A Comissão Europeia prepara-se para renovar a autorização do glifosato por mais dez anos, com uma votação agendada para 13 de outubro em Bruxelas.
A atual autorização do glifosato, inicialmente por cinco anos, foi prorrogada em 2017 e, em dezembro de 2022, por mais um ano.
A decisão de Bruxelas de prorrogar a autorização do herbicida baseou-se nas conclusões do relatório da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), publicado em julho, que considerou que o glifosato não apresentava uma "área crítica de preocupação". Esta votação crucial está a suscitar debates e preocupações nos países membros da União Europeia.
A história de Théo, vítima do herbicida
Em 2006, Sabine ainda não sabia que estava grávida e utilizava glifosato no exercício da sua atividade profissional. No entanto, este poderoso herbicida viria a marcar a sua vida para sempre.
"Todos os anos, como parte do meu trabalho como organizadora de passeios a cavalo, tinha de utilizar um herbicida à base de glifosato no nosso picadeiro. É uma área arenosa com cerca de 700 metros quadrados. E demorava vários dias a fazê-lo de cada vez", conta Sabine Grataloup à Euronews. "E foi nessa altura que o Théo estava na minha barriga, no início da minha gravidez, e foi exatamente nessa altura que a laringe, a traqueia e o esófago, malformados do Théo, foram criados".
Em 2018, Sabine processou a Monsanto, o gigante agroquímico norte-americano que popularizou o pesticida. A ligação entre o glifosato e as malformações de Théo foi reconhecida pela Commission d'indemnisation des enfants victimes d'une exposition prenatale aux pesticides e a família foi indemnizada.
É a primeira vez em França que o herbicida é oficialmente reconhecido como uma possível fonte de malformações congénitas.
"É um montante que tem o mérito de existir, que é de cerca de 1.000 euros por mês, pago a partir de cerca de março de 2023 até março de 2025, ou seja, durante três anos. Em março de 2025, a Comissão irá reexaminar o caso do Théo para ver se a indemnização deve ser prolongada ou se se considera que o seu estado já não está a evoluir", comenta Sabine.
Uma vitória, sem dúvida, mas que não apaga anos de sofrimento. "O Théo tem malformações do esófago, da traqueia e da laringe. Trata-se de um síndroma poli malformativo, pelo que tem uma série de malformações que exigiram muitas operações. Foi submetido a um total de 54 operações", conta a mãe.
Ainda hoje, devido a uma rutura do esófago, Théo, de 16 anos, só consegue respirar com uma traqueostomia, um orifício feito na traqueia. Até aos 6 anos, foi alimentado por um tubo.
Antes da votação de sexta-feira, Sabine Grataloup lança um apelo aos eurodeputados:"O que eu gostaria de lhes dizer é que tirem o nariz dos números, que tirem o nariz dos balanços económicos e das estatísticas, que digam a si próprios que por detrás das estatísticas existem verdadeiras vítimas. Se tomarem a decisão de manter o glifosato no mercado europeu, estão a tomar a decisão de que haverá essas vítimas, são responsáveis por esse sofrimento e por essas futuras vítimas".
O que é o glifosato?
O glifosato é um herbicida amplamente utilizado em todo o mundo para eliminar as ervas daninhas que invadem as culturas agrícolas e os espaços públicos. Foi introduzido no mercado na década de 1970 pela Monsanto com o nome comercial Roundup, embora muitos outros fabricantes também produzam formulações à base de glifosato.
A sua popularidade baseia-se na sua inegável eficácia no controlo das ervas daninhas, na sua facilidade de utilização e no seu custo relativamente acessível. O seu modo de ação consiste em inibir uma enzima crucial para o crescimento das plantas, levando à sua eliminação.
No entanto, o glifosato está no centro da controvérsia e do debate devido a preocupações crescentes sobre o seu possível impacto na saúde humana e no ambiente. De acordo com Gergely Simon, responsável sénior pelos produtos químicos na Pesticide Action Network (PAN Europe), uma ONG que trabalha em prol de práticas agrícolas sustentáveis e da redução da utilização de pesticidas na Europa, "o glifosato é o pesticida mais utilizado na Europa e no mundo e é essencialmente um herbicida. É utilizado em diversas aplicações, como a pré-colheita, a dessecação, mas também é utilizado em parques nacionais para combater espécies invasoras e sabemos que é utilizada uma grande quantidade, por exemplo, ao longo das linhas de caminho de ferro para manutenção. Mas há muitas outras utilizações que poderia mencionar".
De acordo com o especialista, esta substância poderia ser facilmente substituída. Mas a Glyphosate EU, uma organização que reúne empresas a favor do pesticida, discorda: "Muitas das abordagens alternativas sugeridas para a gestão das ervas daninhas exigem a reintrodução de práticas agrícolas mecanizadas. Para além do impacto negativo que isso teria no ambiente, as condições estruturais de muitas culturas não permitem a utilização de métodos mecânicos. Por exemplo, não é possível utilizar maquinaria sem destruir as culturas", explica o grupo à Euronews.
"Além disso, nenhum herbicida individual ou combinação de herbicidas atualmente registados na Europa poderia oferecer os mesmos benefícios em termos de redução da lavoura e da possibilidade de adotar culturas de cobertura, elementos essenciais da agricultura de conservação", conclui.
