"Obama ainda não tem uma estratégia"

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De  Euronews
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É um dos mais respeitados nomes da política internacional em Washington: Zbigniew Brzezinski, antigo conselheiro do presidente Jimmy Carter. Com 84 anos, este autor de inúmeras obras de geoestratégia mantém uma voz bem ativa. Crítico feroz de George W. Bush e da sua “guerra contra o terrorismo”, foi um dos primeiros apoiantes da candidatura de Barack Obama à Casa Branca. Durante o primeiro mandato, denunciou uma “brandura” em relação a Israel e defendeu a intervenção na Líbia. Nesta entrevista exclusiva à euronews, Brzezinski elogia a nova política externa de Obama e sugere que os líderes europeus deviam ver mais além.

Stefan Grobe, euronews: Agradecemos a sua presença para nos ajudar a avaliar o rumo da política externa e da segurança nacional neste segundo mandato de Obama. O presidente escolheu dois senadores para dirigir os departamentos de Estado e da Defesa, John Kerry e Chuck Hagel, ambos veteranos da guerra do Vietname. É uma coincidência ou está Obama a passar uma mensagem através destas nomeações?

Zbigniew Brzezinski: É um pouco das duas. Penso que não há, concretamente, uma intenção de relembrar as lições tiradas no Vietname. Mas, por outro lado, tratou-se de um capítulo crucial na aventura americana à escala global. Neste sentido, ambos são pessoas que se distinguiram e têm, provavelmente, a sabedoria necessária para extrair os ensinamentos devidos.

SG: Pode-se falar numa espécie de doutrina por parte de Obama?

ZB: Há uma doutrina Obama. No entanto, já afirmei várias vezes, mesmo correndo alguns riscos políticos, que não existe uma estratégia Obama. Creio que esses dois homens podem definir uma estratégia para a doutrina.

SG: E qual deverá ser essa estratégia?

ZB: Antes de mais, deveria ser assumido, como ponto de partida, que o conflito global a que assistimos há mais de 200 anos vai-se alterar no futuro. Ou seja, já não é exequível o conceito de uma hegemonia global sustentada por uma só potência, mesmo a mais poderosa. No entanto, ao mesmo tempo, vamos ter de enfrentar vários conflitos em simultâneo, o que acarreta inúmeros riscos. Daí que tenhamos de ter respostas mais inteligentes, mais diversificadas, idealmente em concertação com outros grandes países, de forma a evitar o confronto global implícito na História recente.

SG: O primeiro ano do segundo mandato de um presidente americano é sempre um período feito de esperanças, até porque é imenso o capital que acumulou na política externa. Obama tem agora quatro anos para ser criativo. Não tem de se preocupar com uma reeleição. Quais deveriam ser as prioridades na utilização desse capital?

ZB: Até certo ponto, as prioridades são ditadas pelos confrontos atuais, pela tensão e conflito crescentes no Médio Oriente, não apenas a tradicional questão israelo-palestiniana, mas também a Síria, e o risco de contágio regional. Obama tem de gerir o risco que o Irão representa. Mas, para além de tudo isto, se olharmos para o mapa mundial, se olharmos para as fronteiras euroasiáticas a sul, para a Coreia do Norte através do Mar da China, para a Índia e para a China, para o Afeganistão e Paquistão, Irão, Iraque, Síria, até ao Suez no Egito, e depois também o Níger e o Mali – vemo-nos confrontados com várias situações potencialmente explosivas.

SG: Falemos agora da Europa. Alguns analistas dizem que, sob a liderança de Obama, a América tornou-se europeia. Apesar de alguns de nós podermos ver nisto um elogio, o sarcasmo não deixa de ser evidente. A Europa enfrenta uma série de problemas, houve muitos erros cometidos, mas sabemos também que, no meio de tudo, parece haver um sentido de responsabilidade e de liderança política. Gostaria de perguntar: por estes dias, a América pode aprender alguma coisa com a Europa?

ZB: De certa forma, sim. Ao olharmos para a Europa e para os problemas que enfrenta, para nós é quase um efeito de espelho: os graves problemas fiscais, os conflitos sócio-económicos, as polarizações internas, os impasses políticos, e a ausência de uma visão de futuro comum. Por isso, temos coisas a aprender uns com os outros. Mas mantenho o otimismo. Acredito que vamos conseguir controlar a situação e acredito que os europeus, sobretudo a União Europeia, vão vencer os desafios.

SG: A competição entre os Estados Unidos e as potências globais emergentes como a China, a Índia e a Rússia… será que a América ainda precisa da Europa ou precisa mais do que nunca?

ZB: Falou na China, na Índia e na Rússia como potências emergentes. Se olhar com atenção, um deles é uma potência emergente. Os outros, não. Um deles debate-se com a nostalgia do passado; outro tem uma auto-estima exagerada dado o seu contexto sócio-económico, mas tem um grande potencial. Há uma potência emergente que é a China. E é evidente que temos de estar muito atentos. Mas a Europa já é uma entidade imensamente importante: é o nosso principal parceiro comercial, o nosso principal aliado global, e dispõe de um grande potencial em termos de vitalidade, podendo trazer contributos decisivos para o contexto em que vivemos. Desde que os europeus definam realmente que tipo de futuro pretendem. Verifica-se na Europa uma tendência para as especificidades, uma espécie de nostalgia em relação ao passado. Não é isso que vai resolver os problemas europeus. A Europa precisa de líderes que vejam mais longe, que era o que acontecia há algumas décadas e que falta hoje em dia.

SG: A tensão política com a Rússia agravou-se depois da aprovação da Lei Magnitsky, que impede os cidadãos americanos de adotarem crianças russas, e após o encerramento da Rádio Liberdade em Moscovo. Como é que vê a política de Obama de fazer um “reset” face à Rússia? Muitos falaram em falhanço. Obama terá sido ingénuo?

ZB: Não penso, em absoluto, que tenha sido um falhanço, nem que tenha havido ingenuidade. Primeiro, é muito limitado, prestemos atenção à palavra “reset”. Não há nada de realmente ambicioso. É uma expressão da era informática. O que significa fazer “reset” num computador? Não vai alterar dramaticamente o conteúdo do computador. É um reajuste. É, portanto, uma definição modesta de objetivos. E creio que eles estão a ser cumpridos, mas num contexto muito mais complicado, devido ao ressurgimento de Putin. E a segunda versão de Putin é muito menos eficaz e sedutora do que a primeira. Ele preocupa-se com o passado, com a recuperação do conceito da Grande Rússia, com a criação de algo parecido com a União Soviética, mas com um outro nome. São propósitos irrealistas que, no final de contas, a maioria dos russos não vai apoiar.

SG: Pensa que ainda podemos vir a assistir a um “reset” do “reset”, neste segundo mandato?

ZB: Vai haver consensos e desacordos.

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