Comissão Europeia só avança com o artigo 7.º, a chamada "opção nuclear", contra a Hungria por violação dos direitos fundamentais quando houver uma forte maioria a favor.
"Não é possível à Comissão tomar uma decisão no processo", disse Didier Reynders, Comissário Europeu para a Justiça, esta segunda-feira.
A Hungria está a ser monitorizada pelas instituições europeias desde 2018 ao abrigo do artigo 7.º - que prevê retirada de privilégios por violação dos direitos fundamentais - devido ao retrocesso democrático imposto pelo governo do primeiro-ministro Viktor Orbán, acusado de enfraquecer a independência judicial, perpetuar o clientelismo, diluir o pluralismo dos meios de comunicação social, abusar dos poderes de emergência, aprovar legislação anti-LGBT e dificultar os direitos de asilo.
Embora não esteja relacionada com o Estado de direito, a decisão de Orbán, no mês passado, de vetar sozinho um fundo de 50 mil milhões de euros destinado a prestar assistência financeira a longo prazo à Ucrânia aumentou drasticamente a exasperação em Bruxelas, levando a apelos a uma ação enérgica. A decisão será debatida novamente na quinta-feira, numa cimeira extraordinária de alto risco.
O Parlamento Europeu exigiu que o artigo 7.º passasse para a segunda velocidade e concluísse a "existência de uma violação grave e persistente" dos direitos fundamentais na Hungria.
Mas este novo passo, que nunca foi ativado, requer uma proposta escrita da Comissão Europeia ou de um terço dos Estados-membros. Uma vez apresentada a proposta, os líderes da UE podem realizar uma votação unânime - menos o país acusado - para declarar a violação grave.
"Neste momento, a Comissão não tomou qualquer decisão que permita dar o passo seguinte ao abrigo do artigo 7.º", afirmou Reynders após uma reunião dos ministros dos Assuntos Europeus em Bruxelas.
"A razão para isso é muito simples", acrescentou, apontando diretamente o dedo à falta de consenso no Conselho.
Apesar de alguns diplomatas terem sugerido que a disposição para reforçar o artigo 7.º se tornou mais favorável à luz do veto de Orbán e das suas exigências "transacionais", Reynders deixou claro que a unanimidade necessária era ainda um cenário remoto.
"Não há nada pior do que apresentar uma proposta para depois a ver rejeitada", disse Reynders aos jornalistas. "Se houver um sinal claro no Conselho sobre a possível maioria ou maioria qualificada, ou no final, talvez não tão longe, uma unanimidade para tomar uma decisão, é claro que a Comissão seguirá a posição dos Estados-membros".
Robert Fico, da Eslováquia, que já manifestou reservas sobre o fundo de 50 mil milhões de euros para a Ucrânia, e Giorgia Meloni, de Itália, que tentou posicionar-se como mediadora entre Budapeste e Bruxelas, estão entre os líderes que poderão hesitar em avançar com o artigo 7.º.
Uma vez determinada a "infração grave e persistente", o artigo 7.º pode levar a uma terceira fase: a suspensão dos direitos de membro, incluindo o direito de voto. Retirar a Orbán o seu poder de veto resolveria o impasse sobre a ajuda à Ucrânia e proporcionaria imediatamente a Kiev a liquidez necessária para colmatar o seu défice orçamental crescente.
Mas transformar a Hungria num Estado-membro impotente e de segunda classe seria uma medida radical com consequências imprevisíveis. Falando sob condição de anonimato, um diplomata de alto nível da UE disse, na semana passada, que o reforço do Artigo 7.º seria "inapropriado", enquanto o bloco está a tentar encontrar uma solução entre os 27 países.
Outros, no entanto, tornaram-se mais claros na sua irritação.
"Esperamos realmente que o caminho a seguir passe por uma solução a 27, mas é claro que todas as opções devem estar em cima da mesa", disse Anders Adlercreutz, ministro finlandês dos Assuntos Europeus, antes da reunião de segunda-feira.
"Temos de explicar ao povo húngaro: querem ser eles a dizer aos ucranianos 'Desculpem, deixamos-vos em paz e tentem ajudar-se a si próprios'? Não devemos esquecer a nossa própria história e que ficámos felizes por ter o apoio de outros", disse Xavier Bettel, do Luxemburgo, referindo-se à libertação da Europa durante a Segunda Guerra Mundial.
De Budapeste, Orbán e os seus deputados prometeram manter a sua posição, embora o facto de terem feito pedidos em troca do levantamento do veto sugira que há espaço, embora limitado, para chegar a uma espécie de compromisso durante a cimeira extraordinária.
Entretanto, num reflexo claro da crescente exasperação em Bruxelas, o Financial Times noticiou a existência de um plano "confidencial" para "sabotar" a economia húngara, caso Orbán se recuse a levantar o veto. O alegado plano congelaria todo o financiamento da UE a Budapeste, desencadearia uma corrida à moeda nacional e assustaria os investidores estrangeiros.
Um alto funcionário da UE reconheceu a existência de um "documento factual" sobre o estado da economia húngara, redigido pelo secretariado do Conselho, que "faz uma sugestão que não está de acordo com o curso das ações de negociação".
O ministro húngaro dos Assuntos Europeus, János Bóka, ripostou: "O documento, redigido por burocratas de Bruxelas, apenas confirma o que o Governo húngaro tem vindo a dizer há muito tempo: o acesso aos fundos da UE é usado para chantagem política".