Morreu José Mário Branco (1942-2019)

Morreu José Mário Branco (1942-2019)
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O cantautor foi uma das figuras mais importantes da música portuguesa na segunda metade do século XX. Morreu aos 77 anos.

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O cantor, músico, compositor e poeta português José Mário Branco morreu aos 77 anos, segundo uma informação dada pelo agente do artista à agência LUSA.

Marco Lemos/ Euronews
O registo fonográfico de "FMI", de JMBMarco Lemos/ Euronews

Nascido no Porto, em maio de 1942, José Mário Branco é considerado um dos mais importantes autores e renovadores da música portuguesa, em particular no período da Revolução de abril de 1974, cujo trabalho se estende também ao cinema, ao teatro e à ação cultural.

Foi fundador do Grupo de Ação Cultural (GAC), fez parte da companhia de teatro A Comuna, fundou o Teatro do Mundo, a União Portuguesa de Artistas e Variedades e colaborou na produção musical para outros artistas, nomeadamente Camané, Amélia Muge, Samuel e Nathalie.

Em 2018, José Mário Branco cumpriu meio século de carreira e lançou um duplo álbum com inéditos e raridades, gravados entre 1967 e 1999.

A edição sucedeu à reedição, no ano anterior, de sete álbuns de originais e um ao vivo, abrangendo um período entre 1971 e 2004.

Dos trabalhos mais importantes de José Mário Branco, contam-se "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" (1971), "Margem de certa maneira" (1973) ou "Ser solidário" (1982). Emblemático é também o texto cantado intitulado "FMI".

Os tributos de quem inspirou

Várias figuras das Artes usaram as respetivas contas nas redes sociais para recordar o músico, compositor e produtor.

Ao longo do dia foram surgindo várias publicações no Facebook, Instagram e Twitter, algumas apenas com fotografias de José Mário Branco ou vídeos com temas seus, outros acompanhados de textos com histórias envolvendo o autor de músicas como “FMI”, “Eu vim de longe” ou “Inquietação”.

O contrabaixista Carlos Bica, defendendo que José Mário Branco “foi e continua a ser um dos melhores compositores portugueses de todos os tempos”, refere que guardará “para sempre”, na memória e no coração, “a pessoa excecional que ele foi”.

Eu era ainda uma criança quando o vizinho da casa dos meus pais me convidou a ir a sua casa para ouvir o álbum „Mudam-se...

Publiée par Carlos Bica sur Mardi 19 novembre 2019

Carlos Bica recorda que foi em criança que ouviu o álbum “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” (1971), que “de imediato” o apaixonou e mais tarde considerou “um marco importantíssimo na história da música portuguesa”.

O músico conta como em 1981 teve “o privilégio de conhecer pessoalmente José Mário Branco”, que lhe deu “a oportunidade de participar no álbum do Carlos do Carmo ‘Um homem no país’, o primeiro disco de fado que contou com a participação de um músico contrabaixista, o que nessa altura foi um ato deveras ousado perante a postura conservadora do Fado”. Essa foi apenas a primeira de “muitas outras mais colaborações musicais”.

Obrigado por tudo José Mário

Publiée par Camané - Página oficial sur Mardi 19 novembre 2019

O músico e compositor Pedro Silva Martins, dos Deolinda, fala no “imenso prazer” que teve de conhecer pessoalmente José Mário Branco. “Nas conversas que tivemos aprendi muito sobre a Música e o seu fundamento, palavras que nunca mais esquecerei”, escreveu sobre o homem a quem chama “mestre”.

Parte da carreira de José Mário Branco está ligada ao fado, por isso não são de estranhar as várias reações de fadistas, como Camané, que agradece ao músico “por tudo”, Gisela João, Katia Guerreiro, que irá fazer do concerto que tem marcado na quinta-feira no Coliseu do Porto “uma homenagem” ao seu “mestrinho”, Ricardo Ribeiro, que fala em “mais uma estrela no céu”, ou Aldina Duarte.

Cristina Branco partilha que hoje só consegue “estar triste e deixar cair sobre a terra um pouco de música e algumas palavras”. “Aos vivos resta-nos continuar. Nas palavras estará sempre a nossa luta”, escreveu.

