Depois dos palcos, o comediante Beppe Grillo conquistou a cena política italiana. O Movimento 5 Estrelas ganhou quatro câmaras nas eleições municipais italianas, incluindo Parma. Beppe Grillo é contra o euro, contra a austeridade e, até, contra a televisão. Mas fez uma excepção à euronews e aceitou ser entrevistado.
Grillo não poupa as críticas aos meios de comunicação social italianos. “Olhe para aqui”, diz, apontando para a capa da revista Espresso. “Ele – o político Matteo Renzi – está pensativo e eu com ar louco. Eles colocam este tipo de expressões na primeira página e perguntam: “Quer deixar o seu país nas mãos de alguém como Grillo?” Claro que toda a gente vai responder que não!”
Beppe Grillo é o político antissistema e fez tremer a política italiana. Como é que os meios de comunicação social e os partidos reagiram a esta vitória política?
“Eles ainda não perceberam como devem reagir a isto”, diz. “Não perceberam que se trata de uma revolução cultural e não política. Quem lidera é o programa do movimento. As pessoas devem começar a votar num programa e não numa pessoa.”
Beppe Grillo defende a democracia direta, com cidadãos que se elegem entre si. Depois da vitória surpreendente nas municipais, o Movimento 5 Estrelas tem de passar das palavras aos atos e participar na gestão das cidades.
Algo que não assusta Grillo, que desabafa: “Assumimos a nossa responsabilidade, mas encontramos um país em ruínas. Nós vamos dizer: ‘Meus senhores, não temos uma varinha mágica mas vamos ver o que podemos fazer’. Fiz uma digressão na Europa, estive em Londres, Paris, Mónaco. Conheci muitos jovens que deixaram a Itália, são milhões de jovens. São diplomados, tiraram mestrados e dizem que não podem regressar a casa com estas condições. E dizem-no quase a chorar.
Devemos dar-lhes uma oportunidade. Se começarmos a levar o movimento, e não os partidos, para o parlamento, um movimento de cidadãos, uns especializados nos transportes, no lixo urbano, na energia, no “wi-fi”… Se levarmos um movimento de cidadãos para o parlamento, aposto que os italianos regressam ao país de imediato. Somos o país com mais emigrantes depois da Roménia, na Europa. Exportamos licenciados e importamos gente menos qualificada.”
Beppe Grillo formou o Movimento 5 Estrelas, em 2009, a partir da Internet. Um fenómeno de popularidade que começou com manifestações contra a classe política, numa altura em que os partidos extremistas ganharam projeção em toda a Europa.
Para o comediante, a Itália é uma exceção. “O nosso movimento veio preencher um vazio muito perigoso porque o extremismo grego – a Aurora Dourada – ou o francês, de Le Pen, ou o movimento húngaro da extrema-direita crescem nos vazios de poder”, explica. “A Itália inventou o fascismo e exportou-o para todo o mundo, mas hoje, na própria Itália, em vez dos extremismos de esquerda ou de direita, o vazio é preenchido por cidadãos honestos”, lança.
Durante a campanha, Grillo defendeu a saída da Itália da zona euro e não poupou as críticas à moeda única. Agora, volta à carga. “A Europa tem sido uma ideia maravilhosa, inventada por Delors, Brandt, mas falhou ao tentar juntar economias que estavam muito distantes umas das outras. A moeda não devia ser a mesma para todos”, diz.
Mas Grillo vai mais longe: “Provavelmente, vão existir duas moedas ou, então, Angela Merkel e a Alemanha vão regressar ao marco. Nesse caso, teremos um euro mais fraco nos países do sul, como a Grécia, a Espanha, a Itália, Portugal e, até, a Irlanda”.
Por isso, o comediante diz em tom irónico: “Façamos um grupo dos “eurofracos”. Não temos nada a perder. Já perdemos 30 por cento da nossa economia desde que entrámos no euro. A nossa economia está a desintegrar-se por causa da falta de perspetivas futuras. O défice aumenta em vez de diminuir”, conclui.
Durante os comícios, Beppe Grillo denunciou vários escândalos político-financeiros e os vícios da classe dirigente italiana. Silvio Berlusconi continua a ser alvo dos seus reparos: “Foi-se embora há pouco mas já parece da pré-história. Até parece mais velho e já não usa maquilhagem. Berlusconi é uma palavra que não significa mais nada. Fez as suas façanhas graças à sua televisão. Caindo a televisão dele, caiu tudo o que ele criou porque, no fundo, não criou nada.”
A personagem de Grillo provoca amor e ódio. O próprio presidente italiano, Giorgio Napolitano, considera-o um demagogo. E ele contra-ataca. “Quando o presidente fala em “Grillismo” ou em demagogia, ele deveria ter cuidado porque deve ser neutro. Temos 250 representantes locais, eleitos pelos cidadãos, e o presidente foi escolhido pelos partidos e não pelos eleitores”, avisa.
Transparência e luta contra a corrupção são as palavras de ordem de Grillo. Talvez por isso, garanta que o seu movimento não precisa do financiamento de capitais públicos. “Rejeitámos as subvenções eleitorais de um milhão e 700 mil euros”, revela. “Temos dois elementos do partido nas regiões de Emilia-Romana e Piemonte, cujo salário passou de 10/12 mil euros por mês para 2500. Este é já um bom salário para alguém com 25/28 anos. Já o fizemos.”
O comediante costuma usar os palcos e as redes sociais para deixar uma mensagem aos políticos. Desta vez, escolhe a televisão: “Se me permitirem, gostaria de dizer na vossa televisão – porque é um pouco difícil fazê-lo nos canais italianos – que nós temos uma memória graças à internet. É a televisão que não tem memória, mas as pessoas têm. Lembramo-nos dos rostos, dos nomes e dos apelidos. Os políticos não podem ir de férias para as ilhas Seicheles e depois mandarem fotos onde brindam numa festa. Antes de irem, devem devolver o dinheiro que roubaram, pagar alguns juros e serem julgados por um júri popular composto por cidadãos escolhidos ao acaso, sem cadastro, que decidirão que tipo de trabalho comunitário os políticos devem fazer.”