Infiltrados no tráfico das metanfetaminas na União Europeia

Infiltrados no tráfico das metanfetaminas na União Europeia
De  Francisco Marques com ADELINE PERCEPT E KILIAN DAVY-BAUJARD
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Quarto episódio de "Insiders" ("Inflitrados"), programa de investigação e reportagem da euronews sobre a atualidade do mundo em que vivemos numa perspetiva europeia

Petrovice é uma pequena localidade da República Checa situada na fronteira com a Alemanha. Ao lado de um polícia “à paisana”, a euronews infiltrou-se na produção e tráfico de cristais de metanfetaminas, uma droga desenvolvida nos anos 30 como reforço de guerra para os soldados nazis e, hoje, é um ainda mais poderoso estupefaciente, barato, viciante, perigoso, mortal.

A ficção de “Walter White”

“Breaking Bad — Ruptura Total” é uma série de televisão lançada em 2008 nos Estados Unidos. Conta a história de um professor de química, “Walter White”, que descobre ter cancro. Sob o pseudónimo “Heisenberg”, decide criar a fórmula para uma nova metanfetamina e explorar o mundo ilegal das drogas de diversão. Ao lado de um jovem traficante, “Jesse Pinckerman”, o objetivo do professor é arranjar rapidamente muito dinheiro para sustentar a família após a sua morte. A fórmula torna-se um enorme êxito… perigoso para todos. A série completou cinco temporadas no pequeno ecrã e colecionou prémios.

Todos os dias, “Patrick” (nome fictício do agente da polícia que acompanhamos) segue os passos dos traficantes de metanfetaminas, uma droga também conhecida como ‘a cocaína dos pobres’ e agora popularizada pela série norte-americana de televisão “Breaking Bad — Ruptura Total”. A história de “Walter White” é ficção. A que lhe contamos neste episódio de “Insiders” (Inflitrados) é realidade. A triste realidade. “Tentem esconder a câmara”, avisa-nos “Patrick”, explicando-nos que “estamos diante de um mercado onde os vietnamitas vendem droga.”

Passamos diante de lojas fronteiriços onde se pode comprar roupa, gaiolas para pássaros, tabaco e… cristais de metanfetaminas. “É um negócio muito lucrativo para os vietnamitas. A produção custa oito euros por grama. A venda faz-se por 25 ou 30 euros”, conta-nos “Patrick” e o negócio das metanfetaminas parece estar a crescer: 12 toneladas de cristais são produzidas por ano na República Checa com destino ao mercado europeu.

A falsa sensação de “súper herói” do vício dominador

Atravessamos a fronteira para a Alemanha. Destino: Bayreuth. Temos acesso a uma reunião de narcóticos anónimos. Muitos destes jovens estão aqui pelo vício dos cristais. Entre eles, está “Johannes”, um estreante. O líder da reunião dá-lhe as boas vindas e oferece-lhe o símbolo do início da desintoxicação: a medalha do início da desintoxicação. Ouvem-se palmas.

“Johannes” anda acompanhado de um dispositivo. “É o meu desfibrilhador. Uso-o debaixo do casaco. Quando o meu coração falha, recebo um choque”, explica-nos este viciado em metanfetaminas a tentar pôr um fim à adição que o impediu de cuidar de si próprio: “Este meu problema resultou de uma infeção a que não dei importância porque, quando estamos doentes e ‘snifamos’ uma linha, ficamos com a sensação de que estamos ‘súper bem’ de saúde.”

A história da metanfetamina

A primeira fórmula de metanfetaminas presume-se ter sido concretizada em 1887, na Alemanha, pelo químico romeno Lazar Edeleanu. A propagação da droga terá sido iniciada, no final dos anos 30 do século XX, pelos nazis. A susbtância, vista como um importante catalisador, era distribuída na linha da frente da II Guerra Mundial em forma de tabletes de Pervitin. A droga permitia aos soldados de Hitler sentirem-se mais confiantes, ficarem mais despertos, indiferentes a eventuais problemas de saúde e a sentirem-se indestrutíveis. Era a droga de eleição na Alemanha de Leste (RDA) antes da queda do muro de Berlim.

“Johannes” reconhece que “é muito difícil parar”: “Sei que tenho de fazer um desmame radical porque, se encontrar alguns dos meus amigos e eles me oferecerem droga, eu vou toma-la de imediato.” Todos os estratos sociais estão representados nos percursos de desintoxicação. Operários, jovens diplomados, engenheiros, cozinheiros. Mulheres e homens. O vício não faz distinção. Apanha todos os que se deixarem seduzir pela ideia da excitação, do prazer, do aparente fim de todos os problemas. Aparente. Afinal, é apenas um início de problema ainda maior e muitas vezes sem retorno.

