"As políticas económicas de Trump podem fazer um grande favor à Europa"

"As políticas económicas de Trump podem fazer um grande favor à Europa"
De  Nuno Prudêncio
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É possível manter a unidade na Europa perante o contexto político atual? O Global Conversation falou com o diretor do Centro de Estudos Políticos Europeus.

Há quem aguarde a data com expetativapara celebrare há quem considere que, hoje em dia, a realidadeserve mais para nos lamentarmos- dentro de algumas semanas assinala-se o 60° aniversário do Tratado de Roma, um dos atos fundadores da Europa. O momento é de fazer balanços sobre o projeto europeu e debater até que ponto é possível manter a unidade perante a turbulência do contexto político atual. Para falarmos sobre esta e outras questões, convidámosDaniel Gros, o diretor do Centro de Estudos Políticos Europeus, que falou com o Global Conversation a partir de Bruxelas.

Isabelle Kumar, euronews: Fala-se na revelação de um novo roteiro político em Roma. Acha que vão ser apresentadas propostas substanciais?

Daniel Gros: Acho que é desmesurado esperar que os 27 chefes de Estado apresentem um verdadeiro roteiro político para o futuro da Europa, numa altura em que cada um se debate com problemas internos. Podemos esperar, sim, uma declaração grandiosa que provavelmente nem vai abordar nenhum dos problemas que enfrentamos nos dias de hoje. Mas pode dar-nos uma indicação de quais serão as prioridades.

A integração económica e a Europa a duas velocidades

euronews: Angela Merkel voltou a falar na possibilidade de uma Europa a duas velocidades. O que é que isso significa exatamente? É uma ideia que pode ganhar corpo?

DG: O que ela disse, basicamente, foi que nós devemos avançar na frente externa, na segurança externa, no desenvolvimento de uma defesa comum na Europa. Mas também se sabe que há um ou dois países para quem esta questão da defesa é problemática, porque são neutrais. Para Angela Merkel, nós temos de avançar de qualquer maneira e encontrar um compromisso com aqueles que não podem participar.

“Nous voulons que l'anniversaire du Traité de Rome puisse permettre de montrer clairement la direction que nous voulons prendre” #DirectPR

— Élysée (@Elysee) 10 janvier 2017

euronews: Também se tem falado muito na questão da integração económica. A intenção da chanceler alemã é de fazer avançar essa integração económica?

DG: O lado económico do processo de integração é o mais complicado porque, de certa forma, chegámos ao fim do caminho. Um caminho que é compatível com a soberania nacional em matéria de política orçamental, com a moeda comum, com a supervisão conjunta dos bancos. Ou seja, alcançámos um sistema financeiro comum estável, mas duvido que possamos fazer muito mais.

euronews: No final de abril, a França vai a eleições presidenciais; a Itália também poderá ter um escrutínio este ano. Os candidatos à frente nas sondagens dizem que querem levar o euro a referendo. Ao mesmo tempo, temos Mario Draghi, do Banco Central Europeu, a dizer que não se pode abandonar o euro assim, os países têm de permanecer. Quem é que está a dizer a verdade?

DG: A verdade é que, em última análise, os países continuam a ser soberanos. Ou seja, se um país decidir sair da zona euro, isso pode ser contra os tratados, mas ninguém vai enviar um exército europeu para lá. Os americanos enviaram os soldados quando os Estados do sul decidiram separar-se há 150 anos. Nós não o podemos fazer. Só podemos dizer: “ok, não querem ficar, então adeus…”. Isto é, os países podem sair da zona euro se a população ou o parlamento assim o decidirem. Mas continuo a achar que é um cenário altamente improvável. Basta olhar para os números: a situação na zona euro está a melhorar e isso fragiliza as possibilidades de saída.

euronews: Acabou de referir que a economia europeia está a ir melhor do que o esperado… Mas acha que isso é suficiente para travar o avanço dos populistas que pretendem que os seus países saiam da União Europeia ou, pelo menos, da zona euro?

DG: É um facto que a economia europeia está a progredir, mas de uma forma muito desigual. É óbvio que as coisas estão a ir muito bem na Alemanha; mas em Itália, a situação é muito complicada. O quadro geral é de melhoria. Se olharmos para os argumentos das pessoas que querem deixar a União Europeia ou a zona euro, verificamos que tem muito pouco a ver com questões meramente económicas. Tem a ver com questões de identidade, com o retomar do controlo dos destinos do seu país. São fatores que não dependem dos ciclos económicos ou das taxas de desemprego, mas de forças mais profundas. E é aí que está o problema. Não tem tanto a ver com a economia – que está a melhorar -, mas com uma questão identitária profunda: “fazemos realmente parte da Europa?”

“Duvido muito que Trump faça um acordo especial com o Reino Unido”

euronews: Há um país que já tomou a decisão: o Reino Unido. As celebrações de Roma têm sido vistas também como a oportunidade para estabelecer um novo roteiro pós-Brexit. Em termos económicos, em termos de acordos comerciais com os Estados Unidos, estará a Europa a ser atirada, digamos, para o fim da fila, enquanto que o Reino Unido está a saltar para os lugares dianteiros?

DG: Segundo algumas personalidades, o Reino Unido está a assumir a posição dianteira. Mas uma coisa é dizer “vamos estabelecer imediatamente um acordo comercial com o Reino Unido” e outra é decidir realmente abrir certos mercados americanos. É preciso não esquecer que esta administração tem como lema “A América primeiro”. Se quiserem a América primeiro, será que vão realmente abrir os mercados ao Reino Unido e não à União Europeia, que é um mercado muito maior para eles? Duvido muito que Trump faça um acordo especial com o Reino Unido e deixe a União Europeia para trás, que é um mercado muito maior para ele.

Many studies conclude that the #UK will bear the lion’s share of #Brexit costs, says CEPS_thinktank</a>&#39;s Daniel Gros <a href="https://t.co/CVGKOCM2FH">https://t.co/CVGKOCM2FH</a></p>&mdash; Project Syndicate (ProSyn) 7 février 2017

euronews: Afirmou que é Donald Trump quem pode acabar por salvar o euro. De que forma?

DG: É muito simples. Temos de deixar o Twitter de lado e as declarações políticas, e prestar atenção na maneira como a economia funciona. Se Trump cortar massivamente nos impostos e gastar mais no aparelho militar, a economia americana pode ganhar um novo impulso, pode gerar mais importações. Os níveis de exportação da Europa para os Estados Unidos são simpáticos. Ou seja, a zona euro pode vir a avançar significativamente também através das políticas económicas de Trump nos Estados Unidos. Isso pode beneficiar toda a gente: pode acelerar a recuperação económica de Itália, que é um país muito dependente do comércio externo, mas também da França. As políticas económicas de Trump podem vir a fazer um grande favor à Europa ou, pelo menos, à zona euro.

euronews: Por último, gostava só de recordar as palavras de Donald Tusk, o presidente do Conselho Europeu, relativamente aos perigos que a Europa enfrenta: Donald Trump, terrorismo, Rússia, China e populismo. Qual destes considera mais preocupante?

DG: Acho que os problemas internos são os mais graves. O populismo na Europa, termos pessoas a dizer à população, ao eleitorado: “É muito simples, fechamos as fronteiras, e continuamos sozinhos sem todas as regras e regulações que a União Europeia nos impõe”… Isto é ilusório e é muito perigoso, porque se as pessoas seguirem esse caminho, a União Europeia não sobrevive e provavelmente as coisas vão piorar para toda a gente.

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