A eterna juventude de Manoel de Oliveira

A eterna juventude de Manoel de Oliveira
De  Euronews
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Geração Ípsilon esteve à conversa com Manoel de Oliveira. Aos 103 anos, o realizador português continua a fazer filmes e a reflectir sobre o mundo, com serenidade e muito humor. Oliveira é o mais velho cineasta do mundo em atividade. Uma boa razão para tentar descobrir os segredos de tanta juventude!

A longevidade de Manoel Oliveira talvez esteja ligada à forma como encara a vida e (a morte).

“Quer queiramos quer não, ela (a morte) chega um dia, embora geralmente as pessoas não tenham pressa e eu também nunca fui apressado na minha vida, talvez por isso tenha chegado a esta idade”, afirmou o realizador portuense.

Por outras palavras, não corra, não vale a pena!

Geração Ipsílon recolheu algumas curiosidades sobre o autor de “Aniki Bobó”:

  • o cineasta português tem um olho azul e outro castanho (o que talvez ajude a compreender a forma peculiar como olha para o mundo;)

  • É o único realizador cuja carreira vai do cinema mudo à era digital

  • Na juventude, Oliveira foi campeão nacional de salto à vara e praticou automobilismo (o atletismo deu-lhe “endurance”)

  • Durante a ditadura de Salazar, o realizador português passou dez dias na cadeia por causa de um diálogo.

ENTREVISTA:

euronews: Como é trabalhar com jovens no cinema?

Manoel Oliveira: “É trabalhar! Sabe, a natureza deu fome ao homem e esse acontecimento da fome é que obriga a trabalhar, senão ele não fazia nada. Toda a gente tem fome em qualquer idade. Portanto, aí, o velho não se distingue do novo porque ambos têm fome”.

euronews: O Manoel viu o cinema nascer e viu o cinema crescer e mudar. O cinema hoje é velho?

Manoel Oliveira: “Não! É mais novo do que nunca. O cinema é uma síntese de todas as artes. Engloba-as todas. Tal qual a vida. A vida é de onde se tiram os argumentos, as ações que se vão depois projetar fora, como se fossem verdadeiras, só que não são verdadeiras, são inventadas, são feitas à sombra e à imagem da realidade mas não são reais, são ficção. Há muita diferença entre o real, o que se passa aqui e agora (neste bocado passam-se milhões de coisas pelo mundo fora, coisas diferentes, impossíveis de gravar) e o romance. O romance inventa e põe à sombra da realidade mas não é realidade. Eu digo que o cinema não envelheceu porque, repito, é a síntese do todas as artes e portanto tinha que aparecer em último lugar, é a sétima arte, que beneficia do romance, da poesia, da vida e com isso tudo se joga para fazer cinema. O cinema é atual. A máquina de filmar só filma o presente. Se não estiver aqui ninguém, já não filma. O presente contém toda a sabedoria que vem do passado. Está guardada no passado. Quanto ao futuro, não se sabe nada. No romance “A guerra e a paz” do Tolstoi, há um nobre ferido a morrer na sua cama e está preocupado em saber o que é a morte. E nisto, olha em volta e dá com uma porta e diz ‘ah, é uma porta’! (risos). Bom, é uma porta onde ninguém quer entrar. Quer dizer, alguns forçam a entrada…Ninguém nasceu por vontade própria e por essa razão quem não estiver contente pode matar-se, escusa de continuar a viver.”

PARTE II – O CINEMA EUROPEU

euronews: Existe um cinema europeu?

Manoel Oliveira: “O Fernando Pessoa dizia que os descobrimentos são portugueses. Mesmo os que foram feitos por estrangeiros, porque o sistema é português. Agora, passando isso para o cinema, é a mesma coisa. O cinema é francês, mesmo para os filmes feitos fora da França, porque o sistema é francês. Ele nasceu com tudo o que era preciso quando nasceu. O Lumière quando fez o primeiro filme, “La Sortie de l’usine Lumière à Lyon” criou o realismo cinematográfico e logo a seguir veio o Méliès e fez a fantasia cinematográfica, e logo a seguir, logo, logo, veio o Max Linder e fez o cinema cómico. De maneira que o cinema, não há outra coisa, está tudo no primeiro dia em que foi inventado. A vida nossa é sempre a mesma: comemos para viver, vivemos para comer e depois morrermos. é o programa.

euronews: No seu programa identifica-se com esses três momentos do cinema, a parte realista, fantasista e cómica?

