A Áustria prepara-se para um presidente de extrema-direita?

A Áustria prepara-se para um presidente de extrema-direita?
De  Nuno Prudêncio
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A Áustria está a viver uma interminável campanha política.

A Áustria está a viver uma interminável campanha política. As eleições presidenciais que se realizaram em maioforam invalidadas, devido a irregularidades técnicas. O país está profundamente polarizado. Os representantes dos partidos mais moderados do governo – sociais-democratas e conservadores – foram afastados da corrida. O braço de ferro concentra-se entreAlexander Van der Bellen, ecologista, e o candidato do partido de extrema-direita FPÖ,Norbert Hofer, que foi a escolha de quase metade do eleitorado no escrutínio. O que tornou o FPÖ tão popular?

O nome de Werner Otti tem-se tornado cada vez mais conhecido na Áustria: para além de ter participado num concurso de talentos em 2011, é um músico recorrente em festas populares e, há já quase vinte anos, anima os encontros do FPÖ. Aliás, foi ele quem compôs o hino do partido, no qual se canta o amor à pátria com “lágrimas de orgulho”.

Insiders: Right wing populismSegundo o cantor, “um dos aspetos que explica o avanço do FPÖ é a crise dos refugiados. Muitas vezes, dou o exemplo da minha mãe. Ela criou 15 filhos. Hoje em dia, recebe uma pensão de 450 euros por mês. Ao mesmo tempo, temos migrantes a chegar ao nosso país e a beneficiar de um sistema de segurança social para o qual nunca contribuíram. Não tenho nada contra eles, precisam de proteção, correm risco de vida… Mas os austríacos que passam dificuldades não compreendem este sistema. Nunca nos vimos confrontados com este tipo de realidade. Achávamos que íamos estar sossegados aqui no nosso cantinho. De repente, de um ano para o outro…”.

“A União Europeia é uma espécie de ditadura”

Calcula-se que, em 2015, tenham atravessado a Áustria cerca de 10 mil refugiados por dia. A retórica anti-imigração está a disseminar-se na política nacional, não só entre a extrema-direita. A diretora do “Der Standard”, uma referência no jornalismo austríaco, faz um retrato do eleitor do FPÖ.

“O eleitorado do FPÖ é constituído maioritariamente por homens jovens. Há também idosos que têm medo de ficar na miséria – esse é um dos grandes argumentos. Este tipo de medos é mais comum nas camadas sociais com menos estudos, entre aqueles que costumam resistir à mudança, à globalização, que receiam os migrantes que vêm viver para o país. Têm medo de ter cada vez menos oportunidades”, afirma Alexandra Föderl-Schmid.

Enquanto Werner Otti canta, a juventude do FPÖ espalha a mensagem. Fora dos encontros, Gudrun e Marlene costumam distribuir panfletos porta a porta. “A União Europeia é uma espécie de ditadura que determina o que outros países têm de fazer, sem lhes dar hipótese de debater as ordens que chegam…”, diz-nos Gudrun.

A estratégia é idêntica à de outras formações europeias: denunciar a parcialidade dos media, acusar os migrantes de delapidarem a segurança social e de roubarem empregos aos cidadãos, decidir por referendo.

Alexandra Föderl-Schmid considera que “isto é, no mínimo, uma ameaça para a democracia. Segundo algumas citações, o líder do partido, Heinz-Christian Strache, terá o objetivo de convocar um referendo sobre um eventual Öxit, ou seja, chamar os eleitores a votar sobre a possibilidade de a Áustria deixar a União Europeia.”

Öxit: A Áustria fora da UE?

Fomos tentar saber se o afastamento da Europa é, de facto, um objetivo declarado do FPÖ. Heinz-Christian Strache é, por vezes, apelidado de “o capitão”. No caso de Hofer vencer as presidenciais, Strache não esconde a ambição de chegar o quanto antes à chancelaria austríaca. “A Áustria deve deixar a União Europeia?”, perguntámos.

“Não, não… Deixe-me explicar-lhe as coisas da seguinte maneira: nós somos um partido amigo da Europa, aliás vivemos no coração da Europa. Quem deve afastar-se é Juncker e Schulz. Eles é que são os responsáveis pelo Brexit. Se quisermos que o projeto europeu tenha futuro, precisamos de uma Europa feita de nações. A União Europeia deveria limitar-se à cooperação económica. E, acima de tudo, deveria fazer valer os princípios judaico-cristãos que têm de ser preservados para as gerações vindouras”, declara Strache.

Besuch von Marine Le Pen MLP_officiel</a> <a href="https://t.co/1Ar5AXw08R">pic.twitter.com/1Ar5AXw08R</a></p>&mdash; Norbert Hofer (norbertghofer) 18 juin 2016

“Primeiro, a Áustria” – é o slogan de um partido que recusa qualquer contributo para resolver o problema da dívida doutros Estados-membros. Qual é então a relação preconizada com os outros países do bloco europeu? Perguntámos a Norbert Hofer, o candidato presidencial, como olha para a hipótese de um Öxit.

“Seria um erro enorme. Enquanto Estado-membro que se situa no centro da Europa, a Áustria tem a obrigação de contribuir para um desenvolvimento positivo da União Europeia. Dito isto, considero também que não podemos simplesmente aceitar a imigração sem mecanismos de controlo. A solução mais indicada seria mudar o sistema de segurança social: os migrantes não deveriam ter acesso aos benefícios logo desde que chegam ao país. Primeiro, trabalham; depois, usufruem da segurança social. Temos de acabar com incentivos desproporcionados”, sublinha o candidato à chefia do Estado.

Nas eleições invalidadas, o candidato ecologista obteve 50,3% dos votos e o da extrema-direita, 49,7%. Alguns analistas dizem que o atual compasso de espera joga a favor do FPÖ. Bernhard Weidinger é um investigador especializado nos movimentos de extrema-direita na Áustria.

“O líder do FPÖ, Strache, encostou o partido tão à direita, que os seus princípios programáticos ficaram praticamente colados ao neonazismo. O FPÖ é um partido de extrema-direita. Mantém contactos internacionais com partidos e grupos da mesma natureza. Alguns membros do FPÖ participam regularmente em encontros de organizações de extrema-direita. Financiam publicações de teor radical na Áustria. E atribuem sistematicamente todos os problemas que existem aos estrangeiros”, aponta.

As novas eleições presidenciais estão previstas para dezembro. Se Hofer ganhar, será o primeiro chefe de Estado de extrema-direita na história recente da Europa.

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