Os Linda Martini lembram que, em 2006, José Mário Branco deu-lhes “o privilégio de poder usar um pedaço de uma obra maior” num tema da banda, “Partir para ficar”. “Hoje partiu, mas fica para sempre”, escreveram.

Por seu lado, Carlão recorda que trabalhou com José Mário Branco “uma boa temporada em Guimarães no espetáculo de encerramento da Capital Europeia da Cultura 2012”, confidenciando que “foi uma honra privar com este pensador combativo e homem doce”. “Partiu hoje, mas vive para sempre na obra que nos deixa”.

Ainda no mundo do ‘hip-hop’, Capicua, Nerve, Virtus, Mundo Segundo e Cálculo foram alguns dos ‘rappers’ que usaram as redes sociais para homenagear José Mário Branco. “Morreu o José Mário Branco, se nunca ouviram ou não conhecem deviam pesquisar e tirar algum do vosso tempo para ouvir”, aconselhou Cálculo no Twitter, lembrando que “antes do ‘rap’ a palavra já era uma arma”.

João Pedro Pais, os Amor Electro, os Anaquim, os Lavoisier, Elísio Donas (Ornatos Violeta) e o pianista Tiago Sousa também recorreram às redes sociais para homenagearem o “homem e exímio cantautor”, “grande referência e inspiração”, “génio compositor, instrumentista e produtor de música” que foi José Mário Branco.

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Outros tributos

Não foi só no mundo da música que José Mário Branco teve impacto.

Today, a big part of Portuguese history died. José Mário Branco was responsible for many of the songs that invited...

Publiée par Helder Guimaraes sur Mardi 19 novembre 2019

O mágico Hélder Guimarães, numa mensagem escrita em inglês, relata aos seus seguidores que hoje “morreu uma grande parte da História portuguesa”.

“José Mário Branco foi responsável por muitas das canções que convidaram a sociedade a pensar e a agir, uma geração que levou Portugal a libertar-se de uma ditadura e mostrou-nos que quando há vontade há caminho”, escreveu.

O ator Albano Jerónimo partilhou parte da letra do tema “incontornável” “FMI”. “Porra Mário, que maravilha e que tremenda pena. Fica a inquietação, sempre! Obrigado”, escreveu.

O humorista Bruno Nogueira fala em José Mário Branco como alguém que “foi e será sempre músculo fundamental” da música portuguesa e o escritor Valter Hugo Mãe considera que, com a morte do músico, “toda a música portuguesa empalidece”, visto que morreu um “génio”.

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O ilustrador e ‘cartoonista’ André Carrilho partilhou a única caricatura que fez do músico, referindo que “um dos pontos altos” da sua carreira foi “participar como ‘video jack’ na homenagem à música ‘FMI’, há uns anos no Musicbox”, em Lisboa.

Publiée par Vhils sur Mardi 19 novembre 2019

“O José Mário Branco estava lá e pude testemunhar a expressão de surpresa e contentamento em ver pessoas mais jovens a ouvirem a música e a identificarem-se com ela, a sentirem afeto pela obra e pelo artista. É com essa expressão que o vou recordar”, partilhou.

Entre as muitas homenagens e testemunhos deixados por figuras e instituições públicas nas redes sociais contam-se ainda os do escritor Francisco José Viegas, do argumentista Filipe Homem Fonseca, do jornalista Carlos Vaz Marques, do psiquiatra Júlio Machado Vaz, do Festival Iminente, do Museu do Fado, da Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas (DGLAB), do fotojornalista João Pina, do artista Alexandre Farto (Vhils), do ator Nuno Lopes e do humorista Nuno Markl.

O último projeto de JMB

José Mário Branco estava atualmente a colaborar num projeto de investigação com o Instituto de Etnomusicologia (INET) sobre os processos de produção fonográfica de toda a carreira.

"Era um trabalho que estávamos a desenvolver com ele. Tínhamos uma série de encontros aqui na faculdade [Universidade Nova de Lisboa], onde íamos ouvir os discos dele e conversávamos sobre tudo. (...) Ele cedeu-nos um conjunto de fitas que estavam guardadas num sótão há bastantes anos, e nós fizemos o tratamento, a digitalização desse material fonográfico", disse à agência Lusa o investigador Hugo Castro.

