Islândia, a ilha sem medo da igualdade

Islândia, a ilha sem medo da igualdade
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De  Valérie Gauriat
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Campeã do mundo da paridade, a Islândia defende uma sociedade onde homens e mulheres vivam com oportunidades iguais.

O Foro Económico Mundial (WEF, sigla em inglês) diz que a Islândia é o país mais igualitário do mundo em termos de oportunidades de género. É o nono ano consecutivo que a pequena ilha de pouco mais de 300 mil habitantes ocupa o primeiro lugar no ranking da igualdade de género, o Global Gender Gap Report.

Para além da Islândia, países como a Noruega, a Finlândia e a Suécia encontram-se nos primeiros lugares, mas também o Ruanda, a Namíbia e a Nova Zelândia.

De acordo com o ranking de 2017, Portugal ocupa o 33º lugar entre 144 países considerados, à frente da Austrália e dos Estados Unidos, mas atrás de Moçambique, do Reino Unido e da Irlanda.

This is why #Iceland ranks first for #gender equality https://t.co/qi4DbViszepic.twitter.com/rnEJTgwz6G

— World Economic Forum (@wef) 20 de fevereiro de 2018

Para a posição da Islândia no ranking contribuem anos de luta do Movimento pelos Direitos das Mulheres e uma presença forte no mercado de trabalho e na esfera política. Este ano, a Islândia adotou a lei que obriga à igualdade no salário para todas as empresas com mais de 25 trabalhadores. A Euronews viajou até à ilha para descobrir o que faz deste um país tão especial.
Uma Igreja moderna
Numa igreja dos arredores de Reiquejavique, a capital, falámos com Gudrún Karls, ordenada para exercer o sacerdócio. Karls quer uma igreja mais abrangente:

“Se queremos expressar a nossa fé em Deus, é preciso fazê-lo de maneira a que todos se sintam incluídos. Deus não é nem uma mulher nem um homem, nem uma mãe, nem um pai. Foi por isso que comecei a falar de Deus de forma neutra,” explicou à Euronews, momentos depois da missa de domingo.

“Penso que é importante, por outro lado, que possamos falar de Deus no feminino. Quando posso, refiro-me a Deus como ‘ela’. Quero mudar o papel das mulher na Igreja e nas instituições que a dirigem. Só 20% dos membros desses círculos são mulheres e é lá que tudo se decide. É lá que está o poder”.

Gudrún Karls milita pelos direitos das mulheres e apoia o movimento MeToo. Num encontro com a mulher que ocupa o cargo de Bispo da Islândia, entregou os testemunhos de 64 mulheres que afirmam ter sido vítimas de abusos ou agressões sexuais na Islândia.
Igualdade salarial obrigatória
Em termos de igualdade salarial Islândia é dos primeiros país do mundo a passar das palavras à ação. Algumas empresas já apostam na paridade salarial há algum tempo, mas nunca um país aprovou uma lei que obriga a que salários de homens e mulheres sejam iguais.

Entre as empresas que promovem igualdade no trabalho encontra-se a filial local de uma conhecida marca sueca de artigos para a casa, que a Euronews visitou. Do marketing ao departamento financeiro, das vendas à logística, metade dos trabalhadores são mulheres. Ainda que o diretor da filial da marca na Islândia… seja um homem.

Thórarinn Aevarsson explicou à Euronews que a empresa acredita que a igualdade é essencial para um bom negócio:

“Penso que é absolutamente impossível ter uma empresa rentável a longo prazo sem que o pessoal esteja satisfeito. E se metade do pessoal não está satisfeito, é impossível ter uma empresa que funcione. Os trabalhadores que se sentem felizes produzem mais, vendem mais e o dia corre melhor a todos os que aqui estão”.

Islândia ou a viagem a uma ilha de igualdade https://t.co/VVrVoktHaspic.twitter.com/571UgdEzCO

— euronews Português (@euronewspt) 20 de fevereiro de 2018

A entrada em vigor da lei da igualdade salarial é importante. Mas Ragnar Tor Ingólfsson, o presidente do sindicato VR (Sigla para Os Teus Direitos, em islandês) diz que é necessária uma mudança de mentalidades: “É uma ideia assente na nossa cultura, a de que os homens devem ganhar mais do que as mulheres, ainda que façam o mesmo trabalho. Temos também uma lei que exige o mesmo número de homens e de mulheres nos conselhos de administração das empresas,” explicou Ingólfsoon à Euronews.

“Mas há ainda uma certa dificuldade em encontrar mulheres que aceitem esse tipo de cargos em empresas e em instituições. É preciso continuar com esta batalha. Sempre que paramos, as coisas começam a regredir.
Um dia sem mulheres
Esta é uma batalha que é tudo menos nova na Islândia. Gerdur Steinthórsdóttir fez parte do comité de organização do protesto “Dia Sem Mulheres” de outubro de 1975. Um movimento apoiado por 90% das mulheres na altura e que se repetiu depois em várias ocasiões, como em 2016.

