Pesticida cancerígeno exportado pela União Europeia para países mais pobres

José Miguel Quesada, um trabalhador agrícola reformado da Costa Rica, tem cancro da língua. Trabalhou durante 40 anos com produtos químicos, incluindo o clorotalonil.
José Miguel Quesada, um trabalhador agrícola reformado da Costa Rica, tem cancro da língua. Trabalhou durante 40 anos com produtos químicos, incluindo o clorotalonil. Direitos de autor Public Eye
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De  Lottie Limb
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Em 2020, Bruxelas baniu o perigoso fungicida, que polui as águas subterrâneas e causa cancro

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A União Europeia (UE) e o Reino Unido têm vindo a exportar centenas de toneladas de um fungicida proibido para países em desenvolvimento.

A conclusão resultou de uma investigação do Unearthed, o projeto de jornalismo da organização não-governamental (ONG) ambiental Greenpeace no Reino Unido, e do Public Eye, uma ONG suíça.

O clorotalonil é um produto químico perigoso que foi proibido na UE há três anos, por poluir as águas subterrâneas e provocar cancro.

A Costa Rica é um dos destinos das exportações europeias deste pesticida, que poluiu fortemente a água nas suas aldeias. A população está, então, a ter de usar camiões para transportar água potável até si.

O clorotalonil é um produto químico perigoso que foi proibido na UE em 2020 devido ao seu potencial para poluir as águas subterrâneas e causar cancro.

A Alemanha, a Itália e o Reino Unido são alguns dos países que ainda enviam centenas de toneladas de pesticidas à base de clorotalonil para os países mais pobres.

A água na Costa Rica está envenenada

José Miguel Quesada trabalhou durante 40 anos nos campos do distrito costa-riquenho de Cipreses. Pulverizava fungicidas, incluindo o clorotalonil, até sete dias por semana.

Fornecida pela Unearthed
Habitantes de Santa Rosa, na Costa Rica, recolhem água potável de um camiãoFornecida pela Unearthed

Quesada tem 76 anos e sofre agora de cancro da língua. "Dizem que, aparentemente, é por causa do sol e dos produtos químicos", conta. "A única coisa que sei é o que usei na agricultura e sempre trabalhámos com esses produtos químicos."

Nos últimos oito meses, as autoridades têm vindo a levar camiões carregados de água potável aos habitantes de Cipreses e Santa Rosa, depois de testes laboratoriais terem detetado 200 vezes o limite seguro de clorotalonil na água da torneira.

No total, são utilizadas mais de 800 toneladas de fungicidas por ano na Costa Rica, conhecida pela sua rica biodiversidade e pelas suas credenciais ecológicas, explica Elídier Vargas, investigador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

"Temos um problema sério no país com a contaminação da água, que foi detetada especialmente na área de Cartago, nos aquedutos de Cipreses e agora em Santa Rosa, no cantão de Oreamuno", diz Vargas.

"Provavelmente, se continuarmos a investigar outros aquedutos, [a contaminação] continuará a aparecer". O governo costa-riquenho está perfeitamente consciente desta probabilidade, revela o "Relatório Técnico Clorotalonil" dos ministérios da Saúde e do Ambiente.

Mais de 65 mil pessoas nas regiões de Oreamuno e Alvarado, no norte de Cartago, bebem água que provém de muito perto de campos agrícolas, alerta o relatório. Assim, há "uma probabilidade muito elevada da presença de contaminantes, devido à utilização de produtos químicos".

Fornecida pela Unearthed
Um trabalhador na Costa Rica pulveriza as culturas agrícolas com Bravonil, um fungicida da Syngenta que contém clorotalonilFornecida pela Unearthed

No entanto, a nação centro-americana não testa regularmente a água para detetar a presença de clorotalonil. Tal como muitos outros países de baixo e médio rendimento, nem sequer tem capacidade para analisar os compostos dos fungicidas nos cursos de água.

A Itália, a Bélgica, o Reino Unido e a Dinamarca estão entre os países europeus que enviaram o perigoso pesticida para a Costa Rica, depois de o considerarem inseguro para ser utilizado nas suas próprias explorações agrícolas.

Os países europeus que mais exportam clorotalonil

Em 2022, empresas agroquímicas planeavam exportar 900 toneladas do fungicida da UE, comprovam documentos obtidos pelo Unearthed ao abrigo da lei da liberdade de informação.

Os maiores exportadores foram a Alemanha (302 toneladas), seguida da Itália (242 toneladas) e da Bélgica (234). A Grécia, os Países Baixos e a Espanha também estiveram envolvidos.

O Reino Unido expediu 104 toneladas de pesticidas à base de clorotalonil no ano passado.

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Mais especificamente, a gigante dos pesticidas Syngenta, com sede na Suíça e propriedade chinesa, comandou grande parte das vendas. A empresa esteve na origem de mais de 40% do volume exportado de produtos à base de clorotalonil.

A Syngenta e outros grandes fabricantes de pesticidas são grandes multinacionais, com fábricas e filiais em vários países. As suas notificações de vendas para o estrangeiro podem, portanto, surgir de todo o lado.

Volume esperado, em toneladas, das exportações de clorotalonil dos países da UE em 2022 ¦ As notificações de exportação são uma estimativa da quantidade total de um produto químico que um exportador tenciona enviar para um determinado país nesse ano.

A esmagadora maioria das exportações da UE (cerca de 90% do peso total) foi enviada para países de baixo e médio rendimento. O Egipto foi o principal destinatário, seguido da Argélia, dos Camarões e da Colômbia.

O Brexit não parece ter desvinculado as exportações da UE e do Reino Unido no comércio de pesticidas proibidos. 

Em 2022, a Syngenta notificou a venda de 14 toneladas de clorotalonil puro da UE para o Reino Unido, de acordo com a investigação do Unearthed e do Public Eye.

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Ainda nesse ano, a multinacional notificou exportações do Reino Unido para a UE, de 51 toneladas de pesticidas com o perigoso composto, prontos para serem utilizados e logo vendidos novamente a outros países.

A Itália e a Bélgica exportaram produtos de clorotalonil para a Costa Rica em 2020 e 2021, descobriram os investigadores ao analisarem os dados aduaneiros do país americano. Todas as exportações italianas foram de um fungicida chamado Acrobat, utilizado em tomates e batatas, produzido pela gigante química alemã BASF.

Se os cientistas consideram o clorotalonil demasiado perigoso para ser utilizado nos nossos campos, porque é que as empresas europeias continuam a poder despejá-lo em países mais pobres com regulamentos menos rigorosos?
Marco Conteiro
Diretor da Política Agrícola, Unidade Europeia da Greenpeace

"Esta investigação mostra que o pesticida está a ser exportado para todo o lado. Enquanto a UE não reprimir a exportação de produtos químicos proibidos, o perigo para as comunidades agrícolas de todo o mundo e a hipocrisia vão continuar", critica Conteiro.

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