Bélgica controla Grande Mesquita para impôr Islão moderado

Bélgica controla Grande Mesquita para impôr Islão moderado
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De  Aissa BOUKANOUNIsabel Marques da Silva
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Poucos dias antes do segundo aniversário dos ataques terroristas em Bruxelas, a 22 de março, o governo belga passou a gerir a Grande Mesquita, suspeita de ter apelado ao jihadismo. O correspondente da euronews em Bruxelas, Aissa Boukanoun, entrevistou um deputado, um perito e um imã sobre o tema.

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Poucos dias antes do segundo aniversário dos ataques terroristas em Bruxelas, a 22 de março, o governo belga passou a gerir a Grande Mesquita, até aí nas mãos de entidade da Arábia Saudita.

Georges Dallemagn, deputado federal belga e vice-presidente da comissão de inquérito parlamentar sobre os atentados, disse que há provas de que apregoava o salafismo, uma versão radical do Islão que apela à violência.

"Havia vários jovens que frequentavam esta mesquita e que foram lutar ao lado do Daesh, na Síria. Foi na mesquita que receberam doutrina ou, pelo menos, tinham lá contactos. Mas esta não era a única mesquita que apregoava o salafismo, havia outra em Molenbeek. As duas mesquitas estavam estreitamente em contacto entre si e com alguns dos terroristas que cometeram ataques em solo belga", explicou à euronews.

A comunidade muçulmana belga de origem marroquina passou a ter a co-gestão da Grande Mesquita, com o governo belga confiante de que a mensagem será moderada e respeitadora dos valores do país.

"Não temos nenhuma mensagem de apologia de ideias radicais ou salafistas", disse Tamer Abou El Saod, diretor da mesquita.

"Todos os sermões são preparados com antecedência, durante a semana, e revistos por pequenos comités internos. O conteúdo é analisado, há um debate entre nós sobre o tema escolhido e depois reescrevemos a versão final a ser divulgada no sermão de sexta-feira", acrescentou.

Face à forte presença de células terroristas no país, o governo belga prometeu mais medidas anti-radicalização nas mesquitas, mas também nas prisões e nas escolas.

O correspondente da euronews em Bruxelas, Aissa Boukanoun, entrevistou Michaël Dantinne, professor de Criminologia na Universidade de Liége, que foi convidado a integrar a comissão de inquérito parlamentar sobre os ataques em Bruxelas.

euronews: A Bélgica foi palco de dois ataques mortíferos e o governo empreendeu uma série de medidas, sem recorrer a leis excepcionais. Porquê?

Michaël Dantinne: Certamente por causa do princípio de que não devemos lutar contra o gesto antidemocrático do terrorismo com leis que violam as liberdades e a democracia. Penso que é uma boa reação.

euronews: O governo belga anunciou, na passada sexta-feira, que assumiu o controle da Grande Mesquita de Bruxelas. É o princípio de uma espécie de Islão oficial da Bélgica?

Michaël Dantinne: Penso que o objetivo é sobretudo simbólico, uma vez que a comissão de inquérito ficou convencida de que a versão salafista wahbita do Islão estava a ser pregada nessa mesquita. Era preciso dizer "Stop", não vamos tolerar uma mesquita com essa mensagem no interior do Estado belga. Será necessário apregoar um outro tipo de Islão e fala-se de um islamismo da Bélgica, o que na prática não diz nada. Na realidade, um Islão da Bélgica significa que é praticado pela comunidade muçulmana belga de acordo com os valores da sociedad e, sobretudo, de acordo com as leis belgas. Muitas vezes não se explica que o radicalismo é uma concepção da religião que diz que a lei de Deus prevalece sobre a lei dos homens. O islamismo da Bélgica seria uma versão oposta a essa, em que a lei dos homens prevalece sobre a de Deus.

euronews: De acordo com várias investigações, a sedução pela ideologia jihadista conduz rapidamente à radicalização nas prisões, mesquitas e redes sociais. Qual é o perfil típico de um agente de radicalização? Quem recruta?

Michaël Dantinne: Na realidade, estão em causa muitos elementos. O recrutador não seduzirá todos, haverá pessoas que serão mais recetivas à sua mensagem, mais vulneráveis às suas ideias. O recrutador adapta a sua mensagem e, seguramente no caso de uma organização tão forte como a do Daesh, faz grandes esforços por passar a mensagem certa, no momento certo, atraindo um grande número de pessoas. Não é preciso, necessariamente, que seja feito por uma figura importante como foi Osama Bin Laden na Al Qaeda. Pode ser um grande líder, mas também pode ser alguém que vive na mesma rua e por quem se tem respeito. Trata-se de fazer essa combinação: ter a mensagem certa, o local para a passar e um líder carismático que se certificará de que as ideias são bem recebidas.

euronews: O regresso à Europa de jihadistas que estiveram nas zonas de conflito preocupa a nossa sociedade. É possível averiguar a sinceridade do arrependimento de um jihadista?

Michaël Dantinne: É uma questão pertinente. Um estudo francês mostrava que os jovens acreditavam muito mais no conceito de arrependimento do que no conceito de Estado francês. Portanto, há realmente um interesse em garantir que essas pessoas não têm um discurso duplo e objetivos ocultos. É preciso certificar-se a cem por cento da sinceridade das pessoas, o que é uma tarefa muito difícil. Devemos assumir que certamente haverá pessoas que estão escondidas. Devemos supor que nunca chegaremos ao "risco zero" de oportunidade para atacar. Haverá pessoas que, sob o pretexto de participar na prevenção do radicalismo, usam esses programas para radicalizar as pessoas. Devemos ter muito cuidado. É uma dinâmica importante, mas também perigosa. Creio, em todo caso, que nunca devemos deixar de ser muitos prudentes nestas matérias.

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