Quais as reais possibilidades de adesão da Ucrânia à União Europeia?

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Direitos de autor © European Union 2022 - Source : EP
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De  Jorge Liboreiro
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Em plena ofensiva militar russa na Ucrânia, presidente Volodymyr Zelenskyy quer acelerar entrada do país para o bloco comunitário, mas o processo é longo, árduo e extremamente complexo

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Se dúvidas houvesse, o presidente Volodymyr Zelenskyy voltou a deixar os 27 Estados-membros uma mensagem clara: a Ucrânia quer entrar para a União Europeia (UE) e sair da órbita de Moscovo.

"Provem que estão connosco. Provem que não nos vão deixar ir. Provem que são, de fato, europeus", disse o chefe de Estado, envergando traje militar, ao Parlamento Europeu na tarde desta terça-feira.

Na véspera, Zelenskyy tinha assinado um pedido oficial de adesão da Ucrânia à União Europeia, um passo que qualquer território europeu pode iniciar por conta própria. Também solicitou um procedimento acelerado, para garantir que seu país se junta ao bloco o mais rápido possível.

O passo de Kiev surge na sequência de comentários feitos por Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia. Em entrevista à Euronews, mostrou abertura à integração da Ucrânia no bloco comunitário.

"Eles pertencem a nós. Eles são um de nós e queremos que entrem para a União Europeia", disse von der Leyen.

A esmagadora maioria dos eurodeputados também apoiou a ideia com uma resolução, não vinculativa, exigindo que a Ucrânia recebesse o estatuto de país candidato de acordo com os tratados da UE e uma abordagem "baseada no mérito".

"Penso que há momentos em que é preciso ter a coragem de dar grandes passos à frente, e se olharmos para os alargamentos anteriores, houve sempre uma decisão política que tinha a ver com segurança, com liberdade", disse Sophie in 't Veld , um eurodeputada holandesa cujo partido liberal propôs acolher o partido de Zelenskyy.

Mas o caminho para entrar no bloco é tudo menos tranquilo.

De facto, o chamado processo de adesão é uma tarefa complexa, árdua e dispendiosa que se prolonga por vários anos, mesmo décadas, e que exige um empenho excecional por parte do país candidato, ao qual se pede que implemente um extenso conjunto de reformas para cumprir normas da UE.

Mais importante ainda é o facto de todo o processo depender da vontade política dos 27 Estados-membros. Mesmo que a Comissão Europeia lidere as negociações e conduza o trabalho de base, cabe às capitais europeias dar "luz verde" a cada passo do caminho – por unanimidade.

A necessidade de consenso revelou-se um obstáculo constante em processos de alargamento. A Bulgária está atualmente a bloquear as negociações de adesão com a República da Macedónia do Norte – e, por extensão, com a Albânia – devido a uma longa disputa envolvendo queixas históricas e linguísticas.

Enquanto isso, os outros três candidatos oficiais – Montenegro, Sérvia e Turquia – permanecem bloqueados num limbo negocial sem nenhum avanço à vista. No caso de Ancara, a data de início remonta a 1987.

O impasse reflete o baixo apetite político pela ampliação do bloco, com a atenção voltada principalmente para as disputas internas relacionadas ao retrocesso democrático de alguns Estados-membros.

Mas dada a natureza sem precedentes, será que a invasão da Rússia à Ucrânia poderia dar um impulso extra às grandes expectativas de Kiev?

Os 35 capítulos

O processo de adesão da União Europeia visa alinhar por completo o país candidato com os padrões democráticos, económicos e sociais do bloco comunitário, considerados dos mais elevados do mundo.

O procedimento está dividido em quatro etapas principais: apresentação do pedido de adesão, candidatura, negociações e adesão.

No caso da Ucrânia, a primeira etapa - a apresentação oficial do pedido de candidatura - já aconteceu com a assinatura feita esta segunda-feira pelo presidente Volodymyr Zelenskyy. Espera-se que a Comissão examine o pedido e que divulgue uma recomendação, apoiando ou rejeitando a oferta.

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O Conselho Europeu pode depois aprovar o pedido da Ucrânia, por unanimidade, enquanto o Parlamento Europeu terá de dar a sua aprovação por maioria simples.

Se todos os votos forem a favor, a Ucrânia será oficialmente considerada candidata à adesão à UE.

