Os agricultores descontentes com políticas da União Europeia (UE) saíram à rua em muitos Estados-membros. Mas qual é a importância do setor agrícola para a economia do bloco? A Euronews analisa o assunto.
Entre as principais reivindicações dos agricultores estão apoios para lidar com a crise do custo de vida, os impostos sobre os combustíveis, a regulamentação ambiental, a burocracia pesada, a concorrência desleal e os acordos de comércio livre.
O movimento espalhou-se por muitos países, nomeadamente grandes potências agrícolas tais como a Alemanha, a França, a Itália, a Espanha e a Polónia e , tendo colocado o Pacto Ecológico Europeu sob grande pressão política antes das próximas eleições para o Parlamento Europeu, em junho.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, - mentora do Pacto Ecológico Europeu, que consideras ser a política maios estratégica do seu mandato - disse perceber as queixas, elogiou o papel dos agricultores na sua dedicação e contribuição económica e prometeu prestar mais atenção às suas preocupações.
Os agricultores "trabalham arduamente todos os dias, para produzir os alimentos de qualidade que comemos. Por isso, penso que lhes devemos apreço, agradecimento e respeito", afirmou von der Leyen, recentemente, no Parlamento Europeu, quando anunciou que retirava do processo legislativo uma lei controversa sobre pesticidas.
"Os problemas agravaram-se nos últimos anos. Os nossos agricultores merecem ser ouvidos. Sei que estão preocupados com o futuro da agricultura e com o seu futuro enquanto agricultores", acrescentou.
Um setor pequeno mas vital
A agricultura é um dos meios de produção mais antigos do mundo, datando de há 12 mil anos, quando as civilizações pré-históricas passaram da caça nómada para a agricultura em povoações permanentes. Nos milénios que se seguiram, a agricultura funcionou como uma importante força de progresso e ajudou a desenvolver muitas das cidades europeias que conhecemos hoje.
No entanto, com o advento da Revolução Industrial, a agricultura começou a perder progressivamente a sua importância, à medida que os países se orientavam fortemente para a indústria transformadora e, mais tarde, para os serviços.
Atualmente, o setor representa uma pequena parte da economia da UE: de acordo com o Eurostat, agência de estatísticas da UE, a agricultura contribuiu com 215,5 mil milhões de euros para o produto interno bruto (PIB) do bloco, em 2022. Em termos relativos, significa 1,4% do PIB total, uma proporção que se manteve estável nos últimos 20 anos.
O setor colheu mais de 537 mil milhões de euros em 2022, dos quais 287,9 mil milhões de euros provenientes de culturas tais como cereais, legumes, frutas, vinho e batatas; e 206 mil milhões de euros com a venda de leite, suínos, bovinos, aves e ovos.
A França foi o maior vendedor desse ano, com 97,1 mil milhões de euros, seguida da Alemanha (76,2 mil milhões de euros), Itália (71,5 mil milhões de euros), Espanha (63 mil milhões de euros) e Polónia (39,5 mil milhões de euros).
Os custos de produção foram elevados, atingindo 316,7 mil milhões de euros em 2022, um aumento de quase 22% em comparação com o ano anterior. O aumento foi impulsionado, principalmente, pela invasão da Ucrânia pela Rússia, que fez disparar os preços da energia e dos fertilizantes para níveis recorde.
Forte concentração
Estima-se que 8,6 milhões de pessoas trabalhem no setor agrícola, o que representa 4,2% do emprego na UE. A Roménia (1,76 milhões) e a Polónia (1,46 milhões) são, de longe, os maiores empregadores. No entanto, estes números não dão uma imagem completa porque a colheita é uma atividade sazonal que emprega muitas pessoas com contratos temporários e a tempo parcial. Tendo em conta estas particularidades, o Eurostat estima a mão de obra em 17 milhões de pessoas.
O setor é orientado para os homens e está a envelhecer: a grande maioria dos gestores agrícolas são homens (68,4%) e têm mais de 55 anos de idade (57,6%). Os Países Baixos registam o maior desequilíbrio entre homens e mulheres, com apenas 5,6% dos agricultores do sexo feminino, enquanto a Letónia e a Lituânia são os países que mais se aproximam de uma proporção de 50-50.
Todos estes agricultores trabalham em 157 milhões de hectares de terras agrícolas, que, por sua vez, estão divididos em 9,1 milhões de explorações. No entanto, esta distribuição é muito desigual: cerca de 52% das terras agrícolas são controladas por 4% das explorações agrícolas, ou seja, as que têm mais de 100 hectares. Em contrapartida, as explorações de pequena dimensão, com menos de 5 hectares, utilizam apenas 6% das terras disponíveis, apesar de representarem 40% do total das explorações.
Esta forte concentração de terras reflecte a industrialização da agricultura, em que um pequeno número de empresas utiliza tecnologias, maquinaria e métodos avançados para produzir culturas em grande escala e vendê-las a nível mundial.
Milhares de milhões em subsídios
A agricultura é um negócio arriscado que está à mercê de fenómenos meteorológicos, da volatilidade da procura e da concorrência estrangeira, o que dificulta a obtenção de lucros e a atração de investimentos. Isto explica por que razão a agricultura é uma das indústrias mais fortemente subsidiadas na UE, apesar da sua contribuição minúscula para o crescimento económico.