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O projeto estava a ser desenvolvido desde finais de 2016 pelos investigadores Hugo Castro, Ricardo Andrade e António Tilly, do INET, não tem ainda prazo de conclusão e tem como objetivo a publicação de um livro sobre esses processos de produção fonográfica de José Mário Branco.

O material de investigação é, não só, do arquivo de composições de José Mário Branco, mas também de músicos com quem ele trabalhou enquanto produtor e arranjador, como, por exemplo, Camané e José Afonso.

Questionado pela Lusa sobre a existência de material áudio inédito nesses arquivos, Hugo Castro afirmou que os registos contêm "alguns processos da gravação do disco que não saem no fonograma final. Do José Afonso em particular não existe".

"Em relação ao 'Cantigas do Maio' [álbum de José Afonso de 1971] não, mas em relação a outros materiais, sim. Havia coisas em que estávamos a trabalhar com ele e a pensar numa forma de isso ficar disponível ao público", disse.

Hugo Castro explicou ainda: "Estamos a falar de canções, versões para canções, trabalhos de gravações em estúdio no qual estavam a ser discutidos os arranjos das canções, ou canções com arranjos diferentes. Esse material estava em fitas magnéticas e em cassetes, que ele nos cedeu para digitalizar".

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Algum do material de arquivo digitalizado neste processo já foi publicado por José Mário Branco em 2018, num duplo álbum com inéditos e raridades, gravados entre 1967 e 1999.

Na altura, José Mário Branco explicou à agência Lusa que a escolha de temas para esse duplo álbum era variada e diversa.

"Eu acho que, de facto, o resultado final é uma prova de uma certa polivalência da minha parte, mas houve critérios, apesar de tudo, porque era muito material e teve que se fazer uma seleção", afirmou.

Entre as novidades incluídas nesse álbum estão, por exemplo, a música "Fim de Festa", incluída num EP de marchas da Comuna-Cooparte, "Quantos é que nós somos", feito para um disco de homenagem a Otelo Saraiva de Carvalho, e "Le Proscrit de 1871", retirado de um EP gravado com a cooperativa artística francesa Groupe Organon, nos anos 1960, em Paris.

Sobre o projeto, Hugo Castro explicou que os investigadores estavam atualmente na fase de audição dos discos dele, dos de artistas com quem colaborou e produziu, do material digitalizado e também de gravação de entrevistas e conversas, nas visitas regulares que o músico fazia ao instituto.

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"Há duas semanas estivemos a ouvir algum material que trabalhou com Camané, por exemplo, e tínhamos uma nova sessão para ser marcada sobre os discos do Carlos do Carmo", contou Hugo Castro.

O investigador elogiou a total abertura e sintonia de José Mário Branco com o projeto e lamenta a perda de alguém que era "um elemento da equipa".

"Mas o nosso trabalho como investigadores pode continuar. Não vai terminar por aqui", disse.

Este trabalho de investigação está a ser feito em paralelo ao que decorreu no Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical (CESEM), também da Universidade Nova de Lisboa, e que permitiu, em 2018, a disponibilização 'online' de quase todo o arquivo documental de José Mário Branco.

"É um repositório de informação muito importante, porque ilustra a trajetória de um cantautor com muito peso na música portuguesa, e documenta a rede de relações artísticas, como a música, o teatro, a intervenção", afirmou na altura à agência Lusa o investigador Manuel Pedro Ferreira, que preside ao CESEM, da Universidade Nova de Lisboa.

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O trabalho foi feito em molde semelhantes ao do INET, com digitalização de caixas de documentação do músico, como partituras, cartas, letras de canções, alinhamentos de espetáculos, fotografias, material de trabalho, maquetas.

"Foi-nos emprestando o material, fazíamos a limpeza, o tratamento, a digitalização e devolvíamos. Foi um processo lento", recordou o investigador.

José Mário Branco, que morreu aos 77 anos, é um dos mais importantes autores da música portuguesa e deixa um legado de 50 anos de música e de inquietação, interventiva e militante.

Nascido a 25 de maio de 1942, no Porto, José Mário Branco foi um renovador da música portuguesa, em particular a partir dos anos imediatamente anteriores à Revolução de Abril de 1974, e cujo trabalho se estendeu também ao cinema, ao teatro e à ação cultural.

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