Depois disso, a Comissão Europeia apresentará um quadro para as negociações, que também deve ser aprovado por unanimidade pelos 27 Estados-membros. A Ucrânia será, provavelmente, convidada a iniciar reformas antes das discussões.

O mandato da Comissão é então utilizado para orientar as conversações de adesão, que estão divididas em 35 capítulos agrupados em seis grupos principais: fundamentos; mercados internos; competitividade e crescimento inclusivo; agenda verde e conectividade sustentável; recursos, agricultura e coesão; e relações externas.

O processo é estritamente linear: cada capítulo só abre depois de o anterior ser definitivamente fechado. Fundamentos, que abrange questões como justiça, direitos humanos e instituições públicas, é o primeiro capítulo a ser aberto e também o último a ser encerrado, sublinhando a importância que a UE atribui aos valores democráticos fundamentais.

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A ênfase na democracia pode representar um grande obstáculo para o caminho europeu da Ucrânia. O país tem uma pontuação baixa nos índices internacionais: a revista "The Economist", que elabora um ranking de democracia, descreve a Ucrânia como um regime híbrido. Já a organização Repórteres Sem Fronteiras diz que o controlo dos oligarcas sobre os meios de comunicação ainda é muito "apertado".

"Depois da revolução [de Maidan] na Ucrânia, o país está certamente num caminho pró-democrático e pró-europeu. No entanto, a sua democracia ainda é frágil e o Estado de direito ainda não é aplicado adequadamente", diz Jana Juzová, investigadora no EUROPEUM, um think-tank independente focado na integração europeia.

"Em termos de democracia, a Ucrânia está a pontuar de forma semelhante ou ainda pior em relação aos países dos Balcãs Ocidentais. Corrupção, funcionamento e independência do poder judicial e instituições democráticas fracas ainda estão entre as questões mais problemáticas".

Para Juzová, o fato de a Ucrânia não exercer controlo total sobre seu próprio território – a Crimeia foi anexada ilegalmente pela Rússia e a região do Donbass tem duas províncias separatistas – pode complicar ainda mais as coisas.

"Os candidatos à adesão à UE devem ter fronteiras claramente definidas e consolidadas, integridade territorial e resolver os problemas bilaterais com os vizinhos", disse a investigadora à Euronews.

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"O processo de adesão à União Europeia deve, por definição, ser muito rigoroso", acrescentou. "Eu não estaria muito otimista sobre as perspectivas da Ucrânia ingressar na UE em breve."

"A adesão não acontece da noite para o dia"

O principal objetivo das negociações tortuosas é aproximar o país candidato o mais possível de todas as regras, legislações e estruturas políticas da UE.

Os critérios de Copenhague, estabelecidos em 1993, são a principal referência em todo o processo. Por exemplo: um país que deseja aderir ao bloco deve ser capaz de "lidar com a pressão competitiva e as forças de mercado" dentro do mercado único da UE.

Quando as discussões em torno de todos os 35 capítulos chegam ao fim, é elaborado um tratado de adesão. O texto deve ser ratificado por unanimidade pelo Conselho Europeu e por todos os parlamentos nacionais de cada Estado-Membro (câmaras baixa e alta), bem como por maioria de votos no Parlamento Europeu.

Em média, as negociações bem-sucedidas levam entre quatro e cinco anos para serem concluídas.

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A Áustria, Finlândia e Suécia completaram os trabalhos em menos de dois anos, enquanto a Croácia, o último país a aderir à UE, precisou de quase oito. A velocidade é determinada tanto pelo ritmo das reformas do país candidato como pelo interesse político do Conselho Europeu em encerrar e abrir novos capítulos.

"Isto não é uma coisa que pode acontecer da noite para o dia. Levará tempo devido aos atuais desafios práticos e prioridades que a UE enfrenta", ressalvou, em entrevista à Euronews, Corina Stratulat, analista sénior de políticas no Centro de Política Europeia, com sede em Bruxelas.

"A entrada na UE é um processo, não um evento. Com base no que sabemos até agora, isso significa tempo, paciência e muita preparação de ambos os lados".

Stratulat duvida que a Ucrânia esteja "próxima" de cumprir os critérios de Copenhaga e está seriamente preocupada com os riscos políticos inerentes a um processo de adesão acelerado, uma opção inédita.

