Arte secular do vidro de Murano ameaçada pelo agravamento do preço do gás natural

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De  Francisco MarquesLuca Palamara
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Faturas para manter os fornos acesos em Murano podem passar dos dois milhões para os oito milhões de euros anuais. Incomportável para os mestres vidraceiros italianos

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A ilha de Murano, ao largo de Veneza, é também ela famosa. Não pelos canais que a cruzam, mas pela arte ancestral de soprar o vidro para criar alguns dos artefactos italianos mais desejados pelo mundo há séculos.

Agora, é também este ofício a ameaçar a subsistência de quem vive em Murano desta arte ancestral e tudo por causa do agravamento dos preços do gás natural, essencial nos fornos onde são fundidas, a mais de 1200 graus centígrados, as areias minerais na origem deste vidro especial.

O vidro de Murano dá "vida" a diversos artefactos que vão da mais utilitária louça, a estatuetas decorativas ou a candelabros que iluminam algumas das mais originais salas por todo o mundo. Para se ter uma ideia do valor desta arte, um simples par de taças de champanhe pode ser adquirido por 200 euros.

A peça mais cara de vidro de Murano é uma estatueta esculpida pelo criador americano Thomas Stearns, vendida na leiloeira Wright em 2018 por 737 mil dólares (quase 650 mil euros ao câmbio atual).

Existem cerca de 60 empresas vidraceiras em Murano, nas quais os fornos precisam de ficar acesos 24 horas por dia e isso representava uma fatura de dois milhões de euros anuais em gás natural.

Desde 1 de outubro, os preços passaram de pouco mais de 20 cêntimos para mais de 1,20 euros o metro cúbico de gás. Chegou inclusive aos dois euros e isso ameaça agravar a fatura anual para os oito milhões de euros só de gás natural.

Um custo incomportável para os mestres vidraceiros de Murano.

"O metano representa, para nós, uma das maiores despesas com o forno e um aumento de 400% é muito difícil de suportar a longo prazo. Conseguimos aguentar durante alguns meses, mas certamente ninguém vai aguentar muto tempo", avisa Simone Cenedese, em declarações ao enviado especial da Euronews a Murano, Luca Palamara.

Na fábrica de Simone Cenedese, seis fornos estão sempre a funcionar e o custo anual para os manter acesos passou de 150 mil euros para quase meio milhão de euros.

O calor destes fornos é a força da fábrica e dá vida a alguns dos mais refinados trabalhos em vidro do mundo, mas no entanto os fornos estão a perder o gás e com eles também a arte ancestral destes mestres vidraceiros se encontra sob ameaça de desaparecer.

"O vidro existe há milhares de anos. Certamente já terá ultrapassado outras crises e enfrentou outros problemas, mas nós sempre encontrámos forma de sobreviver. Recuso-me a pensar que este pode ser o fim do vidro de Murano. Nasci aqui, por isso quando desligo um forno é como se desligasse uma parte de mim", disse Simone Cendese à Euronews.

Alguns fornos em Murano já tiveram de ser sacrificados, ainda que de forma temporária, na esperança de que melhores tempos virão. O custo de os reativar, no entanto, é também muito alto e isso pode ser também mais um peso sobre uma arte da qual dependem atualmente cerca de um milhar de trabalhadores, já afetados negativamente pela Covid-19 nos últimos dois anos e agora também pela crise do gás natural.

O governo italiano abriu uma linha de apoio avaliada em três mil milhões de euros para ajudar as empresas a enfrentar o agravamento dos preços da energia, mas para os vidraceiros de Murano essa ajuda não se mostra suficiente para manter os fornos a produzir o vidro que os mestres moldam pelo sopro em obras únicas.

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