Projeto de água potável em Moçambique reúne cientistas da UE e África

Em parceria com The European Commission
Projeto de água potável em Moçambique reúne cientistas da UE e África
De  Euronews
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Cientistas europeus e africanos estão a trabalhar em conjunto para criar um sistema de tratamento das águas eficiente, económico e sustentável, para as zonas rurais e periurbanas em África.

Cientistas europeus e africanos estão a trabalhar em conjunto para criar um sistema de tratamento das águas eficiente, económico e sustentável, para as zonas rurais e periurbanas em África.

Moçambique é um dos países que participa no projeto. A euronews esteve em Ressano Garcia, no distrito de Moamba. Na região, que faz fronteira com a África do Sul, há 130 milhões de pessoas sem acesso a água potável. A população usa água do rio não tratada e perigosa para a saúde. A água contaminada pode transmitir várias doenças como a cólera e a difteria, apesar de a diarreia ser a afeção mais comum.

"Neste momento, temos 14 mil e tal pessoas, ou seja, famílias, aqui em Ressano Garcia. Nem todas têm água potável. Recorrem à água do rio e essa água não é tratada. Quando chega a altura dessas enxurradas, provoca diarreias e doenças várias", contou Silvestre Mário Trigo, responsável técnico da Estação de Tratamento das Águas de Ressano Garcia.

O centro de saúde de Ressano Garcia recebe 500 pacientes por dia. Dez por cento dos doentes sofrem de diarreia. "Um dos focos da existência de diarreia ou das doenças diarreicas tem sido o problema da água. Se tivermos uma água tratada para toda a população, eu acredito que a população vai ter uma melhoria da qualidade da saúde", considerou Abdul Rafael Sega, diretor do Centro Médico de Ressano Garcia.

Projeto-piloto em Moçambique

Para tornar a água segura, as autoridades locais estão a testar um novo sistema piloto de tratamento das águas desenvolvido em parceria com cientistas europeus. O objetivo é tratar poluentes perigosos como resíduos de pesticidas e inativar micróbios e agentes patogénicos. Trata-se de uma tecnologia chamada oxidação eletroquímica que cria ozono na água poluída. O ozono funciona como um agente de limpeza.

"A estação tem alguns processos como a coagulação e a decantação. Depois há diversas fases de filtração. É um sistema que cria o ozono na água. O ozono é uma característica de boa qualidade da água. Em termos de eficiência de qualidade da água, foi possível concluir a partir das amostras que atingimos 80 a 90% de eficiência", explicou Amiro Abdula Martins, engenheiro civil da Salomon Lda.

A estação de tratamento das águas de Ressano Garcia em Moçambique precisa de 1600 metros cúbicos de água por dia para responder às necessidades básicas da população. As novas estações são flexíveis e móveis. O sistema pode ser instalado em qualquer zona rural isolada em África.

"As vantagens são a flexibilidade e mobilidade das estações, o que vai permitir que mesmo as zonas remotas possam ter uma estação de tratamento. O principal objetivo é obter uma água que ao ser consumida não crie problemas de saúde. No final do dia, o nosso objetivo é a saúde pública", sublinhou Nelson Pedro Matsinhe, engenheiro civil da Salomon lda.

Um projeto similar do outro lado da fronteira

Uma tecnologia similar foi instalada do outro lado da fronteira, na África do Sul. As duas estações piloto, a de Moçambique e a de África do Sul, integram um projeto de investigação europeu que visa fornecer água potável às populações das zonas rurais e periurbanas africanas, de um modo eficiente e económico.

"A capacidade máxima é de 1,3 litros de água por hora. No total, tentamos desinfetar, por dia, dez mil litros de água potável que não prejudica a saúde humana e que pode ser usada na esfera doméstica e para irrigação das culturas", explicou Zakitni Ngrobo, cientista da Universidade de Tecnologia de Tshwane.

O sistema de desinfeção baseia-se num tipo especial de elétrodo. Depois de ser filtrada, a água poluída entra em contacto com os elétrodos. Em contacto com a água, os elétrodos criam o ozono que inativa os germes.

"Partimos do oxigénio existente na água e vamos adicionar outra molécula e assim temos O3. É o ozono que está a ser produzido só com a água e a eletricidade. Depois, reage com a água para matar os micro-organismos patogénicos, tornando a água muito mais limpa", afirmou Mbali Ntuli, cientista da Universidade de Tecnologia de Tshwane.