Criada em 1962, a Política Agrícola Comum (PAC) é um programa de auxílios estatais que tem por objetivo garantir aos agricultores europeus um rendimento mínimo estável e a possibilidade de competir além fronteiras. Durante décadas, a PAC foi a razão de ser do orçamento comum, absorvendo mais de 60% de todas as despesas. Atualmente, representa um terço.
A PAC tem a dotação de 264 mil milhões de euros para o período 2023-2027, principalmente dedicada a duas linhas de ação: 189,2 mil milhões de euros para apoio ao rendimento (pagamentos diretos que compensam os agricultores) e 66 mil milhões de euros para o desenvolvimento rural, a fim de enfrentar os desafios das zonas empobrecidas.
Os pagamentos diretos não estão, fundamentalmente, ligados à quantidade de colheitas que os agricultores produzem. A Comissão Europeia argumenta que esta ligação incentivaria a sobreprodução para obter uma maior quota-parte de subsídios e desequilibrar o mercado. Em vez disso, os pagamentos são efetuados em função dos hectares (terras cultivadas) e do respeito pela biodiversidade, pelo bem-estar dos animais e pelas regras sanitárias.
A PAC é um dos elementos mais debatidos da política da UE e tem sido objeto de críticas constantes devido, nomeadamente, à sua distribuição desequilibrada (cerca de 80% do orçamento vai parar às mãos de 20% dos agricultores), à sua eficácia questionável (os rendimentos dos agricultores continuam a ser 40% inferiores aos salários médios da UE) e à distorção comercial causada em relação às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Profusão de metano
Outra acusação recorrente feita à PAC é a sua fraca aplicação das normas ambientais. Isto porque a agricultura é um importante fator de poluição, sendo responsável por mais de 10% das emissões de gases com efeito de estufa da UE.
A Agência Europeia do Ambiente (AEA) atribui estas emissões a três fontes:
- CH4 (metano) proveniente da fermentação entérica, que se refere ao processo digestivo dos animais ruminantes, como os bovinos, ovinos e caprinos.
- N2O (óxido nitroso), principalmente devido à utilização de fertilizantes sintéticos à base de azoto.
- CH4 (metano) proveniente da gestão e eliminação de estrume.
Embora o setor agrícola esteja sujeito ao objetivo global da UE de reduzir gradualmente as emissões de gases com efeito de estufa e alcançar a neutralidade climática até 2050, a redução alcançada até agora tem sido extremamente limitada.
De facto, entre 2005 e 2021, a AEA estima que as emissões agrícolas aumentaram em 13 Estados-membros, com a Estónia a ultrapassar a marca dos 30%. Com base nas projeções actuais, a agência prevê um declínio modesto de 4% até 2030, em comparação com os níveis de 2005, que poderá aumentar para 8% se forem implementadas medidas climáticas adicionais.
Este ritmo lento é particularmente preocupante, tendo em conta que pelo menos 25% do aquecimento global é provocado pelo metano, um gás inodoro que é 80 vezes mais nocivo do que o CO2 nos primeiros 20 anos após a sua libertação na atmosfera.
Entretanto, os pesticidas químicos habitualmente utilizados para manter a produtividade das culturas são um fator de perda de biodiversidade, de má qualidade da água, de degradação dos solos e de resistência às pragas, tendo sido associados a doenças crónicas.
Rumo à auto-suficiência
Em reação à pandemia de Covid-19, à guerra na Ucrânia e à crise energética, a Comissão Europeia adotou a "autonomia estratégica" como filosofia orientadora para reduzir as dependências de fornecedores pouco fiáveis.
A agricultura é um setor muito avançado nesse sentido, já que a UE adquiriu autossuficiência (pode satisfazer todas as suas necessidades internas através da produção interna) numa vasta gama de bens que consumimos diariamente, tais como o trigo, o azeite, o tomate, as maçãs, os pêssegos, o queijo, a manteiga, a carne de vaca, a carne de porco e as aves de capoeira.
As importações ainda são consideráveis para o arroz, o açúcar, as oleaginosas e os óleos vegetais.
Isto permitiu que o bloco se tornasse uma potência comercial nos mercados mundiais: em 2022, o bloco exportou 229,1 mil milhões de euros em produtos agrícolas e importou 195,6 mil milhões de euros, o que levou a um confortável excedente de 33,4 mil milhões de euros. A exportação mais valiosa da UE foi a de bebidas (incluindo as espirituosas), no valor de 39 mil milhões de euros.
No entanto, isto não significa que a UE esteja completamente ao abrigo der alguma escassez.
Os fenómenos meteorológicos extremos e o aumento das temperaturas representam uma séria ameaça para a segurança alimentar e podem provocar um aumento de certas importações a longo prazo. Além disso, alguns dos clientes do bloco estão a desenvolver estratégias de auto-suficiência e poderão, no futuro, deixar de comprar tantos géneros alimentícios produzidos na UE.
Um relatório recente da Comissão Europeia alertava para o facto de o abrandamento económico registado na China, que deverá agravar-se devido ao rápido envelhecimento da população, poder limitar seriamente as exportações mundiais de trigo mole, milho, cevada, carne de bovino, carne de suíno e a maioria dos produtos lácteos.