A União Europeia está a estudar a possibilidade de criar um corredor marítimo para acelerar a entrega de ajuda humanitária a Gaza, apesar de as infra-estruturas portuárias do enclave palestiniano estarem destruídas. É uma ideia da França que Chipre quer ajudar a colocar em prática.
O presidente francês, Emmanuel Macron, mencionou a ideia de criar uma corredor humanitário marítimo para Gaza após a cimeira da União Europeia (UE), a 26-27 de outubro, e desde então foi apelidada de "Amalthea", em homenagem à mãe adotiva do deus Zeus, na mitologia grega.
Mas os desafios logísticos e políticos são consideráveis, realçou Janez Lenarčič, comissário europeu para a Gestão de Crises, à imprensa, segunda-feira, por ocasião do Conselho de Negócios Estrangeiros da UE, em Bruxelas.
"O problema logístico com o corredor marítimo é o facto de não haver, neste momento, na costa de Gaza, nenhuma instalação de desembarque e descarga, pelo que isso teria de ser implementado", explicou Janez Lenarčič.
Um diplomata europeu disse à Euronews que "é possível, se houver vontade política".
O governo de Chipre é um dos impulsionadores da iniciativa e já apresentou planos concretos à comunidade internacional, durante a conferência humanitária sobre Gaza, em Paris, na semana passada.
O presidente grego, Nikos Christodoulides, afirmou que a ideia "tem vindo a ganhar força e apoio político como uma rota sustentável, fiável, segura e viável para a ajuda humanitária a Gaza".
"Chipre está pronto a trabalhar em estreita colaboração com todos os que estão interessados em servir este objetivo humanitário final", acrescentou Nikos Christodoulides.
O ministro dos Negócios Estrangeiros cipriota, Constantinos Kombos, já explicou esses planos aos seus homólogos, na reunião de segunda-feira, e disse à imprensa quais são os três fatores que podem levar à sua concretização.
"Em primeiro lugar, a proximidade geográfica de Gaza; em segundo lugar, as infra-estruturas pré-existentes em Chipre; e, por último, as relações estratégicas com as principais partes interessadas na região, que criam confiança política", afirmou.
Chipre quer proporcionar "um centro seguro, totalmente monitorizado e em quarentena, com várias opções para a entrega de ajuda humanitária em grande volume, alta frequência e faseada", acrescentou.
Um navio equivale a 500 camiões
O governo de Nicósia acredita que pode usar o seu porto, descrito como um "porto de gestão de crises", que fica a apenas 10 quilómetros de um aeroporto, e na interseção com o "Centro de Segurança Terrestre, Marítima e Portuária" (CYCLOPS).
Esse centro de formação, propriedade de Chipre, foi criado em estreita colaboração com os Estados Unidos, com o objetivo de "reforçar as capacidades de segurança em Chipre, na UE, na região do Mediterrâneo Oriental e não só". O organismo coordena, controla e efetua operações de busca e salvamento com 33 países parceiros.
A proximidade geográfica de Chipre em relação a Gaza - é o país da UE mais próximo do enclave, a cerca de 210 milhas náuticas de distância - significa que os navios levariam cerca de 12 horas a chegar a Gaza, partindo do porto cipriota de de Larnaka.
O governo cipriota realça, ainda, que um navio pode transportar a mesma quantidade de ajuda humanitária que 500 camiões - o número que costumava entrar em Gaza diariamente antes da última escalada.
Desde a escalada, apenas entrean 60-70 camiões, por dia, devido aos controlos e restrições de segurança na passagem de Rafah, a única passagem terrestre (do Egipto para Gaza) que está aberta.
O corredor marítimo também poderia evitar os atrasos observados nas operações no Egipto, a braços com a necessidade de operacionalizar a ajuda humanitária proveniente de todo o mundo.
Um "porto provisório
O porto de Gaza foi destruído pelos bombardeamentos israelitas em retaliação pelo ataque terrorista de 7 de outubro levado a cabo pelo Hamas, no qual morreram 1400 israelitas e mais de 240 foram raptados, pelo que não existe nenhuma infraestrutura para receber a ajuda.
Uma opção seria entregar a ajuda noutro porto da região, por exemplo no Egipto. No entanto, poderá não ser o ideal porque a ajuda estaria sujeita aos mesmos atrasos que se verificam em terra, dado o facto deste país centralizar a ajuda.
Por conseguinte, é preferível a entrega direta em Gaza. "O nosso entendimento é que a única possibilidade é construir uma espécie de porto provisório ou algo parecido com o que os militares fazem. "Isso leva tempo, é difícil", disse um alto funcionário da UE, na semana passada.
Neste momento é difícil estimar por quanto tempo esta infraestrutura será necessária. "Se for necessário transferir ajuda humanitária durante muito tempo, então é preciso algo mais estável. Mas a verdade é que ainda não sabemos", disse um diplomata da UE.
Israel concordará?
Outra incógnita é saber quem irá ajudar a receber e distribuir a ajuda em Gaza, que chegaria à costa. Aualmente, o Crescente Vermelho egípcio é a única organização mandatada a gerir a ajuda humanitária que entra no país com destino a Gaza e que depois é entregue ao seu homólogo palestiniano, na passagem de Rafah.
Fontes diplomáticas disseram à Euronews que Chipre já está a discutir com as organizações não-governamentais no terreno, mas há outra limitação.
"Obviamente, precisamos do acordo do governo israelita para fazer isso e precisamos de certas condições de segurança para que isso funcione exatamente da mesma forma que fazemos quando tentamos levar a nossa ajuda humanitária através dos diferentes pontos de passagem em Rafah e entre Gaza e o resto do mundo", disse o alto funcionário da UE.
As discussões com o governo israelita já estão em curso, segundo as fontes.