Manoel Oliveira: “Sabe o Coppola a certa altura faliu e foi para uma quinta que tinha e fez uns vinhos durante dez anos e ganhou uma fortuna fortíssima com esses vinhos que ele lá fez. De maneira que quando retomou o cinema com a nova juventude, ele disse que a televisão contava histórias de uma forma muito apressada, a correr, a correr, e pior do que isso Hollywood copiou a mesma coisa, sem dar sequer tempo para pensar. A coisa mais rica que o Homem tem é o pensamento. foram precisos milhares e milhares de anos para que o homem chegasse à inteligência e ao pensamento. o pensamento é a coisa mais refinada que o homem tem em si próprio”.

PARTE III – O NOVO FILMEeuronews: Pode falar-nos do novo filme?

Manoel Oliveira: “O Gebo e a sombra”. Sombra é o contrário do gebo. Sabe porque fiz o filme? Fiz o filme porque uma pessoa me encontrou e disse que gostava muito dos meus filmes e perguntou-me porque não faz um filme sobre a pobreza, sobre os pobres. Eu disse que não era fácil, se fosse um documentário seria mais fácil fazer um documentário,vai-se buscar um caso ou outro caso. Mas depois lembrei-me do Raul Brandão. Aqui está um homem pobre que morre pobre mas digno, com toda a sua dignidade, é o que é o filme. De maneira que é um filme que vale tanto hoje como ontem.

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euronews: É um filme jovem?

Manoel Oliveira: “Todos os filmes são jovens quando nascem, depois é que envelhecem, é como nós”.

euronews: “O filme foi feito relativamente rapidamente. Há pouco dizia que o tempo era importante para si. Mas tem trabalhado a um ritmo sustentado. E mais fácil para si fazer filmes agora, vê as coisas de forma mais clara?

Manoel Oliveira: “Tudo nasceu no primeiro dia. e a própria vida também nasceu no primeiro dia. o que modifica a vida é a ciência, o conhecimento. Mas no final, nasce-se, vive-se e morre.se. daqui não saímos, de onde vimos, de onde viemos, é a pergunta , para onde vamos nós no fim disto? é claro que para os religiosos, como eu sou, há esperança do céu. O papa João Paulo Segundo disse “padre nosso que estais no céu. mas como o céu tem sido muito explorado com as balas que põem lá vigiam o que se passa ele disse que o céu era uma palavra simbólica. Na vida tudo é simbólico, não é só o céu.

euronews: “Este último filme, baseado no Raul Brandão, também é um símbolo da época em que vivemos?

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Manoel Oliveira: Não, porque o filme faz uma crítica muito severa à situação. E o facto de eu o representar no tempo em que ele foi escrito, no principio do século XX, não é tão agressivo como se fosse representado no tempo de hoje. O filme não é agressivo, agora põem os pontos nos is”.

euronews: O passado e o presente confundem-se?

Manoel Oliveira: “O homem do passado não é diferente do homem de hoje. O homem tem as mesma características. Um grande filósofo espanhol Garcia e Ortega dizia “o Homem e a sua circunstância”. A circunstância é que lhe determina as situações. De maneira que a técnica tem evoluído muito, agora os telemóveis fazem tudo, só não é para almoçar, que é o essencial. O homem tem de matar o bichinho ou comer as ervinhas, etc. Nós de certa maneira, somos condenados a viver. E vivemos satisfeitos, contentes por viver, só pelo facto de estar vivo.

euronews: Como é que trabalha com os atores nos filmes? Dirige muito ou dá-lhes liberdade? Aproveita o que eles são ou dá-lhes algumas indicações?

Manoel Oliveira: “Olhe nunca lhes bati… :) Dou-lhes inteira liberdade porque não gosto que os atores representem , gosto que eles vivam o papel. Representar não é bonito, é mais falso.
de maneira que lhes dou inteira liberdade, é claro que tenho de determinar a marcação. Eles já sabem o papel são pessoas inteligentes como nós. Cada à sua maneira, com o seu papel.

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