“Vieram mulheres de todos os lugares da Islândia. Como rios. E chegaram à praça como se fossem um grande oceano. Foi impressionante. Todas as mulheres, lado a lado. Penso que ajudou a chegarmos onde chegámos. Havia um sentimento de união,” explicou Steinthórsdóttir.

“A Islândia tem mulheres combativas. Uma força herdada de um século de luta feminista.Mas também de uma forte presença no mercado de trabalho,” continuou.

Thorgerdur Einarsdóttir é professora de Estudos de Género na Universidade da Islândia. Contou à Euronews que a atual situação da pequena ilha se deve a um conjunto de fatores:

“Penso que o tamanho do país contribui para o fenómeno. Temos relações próximas, temos redes e ligações. E fluxos de informação que são fáceis e rápidos. As mulheres conseguem mobilizar-se e agir em pouco tempo.”

Em 1975, deu-se a grande greve das mulheres. Em 1980, a Islândia foi o primeiro país do mundo a eleger uma mulher como presidente da República. Quase 30 anos depois, durante a crise económico-financeira que provocou a queda do Governo, foi eleita, pela primeira vez, uma mulher como primeira-ministra.
Igualdade na educação
Na Islândia, a igualdade começa na escola.Hanna Bjorg Vilhjalmsdottir lançou os estudos de género há 10 anos. É obrigatório estudar a disciplona em quase todos as escolas secundárias do país.

“Juntos, analisamos a sociedade e tentamos entender que discriminações existem e porque existem,” explicou Hanna Bjorg Vilhjalmsdottir à Euronews.

“O meu primeiro objetivo é fazer com que eles entendam que a discriminação é um facto. Porque nem todos os estudantes são conscientes disso. Pensam que é assim que as coisas são e pronto. E comecei a perceber que e algo que os faz crescer, entender os estereotipos. Mas o objetivo principal, afinal de contas, é fazer com que sejam felizes. Adultos felizes. Gente feliz numa sociedade melhor.”

Disciplinas de formação cívica como os Estudos de Género, defende Hanna Bjorg Vilhjalmsdottir, são fundamentais para o progesso social:

“Não me parece que nenhuma sociedade possa ser igualitária se o sistema escolar não se assume como elemento ativo na construção dessa igualdade. Como os educamos, plantamos as sementes.”
O método Hjialli
Educar para a igualdade é o desafio a que se propôs Marret Pala Olafsdottir há 30 anos, quando criou o método “Hijalli”:
http://www2.hjalli.is/, agora usado em cerca de 20 escolas islandesas.

As crianças passam o dia separadas e encontram-se uma vez por dia para brincar e conversar. Existem atividades comuns e os brinquedos e as roupas são unissexo. A pedagoga defende que a separação parcial das crianças permite fugir aos estereótipos comportamentais.

“Queremos que as meninas sejam mais audazes. E queremos que aprendam a fazer barulho, a gritar, a saltar e a ocupar um espaço. Entende? Que se façam ouvir!”

“Queremos que sejam seres sociais, gregárias, mas que também sejam fortes enquanto pessoas. No caso dos meninos, queremos que sejam mais hábeis socialmente. Queremos que as meninas sejam sociais e fortes, quando estão sozinhas. E que eles sejam mais qualificados socialmente.”
O rap é coisa de mulheres
A Euronews marcou encontro com o grupo feminino de rap Rekjavikurdaetur. O grupo aceitou, recentemente, fazer parte de uma campanha das Nações Unidas contra a violência sobre as mulheres.

Our summer is going to be soooo good! We will be going places we’ve never been b4! Zagreb is 1 of those places, others tba! https://t.co/kV5dwobDSdpic.twitter.com/nk0A2WZCmP

— Reykjavíkurdætur (@RVKDTR) 14 de fevereiro de 2018

“Conseguimos um lugar na cena musical num género onde não costuma haver muito espaço para nós. Entrámos neste universo que não dá muito espaço às mulheres,” explicou Steinunn Jónsdóttir, uma das integrantes do grupo. Sólveig Pálsdóttir, também membro da banda, disse que o feminismo é “não só uma questão de se ter direito a um espaço, mas também de não ter medo de se assumir como mulher com tudo o que isso implica. Não só ser bonita e sexy, mas agarrar todo o arco-íris do que é ser uma mulher. Porque vivemos numa sociedade estruturada que nos mantem em baixo. É um facto.”
Com António Oliveira e Silva, Ana Serapicos, Ana Ruivo, Lurdes Duro Pereira e Nuno Prudêncio Pereira

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