Ministros das Finanças aprovam a reforma das regras orçamentais da UE

O acordo da UE para reformar as regras fiscais só foi possível depois de a Alemanha e a França terem chegado a um compromisso.
O acordo da UE para reformar as regras fiscais só foi possível depois de a Alemanha e a França terem chegado a um compromisso. Direitos de autor Aurelien Morissard/Copyright 2022 The AP. All rights reserved
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De  Jorge LiboreiroMaria Psara
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Artigo publicado originalmente em inglês

Os ministros da Economia e das Finanças da União Europeia fecharam, na quarta-feira, um acordo para reformar as regras fiscais do bloco, um avanço que só foi possível depois de a Alemanha e a França terem chegado a um consenso após dois meses de debate.

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Os governos de Berlim e Paris estiveram durante meses em lados opostos da mesa, com o primeiro a insistir em salvaguardas automáticas para reduzir os níveis de dívida e o segundo a defender uma maior flexibilidade para criar espaço suficiente para despesas em setores estratégicos.

Os ministros das Finanças alemão, Christian Lindner, e francês, Bruno Le Maire, intensificaram os contactos bilaterais nas últimas semanas, numa tentativa de ultrapassar o impasse. O esforço concretizou-se na terça-feira à noite, quando os dois políticos se reuniram em Paris (França) e anunciaram um compromisso. Le Maire falou depois com o seu homólogo italiano, Giancarlo Giorgetti, para se certificar de que os três maiores países do bloco estavam de acordo.

"Encontrámos o equilíbrio certo", disse Le Maire ao lado de Lindner.

"Precisamos de ter finanças públicas sustentáveis em toda a Europa. E, por outro lado, também é necessário, e todos estão conscientes disso, um maior investimento na transição climática e na defesa", acrescentou.

"Percorremos um longo caminho", acrescentou, "há um ano, as nossas posições eram radicalmente diferentes. Graças ao trabalho árduo que realizámos em conjunto, com o apoio de muitos Estados-membros, incluindo a Itália (...) chegámos a esse acordo".

Linder disse que o seu país, que está a atravessar uma crise orçamental na sequência de uma decisão chocante do Tribunal Constitucional, nunca teria concordado com "regras que não são rigorosas".

"Rigorosas no sentido em que (as regras) são credíveis, suficientes e eficazes para conduzir a níveis de dívida mais baixos e a caminhos fiáveis para défices mais baixos", sublinhou Linder. "As regras antigas eram rigorosas no papel mas não na aplicação."

O compromisso franco-alemão abriu caminho para que os 27 Estados-membros fechassem um acordo preliminar durante uma videoconferência, na quarta-feira, colocando a revisão um passo mais perto de uma conclusão bem-sucedida.

Antecipando a reunião virtual, a Espanha, atual detentora da presidência rotativa do Conselho, tinha preparado um texto jurídico alterado que reduzia ao mínimo o número de questões pendentes.

Faltavam apenas dois elementos a decidir: o ritmo a que os países têm de cumprir o objetivo do défice e o desvio máximo permitido em relação aos seus compromissos orçamentais.

A reforma ainda tem de ser negociada com o Parlamento Europeu, um processo que se espera seja relativamente rápido para garantir que o novo quadro esteja em vigor na altura em que os governos elaborarem os seus próximos orçamentos.

Uma reforma desejada

As regras orçamentais, que remontam ao final da década de 1990, obrigam os 27 Estados-membros a manter os seus défices orçamentais abaixo dos 3% do produto interno bruto (PIB) e os seus níveis de dívida pública abaixo dos 60% do PIB, limiares que muitos excedem, atualmente, após anos de injeção de dinheiro para amortecer o impacto de crises sucessivas.

A reforma, proposta pela Comissão Europeia, em abril, mantém inalterados os objetivos de 3% e 60%, que alguns economistas consideram arbitrários e obsoletos, mas introduz alterações consideráveis na forma como os dois valores têm de ser cumpridos na prática.

Cada Estado-membro deverá elaborar um plano orçamental a médio prazo para reduzir o seu défice a um ritmo credível e colocar a dívida numa "trajetória descendente plausível". Os planos específicos de cada país serão primeiro negociados entre a Comissão e as capitais com base numa "trajetória técnica", fornecida por Bruxelas, e posteriormente aprovados pelo Conselho Europeu.

Os ajustamentos orçamentais necessários para atingir - ou pelo menos aproximar-se - dos valores de 3% e 60% serão efetuados ao longo de quatro anos e poderão ser alargados para sete anos em troca de novas reformas e investimentos.

Ao longo de todo o processo, a Alemanha, apoiada por países "frugais" como os Países Baixos, a Áustria, a Suécia e a Dinamarca, insistiu que os ajustamentos deviam ser acompanhados de salvaguardas numéricas e homogéneas que garantissem uma redução anual dos níveis excessivos da dívida e do défice.

Mas a França, cuja dívida se situa há muito acima do limiar de 90%, resistiu a esta abordagem, argumentando que as normas automáticas seriam contraproducentes, dissuadiriam os investimentos em setores estratégicos e asfixiariam o crescimento económico.

O impasse levou a longos meses de debate sobre a reforma, ao ponto de os outros Estados-membros terem ficado à espera de um avanço franco-alemão para poderem avançar.

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Entretanto, o relógio não parava: a revisão tinha de ser fechada até ao final do ano, porque as regras anteriores devem ser reativadas em 1 de janeiro, depois de terem sido suspensas em março de 2020 para fazer face ao choque da pandemia de Covid-19.

O acordo preliminar inclui quase todas as principais exigências expressas pela Alemanha, que tinha um maior número de aliados do que a França e, por conseguinte, uma maior capacidade de negociação.

As regras reformadas serão apoiadas por duas salvaguardas numéricas, uma baseada na dívida e outra baseada no défice.

Além disso, os Estados-membros que ultrapassarem os limiares vinculativos e se desviarem dos compromissos assumidos no âmbito dos seus planos a médio prazo serão sujeitos, por defeito, ao chamado procedimento por défice excessivo (PDE). 

O início de um PDE conduzirá a multas se a infração persistir. As multas serão graduais para se tornarem mais credíveis e, o que é crucial, não terão um limite máximo, uma concessão fundamental para a coligação frugal.

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A França, no entanto, ganhou uma disposição que estabelece uma "margem de resiliência" na salvaguarda do défice, que permitirá aos países que não cumpram o objetivo de 3% criar "amortecedores orçamentais" para fazer face a choques económicos. Este mecanismo garantirá que as despesas estratégicas possam continuar a fluir em qualquer altura, mesmo em condições adversas.

A subida das taxas de juro será tida em conta antes de a Comissão iniciar um procedimento por défice excessivo, o que representa mais uma vitória para Paris.

Por outro lado, a Itália, que partilhava as preocupações francesas, obteve uma referência explícita para ter em conta as despesas públicas provenientes de projectos de defesa e do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). A Itália é, de longe, o maior beneficiário do PRR com um total de 122,6 mil milhões de euros em empréstimos e 71,8 mil milhões de euros em subvenções.

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