Anna Cavazzini.

28 milhões de escravos modernos

A proposta tem como objetivo travar a tendência crescente de importar produtos baratos, porque realizado com recurso a trabalho forçado, que se tem verificado no mercado da UE, bem como o aumento do número de pessoas em situação de trabalho forçado e o crescimento dos lucros, na última década.

A Organização Internacional do Trabalho estima que pelo menos 28 milhões de pessoas em todo o mundo se encontram numa situação de trabalho forçado, gerando um total de 236 mil milhões de dólares (217 mil milhões de euros) por ano.

Um relatório recente encontrou ligações entre dezenas de grandes marcas de vestuário europeias e o trabalho forçado em campos de detenção na região chinesa de Xinjiang, onde existem provas documentadas de abusos sistemáticos contra os uigures e outros grupos étnicos minoritários.

O relatório concluiu que marcas como a H&M, sediada na Suécia, e a Zara, uma multinacional espanhola, poderiam estar a abastecer-se de materiais fabricados por uigures nos campos de detenção de Xinjiang, a província que produz cerca de 90% do algodão chinês (que, por outro lado, representa uma quota mundial de 20%).

Os produtos fabricados em Xinjiang já não pdoem ser comercializados nos EUA, desde 2021, e as empresas importadoras têm de fornecer provas de que todos os produtos ligados à região são fabricados sem trabalho forçado.

No ano passado, os legisladores norte-americanos lançaram uma investigação contra as empresas retalhistas chineses Shein e Temu - que registaram um enorme crescimento no mercado da UE -, bem como à Adidas e à Nike, por potenciais ligações ao trabalho forçado uigur.

Apresentado pela primeira vez pela Comissão Europeia, em setembro de 2022, o projeto de lei da UE enfrentou vários obstáculos e longos atrasos, com muitos receios de que não fosse concluído no atual mandato.

No entanto, foi alcançado um acordo rápido entre o Parlamento Europeu e o Conselho da UE (ao nível dos ministros dos Estados-membros), no início de março, permitindo que o hemiciclo desse luz verde nesta sessão plenária, a última antes das eleições europeias de junho.

Críticas de alguns setores

Quase todas as bancadas do Parlamento Europeu deram um amplo apoio, mas o FDP - partido liberal e pró-empresarial da Alemanha - argumentou que a lei trará uma burocracia excessiva e afetará as empresas.

As preocupações com as potenciais perturbações no fornecimento de matérias-primas essenciais também bloquearam as negociações. As ligações entre o trabalho forçado em Xinjiang, na China, e a indústria solar provocaram receios de que a lei pudesse levar à escassez dos chamados componentes "sensíveis" necessários à transição energética da Europa.

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Num compromisso entre os governos dos Estados-membros e o Parlamento Europeu, as autoridades nacionais podem pedir às empresas que fornecem "produtos críticos" que retenham os seus produtos até que possam demonstrar que não existem mais ligações ao trabalho forçado nas suas operações, essencialmente atrasando as proibições.

Por outro lado, as organizações da sociedade civil também assinalaram algumas limitações do novo regulamento, uma vez que não inclui a obrigação de indemnizar as vítimas como condição para levantar a proibição de um produto.

"Os trabalhadores afetados pelo trabalho forçado continuarão vulneráveis sem uma obrigação explícita para que se reparem os danos", disse à Euronews Sian Lea, membro da organzição Anti-Slavery International. A perita argumenta  que, sem limiares probatórios baixos, será difícil para os trabalhadores apresentarem queixas contra as empresas que cometem abusos.

Várias organizações não-governamentais lamentam, também, que não haja presunção de trabalho forçado imposto pelo Estado em áreas de alto risco e em setores onde há provas de trabalho escravo.

O regulamento é "fraco" nesses casos, afirma a Clean Clothes Campaign: "Pensamos na população uígure. É de duvidar que este regulamento tenha efetivamente um impacto nas suas vidas".

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Em vez de presunções ou proibições regionais, a Comissão Europeia terá de elaborar uma lista dessas áreas e setores e será criada uma plataforma na Internet para que as partes interessadas possam verificar todas as informações disponíveis.

"Estas novas regras não devem ser apenas um tigre de papel", afirmou Steve Trent, direto-executivo da Environmental Justice Foundation (EJF).

"Os Estados-membros e as instituições europeias têm de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para garantir que são implementadas e aplicadas de forma sólida", acrescentou.

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