"Pode haver um processo mais rápido se houver vontade política. No entanto, se o processo permanecer como está agora - ou seja, complexo e rigoroso -, uma adesão mais rápida exigiria que todos os Estados-membros aprovassem rapidamente as dezenas de decisões associadas a um país", acrescenta.

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"Este não tem sido o caso nos últimos anos, mesmo para passos simbólicos, como conceder o estatuto de candidato a um país. E há também a questão de como uma adesão acelerada da Ucrânia seria percebida nos países dos Balcãs, que estão à espera há muito tempo e também se debateram com a guerra e com os riscos da influência russa".

Atenções voltadas para as capitais

Declarar a Ucrânia como país candidato oficial da União Europeia em plena invasão da Rússia pode ser visto como uma forte prova de compromisso e de apoio a um país sitiado. Mas o poder real poderia ser limitado ao reino do simbolismo político.

Para a Ucrânia aderir ao bloco no prazo solicitado pelo presidente Volodymyr Zelenskyy, todo o processo de adesão teria que ser simplificado e revisto, aumentando os riscos de um procedimento apressado e abaixo da média que leva a padrões enfraquecidos e uma adaptação incompleta das regras da UE.

Por enquanto, o único apoio explícito veio de uma coligação de estados do Leste Europeu formada pela Bulgária, República Checa, Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, Eslováquia e Eslovénia. Num um apelo semelhante à resolução do Parlamento Europeu, o grupo pede medidas para "conceder imediatamente à Ucrânia o estatuto de país candidato à UE".

Isso abriria à Ucrânia as portas para o Instrumento de Assistência de Pré-Adesão (IPA), um programa financeiro que ajuda os países candidatos a realizar as reformas políticas, institucionais, sociais e económicas necessárias para enfrentar as complexas negociações.

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O orçamento do IPA para o período 2021-2027 é de 14,2 mil milhões de euros e está a ser distribuído pela Albânia, Bósnia-Herzegovina, Kosovo, Montenegro, República da Macedónia do Norte, Sérvia e Turquia.

Do lado ocidental, nenhuma rejeição direta foi expressa devido às circunstâncias extremamente delicadas e ao respeito amplamente compartilhado pela figura de Volodymyr Zelenskyy, visto como um herói de guerra.

Mas nos últimos dias, autoridades de França, Alemanha, Espanha e Países Baixos expressaram uma nota de cautela, argumentando que a adesão não é a maneira apropriada de lidar com o conflito atual.

O presidente do Governo de Espanha, Pedro Sánchez, disse em entrevista à RTVE que a adesão foi um processo "longo" com "exigências e reformas" a serem cumpridas, enquanto o primeiro-ministro holandês Mark Rutte disse ao parlamento nacional que o tema "não era uma boa discussão" para se ter agora.

"Não vamos ajudar a Ucrânia dessa maneira", disse Rutte.

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Acolher um novo Estado-membro no clube de 27 alterará inevitavelmente a correlação de forças nas instituições europeias e inclinará o consenso ainda mais para o leste.

Fatores adicionais como o tamanho demográfico da Ucrânia – mais de 41 milhões de cidadãos –, localização geográfica – uma enorme fronteira compartilhada com a Rússia – e pobreza relativa – o PIB per capita é o segundo mais baixo da Europa depois da Moldávia –, devem pesar fortemente no pensamento das capitais europeias.

Outra preocupação que paira sobre os líderes pode ser o artigo 42 dos tratados da UE, que impõe a obrigação de "ajuda e assistência por todos os meios" se qualquer outro Estado-membro for "vítima de uma agressão armada".

A NATO, que tem uma disposição semelhante de defesa coletiva e compartilha 21 membros com o bloco comunitário, disse repetidamente que não enviará tropas para a Ucrânia para combater o exército russo nem ajudará a impor uma zona de exclusão aérea sobre o país.

Em comentários recentes, Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, a mais alta autoridade onde os líderes da UE se reúnem para decidir a orientação política do bloco, ofereceu mais orientações sobre como os 27 Estados-membros se sentem em relação à candidatura apaixonada da Ucrânia.

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"A adesão é um pedido antigo da Ucrânia", disse Michel.

"Mas há opiniões e sensibilidades diferentes dentro da UE sobre o alargamento."

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