Os riscos do glifosato
Os grupos ambientalistas denunciaram a avaliação da EFSA como "chocante".
"Na nossa opinião, a AESA minimizou as provas existentes de estudos animais e epidemiológicos sobre os efeitos do glifosato, que pode causar danos no ADN em certos organismos", afirma Gergely Simon. "Isto indica que o glifosato pode causar cancro. Por conseguinte, consideramos que, em conformidade com as orientações internacionais da EPA dos EUA, o glifosato deve ser classificado como cancerígeno, tal como já foi feito pela Agência Internacional de Investigação do Cancro (IARC) e também pelo Institut national de la santé et de la recherche médicale (Inserm) de França. Todos eles concluíram que, com base nas provas disponíveis, existe uma ligação provável entre a exposição ao glifosato e o desenvolvimento de cancro".
A EFSA, por seu lado, respondeu que "são mencionadas _data gaps_" no seu relatório,"quer como questões que não puderam ser finalizadas, quer como questões em aberto".
As três questões que não puderam ser concluídas dizem respeito à avaliação de uma das impurezas presentes no glifosato, à avaliação do risco alimentar para os consumidores e à avaliação do risco para as plantas aquáticas. "Globalmente, a informação disponível não permite tirar conclusões definitivas sobre este aspeto da avaliação de risco", disse a EFSA à Euronews.
Gergely Simon sublinha que os riscos não devem ser subestimados em circunstância alguma. "Numerosos estudos mostram que a exposição ao glifosato pode estar ligada tanto ao autismo nas crianças como à doença de Parkinson. Por conseguinte, consideramos que o facto de a AESA ter declarado que não existe um protocolo normalizado para tirar conclusões sobre a neurotoxicidade do glifosato deve ser uma área crítica de preocupação, o que significaria que o glifosato não poderia ser autorizado tal como é atualmente", insiste o perito.
"Além disso, há um grande número de provas alarmantes sobre os efeitos destrutivos do glifosato no microbioma, uma vez que o glifosato é simultaneamente um herbicida e um antibiótico. É utilizado principalmente, por exemplo, para alterar o microbioma do solo, mas também o microbioma do intestino humano. Sabemos que existem muitos riscos para a saúde associados à destruição do microbioma. Por último, a EFSA confirmou que o glifosato tem o potencial de causar desregulação endócrina em doses consideradas seguras na União Europeia", acrescenta o representante da PAN Europa.
Sobre este ponto, a resposta da EFSA não fornece qualquer informação adicional: "Não existem diretrizes internacionalmente reconhecidas para avaliar os riscos associados ao microbioma no domínio dos pesticidas. É necessária mais investigação".
A Glyphosate EU, o grupo de empresas que defende a renovação da autorização do glifosato na Europa, ataca as ONG: "Todas as alegações foram levantadas em várias ocasiões e foram tratadas pelas autoridades reguladoras, na Europa e em todo o mundo. Trata-se de mais uma tentativa das organizações não governamentais para desacreditar o dossier científico mais completo apresentado no pedido de renovação da autorização da UE para o glifosato e para minar a confiança nas autoridades reguladoras, a fim de impedir a renovação da autorização do glifosato na UE", afirma.
Países que se opõem
A Alemanha defendeu o abandono do glifosato na União Europeia. Em setembro de 2023, no final de uma reunião entre representantes dos 27 Estados-membros para discutir a proposta da Comissão Europeia, o Ministro da Agricultura alemão alertou para as ameaças à biodiversidade e sublinhou a necessidade de uma eliminação progressiva e coordenada do glifosato a nível europeu, alertando simultaneamente para a existência de níveis de proteção desiguais na UE.
Em 2021, o governo alemão anunciou a sua decisão de retirar o glifosato do mercado até ao final de 2023. Espera-se, portanto, que o país vote contra a renovação da autorização deste herbicida na UE, na votação prevista para 13 de outubro.
A França, por seu lado**, também tinha tentado adotar medidas restritivas em relação ao glifosato**. Em 2017, o presidente francês, Emmanuel Macron, tinha anunciado num tweet o seu compromisso de proibir totalmente o glifosato em França antes de 2021.
No início de 2019, Macron enterrou a sua promessa durante o Grand Débat. "Podemos dizer que não haverá mais glifosato em cinco anos? É impossível. Não vos vou mentir, não é verdade. Se eu dissesse isso, estaria a matar completamente certos setores", afirmou. " Vamos continuar a comprar trigo que vai ser feito nos vizinhos com Roundup ou pior, e teríamos dito aos nossos agricultores que já não têm o direito de o utilizar?"
A PAN Europe realizou uma sondagem em que dois terços dos inquiridos afirmaram querer uma proibição total de pesticidas como o glifosato. "Acreditamos ainda que a proposta da Comissão não só viola a legislação da UE, como também ignora as preocupações legítimas de vozes como a dos cidadãos europeus. Apenas 14% dos cidadãos manifestaram o seu apoio à utilização total do glifosato. Cerca de dois terços dos inquiridos afirmaram querer uma proibição total", conclui Gergely Simon.