Estações autónomas "made in África"

Para os investigadores um dos objetivos fundamentais do projeto era conseguir criar estações autónomas, construídas com o maior número de materiais feitos em África e com um impacto ambiental reduzido.

"Decidimos que não usaríamos químicos no processo de desinfeção porque é difícil obtê-los, especialmente nas comunidades rurais onde o acesso a produtos químicos é limitado", explicou Mark David Woods, engenheiro mecânico da Virtual Consulting Engineers.

Esta iniciativa europeia em África faz parte do programa Horizon 2020. A vertente internacional do programa visa criar soluções para os desafios ambientais e sociais a partir da cooperação entre os cientistas europeus e os cientistas dos países onde se desenvolvem os projetos.

A qualidade das águas na África do Sul e em Moçambique revelou-se pior do que o esperado, especialmente devido à presença massiva de matérias fecais. Os investigadores tiveram que desenvolver um protótipo para realizar um pré-tratamento da água eficiente, de modo a facilitar a desinfeção posterior. O processo foi desenvolvido em Ciudad Real, no centro de Espanha.

Desde o início, os engenheiros químicos perceberam que a água poluída teria de ser tratada para eliminar os compostos orgânicos antes de se poder aplicar um processo eletroquímico de forma eficiente.

"Do ponto de vista técnico, as tecnologias de pré-tratamento são processos físico-químicos. O objetivo é separar o material orgânico suspenso na água antes de a água ser desinfetada no interior de um reator, onde a água pode voltar a ficar suja, criando eventualmente, sérios problemas operacionais no processo de desinfeção", disse Cristina Sáez Jiménez, engenheira química da Universidade de Castilla La Mancha.

Os investigadores testaram diferentes de sistemas de pré-tratamento até encontrarem a solução certa para cada caso em função da qualidade da água e do contexto sócioeconómico de cada um dos dois países.

Água poluída com compostos fecais

"Os coagulantes que usamos são uma espécie de cloreto de ferro. Ao serem adicionados, tornam a água castanha. O processo transforma o composto orgânico em bocados maiores. Com um decantador podemos separá-los mais facilmente", afirmou Justo Lobato Bajo, engenheiro químico da Universidade de Castilla-La Mancha.

"Se tentássemos desinfetar água extremamente poluída com compostos fecais, os processos eletro-químicos seriam extremamente dispendiosos. Por isso, decidimos incluir pré-tratamentos para diminuir o custo de desinfeção da água. Além de um processo mais barato, tentámos também usar materiais de baixo custo", considerou Manuel Andrés Rodrigo, engenheiro químico da Universidade de Castilla-La Mancha.

Os elétrodos usados para a limpeza da água são elaborados a partir de um metal chamado Niobium. O metal é revestido com uma capa de diamante artificial. A tecnologia usa ainda o boro, um elemento químico com uma excelente condutividade. O processo químico exige elevadas temperaturas da ordem dos 2500 graus centígrados. Esta parte da tecnologia de desinfeção da água foi desenvolvida na Alemanha.

"Com estes microscópios eletrónicos podemos controlar a superfície do elétrodo de um diamante. Estes diamantes medem quatro microns, o tamanho certo para a aplicação que procuramos. O microscópio eletrónico ajuda também a ver a rugosidade de cada camada e a verificar se se produziram cristais durante o processo. Podemos ainda verificar se há falhas na superfície e se a adesão à superfície do metal é ou não suficiente", explicou Sven Pleger, engenheiro químico do Instituto Fraunhofer.

Os elétrodos são depois ativados por eletricidade para poderem começar a desinfetar a água. O processo foi concebido para ser o mais eficiente possível do ponto de vista energético.

"Os elétrodos de diamante podem criar ozono com uma tensão elétrica elevada e com uma eficiência de 100% no uso da eletricidade. Criamos ozono diretamente, e não oxigénio. Seria um desperdício de energia criar oxigénio porque o oxigénio perder-se-ia sem ajudar o processo de desinfeção", afirmou Lothar Shäfer, cientista do Instituto Frauehofer e coordenador do projeto europeu SafeWaterAfrica.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, 1,8 mil milhões de pessoas bebem água contaminada com fezes.

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