Guerra na Ucrânia: que impacto sobre os produtos alimentares?

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De  Alice Tidey
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Os preços globais dos alimentos já tinham atingido um recorde. Depois a Rússia invadiu a Ucrânia

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Quando o exército russo iniciou a ofensiva contra a Ucrânia, a 24 de fevereiro, os preços dos alimentos já tinham atingido níveis recorde em todo o mundo. A guerra no leste da Europa veio agravar ainda mais as coisas.

Em fevereiro, os preços globais dos alimentos atingiram máximos, subindo 24% em relação ao período homólogo, após um aumento mensal de 4%.

A zona euro não escapou, com os preços dos alimentos, do álcool e do tabaco a disparar 4,1% no mês de fevereiro, após um aumento de 3,5% em janeiro.

Estes aumentos acentuados foram atribuídos a vários fatores, principalmente à energia e ao transporte. O custo de ambos disparou no ano passado, com a procura por gás natural e transporte a superar, e muito, a oferta, numa altura em que economias de todo o mundo tentavam regressar à normalidade após o coma induzido pela pandemia de Covid-19.

Mas, entretanto, a Rússia invadiu um país vizinho, a Ucrânia, alegando um ataque necessário para evitar o genocídio cometido por parte das autoridades ucranianas no leste do país. A reação nos mercados foi imediata.

Os preços do trigo subiram 50%.

A Ucrânia e a Rússia são comummente referidas como o celeiro do mundo, produzindo cerca de 30% de commodities alimentares, como o trigo e o milho. Só a Ucrânia – um país que é 28 vezes menor do que a Rússia – fornece 16% e 12% do trigo e do milho mundial, respetivamente.

Duas semanas após o início do conflito, Kiev tomou a decisão de proibir as exportações de alimentos básicos, dando prioridade à alimentação da população à medida que a crise humanitária – exacerbada por repetidas violações do cessar-fogo e pela impossibilidade de os comboios com ajuda humanitária chegarem ao terreno - se instalava.

A Rússia seguiu o exemplo, proibindo as exportações de trigo para alguns municípios vizinhos até o final de junho.

Prateleiras vazias na Europa?

"Não acredito que veremos prateleiras de quaisquer produtos alimentares vazias na Europa e a razão é, em primeiro lugar, que não estamos a importar trigo da Ucrânia ou da Rússia, pelo menos não o estamos a fazer em grandes quantidades", sublinhou, em entrevista à Euronews, Matin Qaim, Professor de Economia Agrícola e Diretor do Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento da Universidade de Bona.

"Estamos a importar milho da Ucrânia, mas é usado principalmente como ração animal", acrescentou.

Além disso, a nossa produção de alimentos é fortemente mecanizada, o que significa que o preço das commodities desempenha um papel menor no preço do produto acabado.

"Num pão industrializado que se pode comprar num supermercado, a percentagem do trigo no preço final do pão pode ser inferior a 10%", explicou Qaim.

"Isso significa que se o preço do trigo aumentar, o pão ficará alguns cêntimos mais caro", acrescentou.

Mas isso não impedirá os europeus de sentir no próprio bolso os preços mais elevados da alimentação.

"Obviamente, existem muitos outros componentes, como a energia e os custos de mão-de-obra, o custo das máquinas, o custo do transporte, o custo da marca, a embalagem dos produtos - tudo isso contribui para o valor final. E isso significa que quando o preço do trigo duplicar - e agora é o dobro do nível de há dois anos atrás - não quer dizer que o preço do pão duplicará no nosso contexto", lembrou.

"Preços elevados de alimentos" a caminho

Além disso, os preços dos alimentos são estabelecidos internacionalmente e, com a Ucrânia e a Rússia a retrair as exportações por agora, o impacto continuará a fazer-se sentir. A duração do impacto dependerá da duração da guerra e do estado das infraestruturas quando a poeira baixar.

As autoridades ucranianas acusaram a Rússia de atacar deliberadamente equipamentos agrícolas e os portos do Mar Negro – um importante hub comercial para o trigo – foram gravemente danificados.

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Há ainda incerteza sobre o que a Rússia exportará. As sanções comerciais impostas pelos países ocidentais impedirão grandes exportações? E a liderança da Rússia permitirá que as exportações continuem em vez de estender a proibição a mais países ao longo do ano?

"Os preços dos alimentos são altos, mas o trigo e o pão de trigo são alimentos básicos para a população russa. As pessoas na Rússia são bastante pobres e se os preços do pão realmente dispararem, pode haver revolta. E isso é algo que (o presidente russo Vladimir ) Putin realmente tenta evitar", ressalvou Qaim.

Mais incerteza sobre o que outros países farão para proteger a própria população do aumento dos preços ou para beneficiar desse aumento agravará, provavelmente, a questão. Por exemplo, a Argentina, um dos maiores exportadores mundiais de produtos de soja, já anunciou a interrupção das exportações.

Tudo isso "significa que neste ano de 2022, provavelmente teremos de viver com preços elevados dos alimentos", enfatizou Qaim.

União Europeia "precisa dotar-se de sistemas alimentares resilientes"

O Banco Central Europeu (BCE) já atualizou a projeção de inflação para este ano, esperando-se agora que a inflação em 2022 atinja os 5,1%.

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O BCE alertou que os preços da energia devem permanecer altos e que outras commodities, incluindo alimentos e metais, "também podem ser severamente afetadas pelo conflito, devido ao papel da Rússia e da Ucrânia no abastecimento mundial destas commodities".

Avisou ainda que a inflação alimentar "se manterá elevada ao longo de 2022, devido aos elevados preços das matérias-primas e aos aumentos extraordinários nos preços do gás e da eletricidade, que representam cerca de 90% dos custos totais de energia da indústria alimentar processada e que são um fator importante para a produção de fertilizantes”.

Alguns players da indústria europeia já fizeram soar os alarmes, incluindo a Associação Nacional das Indústrias Alimentares de França (ANIA), que exigiu, no início deste mês, que o governo dê apoio ao setor para mitigar o impacto da guerra sobre preços e abastecimentos.

Um porta-voz da União Europeia (UE) disse à Euronews que "os próximos meses provavelmente levantarão desafios ao nosso sistema agroalimentar".

"Nesta fase, não há ameaça imediata à segurança alimentar na UE, porque a UE é um grande produtor e um exportador líquido de cereais. O impacto imediato reside antes no aumento dos custos em toda a cadeia de abastecimento alimentar, na perturbação dos fluxos de comércio de e para a Ucrânia e a Rússia, bem como nos respetivos impactos na segurança alimentar global".

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O porta-voz acrescentou: "no curto prazo, o desafio vem do aumento dos preços da energia, dos fertilizantes, de rações e do impacto do aumento dos preços dos alimentos na sociedade. No médio prazo, precisamos de uma agricultura sustentável, produtiva e resiliente - com base mas nas estratégias do 'Prado ao Prato' e Biodiversidade".

A Comissão Europeia está atualmente a trabalhar na identificação de medidas de curto e de longo prazo que pode implementar para aumentar a resiliência dos sistemas alimentares do bloco comunitária. Para 23 de março está prevista uma comunicação sobre essa matéria.

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