Acompanhamos uma operação antidroga da polícia checa. Os agentes invadem um laborátorio de fabrico de cristais anfetaminas. Percebe-se que o processo de fabrico não é complicado. Estima-se que a polícia já tenha desmantelado mais de mil laboratórios de produção desta droga sintética popularizada pelos nazis, no final dos anos 30.

Hoje em dia, os cristais são um derivado ainda mais potente do que os utilizados pelos nazis. Contêm 10 ou 20 vezes mais anfetaminas que a fórmula antiga e podem agora manter os consumidores acordados por vários dias e noites seguidos.

Menos apreensões, mas em maiores quantidades

Willy, de 20 anos, está em desintoxicação. Começou a consumir metanfetaminas quando começou a aprender o ofício de eletricista. “Eu era eficiente no trabalho e os meus problemas pareciam desaparecer. As minhas ‘linhas’ cristais tornaram-se tão longas que eu precisava de toda a largura da minha janela para as fazer. Tornavam-me agressivo, eu perdia o controlo e ficava frio. Vivi uma experiência próxima da morte. Não foi nada divertido”, conta-nos. Willy é seguido pelo doutor Abiodun Bernard Joseph, um dos primeiros a lançar o alertar para a propagação pela Alemanha dos cristais de anfetaminas. Esta é uma droga que se adapta perfeitamente à nossa sociedade e ao nosso ritmo de vida, avisa o médico.

“É (uma droga) à medida do nosso estilo de vida. Tenho muitos pacientes que são operários em linhas de montagem. Trabalham toda a semana e quando chegam a casa, à sexta-feira, também querem sair e divertir-se com a família ou com os amigos. Eles entram nesta espiral infernal que pode durar muito tempo. Por vezes, até que o corpo não aguente mais”, explica-nos o doutor Joseph.

Primeiro “laboratório” em Portugal

A Polícia Judiciária desmantelou em março de 2007 aquele que se presume ter sido o primeiro laboratório de cristais de metanfetaminas identificado em Portugal. Situava-se em Darque, Viana do Castelo. Nele foram, então, apreendidos diverso equipamento e substâncias de base (efedrina e pseudoefedrina) utilizados na produção desta droga sintética também conhecida como “ice” ou “speed”. As autoridades suspeitaram que aquele laboratório tivesse abastecido os mercados da Grande Lisboa e o espanhol. De acordo com a PJ, citada pelo Jornal de Notícias, o consumo de metanfetaminas terá sido detetado em Portugal pela primeira vez em 2003 e, em especial, em bares, discotecas, nas chamadas “raves” ou em concertos, com ligação usual a eventos de música eletrónica.

Na Saxónia, um dos 16 estados federados da Alemanha, o número de viciados em anfetaminas aumentou 10 vezes em cinco anos. Hoje em dia, há 5000 pessoas a consumir cristais. Depois de várias ‘overdoses’ e de episódios psicóticos, Willy pretende refazer a vida. Ele sabe que 75 por cento dos viciados em cristais sofrem recaídas. Willy está na luta para deixar o vício.

A praga das anfetaminas ameaça continuar a expandir-se geograficamente. O aviso parte dos guardas fronteiriços alemães que efetuam controlos diários na fronteira checa. “Temos feito menos apreensões, mas estamos a apanhar quantidades muito maiores. Apesar de todos os controlos que efetuamos, diria que apenas conseguimos intercetar uma pequena quantidade face ao que chega ao mercado”, admite um polícia alemão à nossa reportagem.

As autoridades alemãs levaram muitos anos a perceber a dimensão do problema. Hoje em dia, os cristais de anfetaminas produzidos em laboratórios checos são exportados para a Bélgica, para a Holanda ou para o Reino Unido.

Efeitos do consumo de metanfetaminas

A metanfetamina é um estimulante do sistema nervoso. Pode ser fumada, inalada, injetada ou assimilada através de mucosas como as vaginal e anal. O consumo de cristais de metanfetaminas provoca euforia, hiperatividade, bem estar e reduz a fadiga. Fumada o efeito é quase mediato, mas inalada ou tomada por via oral (pastilhas), a sensação é mais prolongada emborfa não tão intensa. A toxicidade é progressiva e faz-se sentir através de arritmias cardíacas, insónias, agitação nervosa, perda de peso e, entre outras coisas, diminuição de função sexual. Em caso de sobredosagem, pode levar à perda de consiciência e mesmo à morte. A forma fácil de produção permite “cortá-la” com diversas outras substâncias que a tornam ainda mais perigosa para a saúde, provocando muitas vezes problemas mentais irreversíveis.

Reportagem no terreno: Adeline Percept, Kilian Davy-Baujard

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