Piketty: "Brexit reflete modelo europeu que não funcionou"

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A euronews entrevistou o economista francês Thomas Piketty.

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Thomas Piketty é o economista francês mais célebre a nível mundial. Em 2013, Piketty publicou "O Capital no século XXI". O livro vendeu 2,5 milhões de cópias e foi traduzido para 40 línguas

Thomas Piketty está de volta com "Capital e Ideologia", um livro polémico. Em mil e duzentas páginas, aborda as desigualdades económicas, através de uma abordagem comparativa e histórica.

euronews: "A crise financeira aumentou as frustrações e os ressentimentos em toda a Europa. Vivemos hoje num mundo particularmente desigual?"

Thomas Piketty: "Vivemos num mundo caracterizado por uma grande desilusão face à possibilidade de uma economia justa e de um sistema económico que permita uma melhor distribuição da riqueza. Essa grande desilusão alimenta as fantasias identitárias e nacionalistas na Europa. Há um grande mal-entendido entre os países europeus, nomeadamente na Alemanha, na França e em Itália, Cada um tem a impressão de que a culpa é dos outros e de que tudo daria certo se os outros fizessem as coisas à maneira deles. O que está obviamente errado, porque há coisas que devemos construir juntos. Essa desconfiança mútua preocupa-me muito".

euronews: "Temos a impressão de que os movimentos populistas em muitos países do mundo e na União Europeia são inevitáveis. Qual é a razão deste sucesso? Será que eles colocam as perguntas certas contrariamente aos partidos tradicionais?"

Thomas Piketty: "Os debates atuais sobre o chamado populismo, que é uma espécie de caixa onde colocamos toda uma série de coisas são incoerentes porque às vezes colocamos dentro dessa caixa os discursos xenófobos, outros vezes, os discursos económicos que defendem as limitações impostas à dívida pública. É incoerente colocar tudo na mesma caixa. Em relação à dívida pública, a história mostra-nos que muitas vezes os países que se libertaram dessas restrições, por exemplo, a Alemanha ou o Japão nos anos 50, ao reduzirem fortemente a dívida por meio de impostos excepcionais sobre os maiores patrimónios privados, foram bem sucedidos, tal como a instauração de impostos com um forte grau de progressividade sobre os rendimentos mais altos e as maiores heranças nos Estados Unidos dos anos 30 aos anos 80 teve resultados positivos. A comparação histórica é essencial, para resolver os problemas de hoje. Se olharmos apenas para o presente, para as nossas certezas e para o nosso conservadorismo em matéria de fiscalidade, de finanças e de economia, seremos incapazes de resolver o que quer que seja, e deixaremos a porta aberta às derivas identitárias e tribais, porque quando se diz às pessoas que não podemos mudar o sistema económico, que não podemos reduzir as desigualdades entre as classes sociais, que os estados nada podem fazer para além de controlar as suas fronteiras e as suas identidades, não é de admirar que os debates se centrem nas questões ligadas à viligância das fronteiras.

euronews: "A nova Comissão Europeia, liderada pela alemã Ursula Von der Leyen, vai iniciar funções, depois da presidência de Jean-Claude Juncker que durou cinco anos. Como avalia esses cinco anos ?"

Thomas Piketty: "Não esperava que fizessem coisas extraordinárias. A verdade é que em relação às questões de justiça fiscal e social, não vemos nada, na Europa, o que é muito grave. É por isso que há um divórcio entre as classes trabalhadoras, a classe média, e a construção da Europa e a globalização. No meu livro, mostro a forma como se estrutura a votação em relação à União Europeia. No referendo do Brexit, apenas 30% dos mais favorecidos em termos de rendimentos, educação e património votaram para ficar na União Europeia. Os outros 70% votaram contra. O mesmo aconteceu no referendo sobre o Tratado de Maastricht, em 1992, em França e no voto sobre o Tratado Constitucional Europeu, em 2005. Quando temos, num quarto de século, em dois países vistos como muito diferentes nas suas atitudes em relação à Europa, uma clivagem social tão marcada, acho que nos devemos questionar.

euronews: "Então vamos ter o mesmo, durante mais cinco anos?"

Thomas Piketty: "Não. Porque confio na inteligência coletiva. Penso que não temos de esperar pelas próximas crises financeiras e políticas, pelo próximo referendo do tipo do Brexit para pensar no que devemos fazer. Não devemos esperar que as coisas entre os 28, em breve 27, e talvez 26 e 25, se desmoronem.

euronews: "Pensa que o Brexit pode ser a caixa da pandora que levará levar a outras saídas da União Europeia, apesar das dificuldades atuais?

Thomas Piketty: "Pensar que o Brexit é uma responsabilidade exclusiva dos britânicos e do nacionalismo britânico seria um grande erro. O Brexit também reflete um modelo europeu que não funcionou, em particular, após a crise de 2008. Em 2012, 2013, a área do euro voltou a entrar em recessão, numa altura em que o resto do mundo já tinha recuperado e os Estados Unidos já tinham saído da crise de 2008. Esse facto influenciou a opinião do Reino Unido sobre a União Europeia, que foi vista como espaço ao qual não temos vontade de pertencer. Foi nesse contexto que surgiu o projeto do referendo. E foi nesse contexto que surgiu o referendo na Catalunha para deixar de pertencer à Espanha. É preciso abandonar o discurso que diz: "É tudo um mal-entendido. A classe média e a classe trabalhadora acabarão por compreendê-lo". E há ainda outro discurso que está a ganhar terreno e que oiço muito em França, que diz : "de qualquer forma, as classes populares são essencialmente nacionalistas e racistas, votam na Frente Nacional há 20 anos e por isso devemos esquecê-las e continuar o debate político entre grupos privilegiados porque nós sabemos o que é bom para o povo". Vejo essa atitude hoje, no poder, em França. É uma atitude que deixa antever desenvolvimentos terríveis no futuro. É preciso abandoná-la.

euronews: "Se os partidos tradicionais de centro-esquerda e centro-direita não responderem às preocupações das classes populares, será o fim da atual União Europeia?

Thomas Piketty: "Será o fim da União Europeia com os países a saírem uns atrás dos outros ou então a União Europeia será controlada por forças xenófobas e racistas, o que já está a acontecer. Quando há um comissário europeu para a proteção do modo de vida europeu e vemos, há dez anos, dezenas de milhares de pessoas a morrer no Mediterrâneo, sabendo que a Europa possui obviamente os meios necessários para ser mais acolhedora, quando temos uma população de 520 milhões de pessoas, no espaço mais rico do mundo, e se diz às pessoas que é impossível ter um milhão de migrantes por ano, significa que abandonámos a racionalidade e, de certa forma, já estamos numa situação em que a União Europeia é controlada pelo discurso xenófobo e isso é pior do que a dissolução da União Europeia, porque depois da implosão podemos reconstruir algo. Eu preferia não ter de escolher entre esses dois caminhos, sejamos otimistas. O meu objetivo não é lamentar o que não funciona, é tentar contribuir para encontrar soluções. Por exemplo, através de uma assembleia franco-alemã ou franco-alemã-italiana ou belga, para ter uma política comum de investimento social, investimento ecológico, justiça tributária. Depois, cada país é livre de escolher participar neste projeto, que é um projeto complementar ao da atual União Europeia, não se trata de todo de dissolvê-la mas de a melhorar e isso é possível".

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