COVID-19 causa turbulência no setor da aviação

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De  Hans von der BrelieEuronews
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O período de confinamento durante a pandemia de COVID-19, obrigou os aviões a ficar em terra. Agora, estão em causa dezenas de milhares de postos de trabalho e direitos dos passageiros. #UnreportedEurope

A covid-19 está a criar turbulência financeira no setor da aviação. Grandes empresas europeias como a Air France, a alemã Lufthansa e a British Airways anunciaram que vão suprimir dezenas de milhares de postos de trabalho. As companhias de baixo custo EasyJet e Ryanair planeiam também despedir milhares de trabalhadores.

Só a companhia de bandeira alemã admite poder ser ser necessário cortar despedir 22 mil pessoas. A British Airways anunciou que os despedimentos na empresa rondariam os 12 mil, a Air France, que o número poderia ir até 10 mil. As companhias aéreas de baixo custo, também conhecidas como low cost, não estão muito melhor, a EasyJet planeia suprimir 4.500 postos de trabalho, a Ryanair cerca de 3.300. 

Em Portugal, a administração da TAP prolongou o lay-off, mas garantiu aos sindicatos que tudo faria para manter os postos de trabalho. O ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, admitiu ser necessário um ajustamento da dimensão da transportadora, mas defendeu, esta terça-feira, que os despedimentos "não têm de ser inevitáveis".

O setor da aviação caminha para uma luta brutal pelas quotas de mercado. Algumas companhias de baixo custo começaram já a exercer pressão sobre os trabalhadores. Há já quem lhe chame ‘dumping social’".

Sindicatos temem despedimentos e menos condições de trabalho

Francesca Rinaldi é comissária de bordo e faz parte da comissão de negociação para as tripulações da Ryanair, com sede na Alemanha. O seu nível salarial situa-se entre os 1.200 e 2.200 euros, montantes considerados baixos para os valores praticados no país.

No entanto, um pouco por toda a Europa, as condições de trabalham deterioram-se. Todos os dias Francesca está em contacto com tripulações europeias sindicalizadas.

Uma colega, com um filho, teve de ir à Cruz Vermelha pedir comida porque não tinha dinheiro suficiente para sobreviver nem sequer dez dias num mês
Gustavo Silva
Comissário de bordo da Ryanair (Espanha)

Desta vez, do outro lado da chamada, está Damien Mourgues, comissário de bordo da Ryanair em França, que também teme pelo seu futuro e o dos colegas na companhia.

"Em França, recebemos uma proposta da empresa para reduzir os nossos salários em 10% e também para nos conceder menos horas de trabalho. Como resultado, os nossos salários descem para cerca de 900 euros líquidos, é o limiar de pobreza francês. Isto é uma espécie de chantagem, porque eles colocam muito claramente nesta proposta, que [em França] vão ter de se ver livres de cerca de 27 membros excedentários da tripulação de cabina, caso não aceitarmos [este novo contrato]".

A videochamada seguinte é para Espanha. Francesca descreve a situação alemã a Gustavo Silva, comissário de bordo e líder sindical.

"Aqui na Alemanha estão a ameaçar implicitamente, mas também de forma bastante explícita, com um excedente de 571 tripulantes de cabina em 940, portanto querem ver-se livres de quase 60% da tripulação de cabina aqui na Alemanha", conta, para, de seguida, ficar a par do que se passa com os colegas espanhóis. "Gostava de saber qual é a situação em Espanha. Foram chantageados ou estão sob ameaça?”

Gustavo expõe a situação dos trabalhadores da Ryanair no país.

"Temos a Ryanair a dizer: 'ou assinam, ou 351 funcionários vão ter de ser despedidos'. Isto não é negociar, isto é ditar... e, ao mesmo tempo, reduzem as restantes condições de trabalho. Portanto, isto é dumping social, é um bom exemplo de dumping social... Uma colega, com um filho, teve de ir à Cruz Vermelha pedir comida porque não tinha dinheiro suficiente para sobreviver nem sequer dez dias num mês".

Se permitirmos que a Ryanair volte a fazer 'dumping aéreo', como fez nos anos 90, estamos basicamente a dar autorização a todas as outras companhias aéreas - como já fizeram antes - para apenas copiar e colar o modelo da Ryanair
Francesca Rinaldi
Comissária de bordo e líder sindical da Ryanair

A caminho do aeroporto de Frankfurt, onde Francesca trabalha, chegam-lhe más notícias de Praga: a companhia de baixo custo acaba de despedir três líderes do comité de negociação completo na República Checa. Os homólogos de Francesca no sindicato checo estão agora sem emprego.

"Todas as companhias aéreas enfrentam uma crise e  estão agora a negociar: se permitirmos que a Ryanair volte a fazer 'dumping aéreo', como fez nos anos 90, estamos basicamente a dar autorização a todas as outras companhias aéreas - como já fizeram antes - para apenas copiar e colar o modelo da Ryanair. Isto é algo que temos de evitar com todas as nossas forças e é por isso que continuamos a lutar", afirma a sindicalista.

A Euronews pediu à Ryanair uma entrevista num local à sua escolha na Europa. A empresa recusou.

O sonho de andar nos ares é antigo para Francesca, a última de "cinco filhas de uma família conservadora do Sul de Itália", por essa razão, diz, "sempre quis libertar-me para viajar".

Mas o sonho está a cair por terra. Hoje, relata, "há o medo de se ser despedido, o medo de não se chegar ao fim do mês. Há o desequilíbrio emocional, há pessoas que vão a um psicólogo, há pessoas que não conseguem dormir e quando se trata de uma pessoa que cuida de 189 passageiros, pode obviamente chegar a uma falta de segurança".

Muitas reclamações, poucos reembolsos

“Os direitos dos passageiros são violados, os voos cancelados não são reembolsados, as companhias alegam ‘circunstâncias extraordinárias’"
Binoj Puthuvaparambil
Passageiro aéreo

As tripulações de cabina não são as únicas penalizadas pela covid.

Sebastien Vögel e Binoj Puthuvaparambil tinham planeado voar para Maiorca com mais amigos de infância, através de uma companhia de baixo custo. Sebastien fez a reserva de todos os voos.

Em vez de gozarem as férias da Páscoa, como tinham feito no ano anterior, os seis amigos debatem-se agora com problemas de reembolso.

"Devido à covid-19, a nossa viagem a Maiorca foi cancelada. A questão mantém-se: como vamos recuperar o nosso dinheiro que já pagámos? Estamos a falar de quase 1700 euros, que o nosso grupo já pagou. E, claro, precisamos do nosso dinheiro de volta", conta Binoj.

Entre pedir e receber um reembolso, os passageiros estão a encontrar um caminho repleto de entraves.

“Os direitos dos passageiros são violados, os voos cancelados não são reembolsados, as companhias alegam ‘circunstâncias extraordinárias’", diz Binoj.

Mesmo perante os obstáculos impostos pelas companhias, Sebastien não duvida que reclamar foi a melhor opção que tomou.

"Protestar foi a decisão acertada, em vez de ficar em silêncio. A empresa espera que as pessoas desistam e fiquem caladas assim que lhes for recusado o reembolso", defende.

Ainda assim, reconhece as dificuldades do processo.

"Já apresentei vários pedidos, relativamente ao voo de ida, apresentei dois pedidos de reembolso, tendo ambos sido recusados. Em alternativa, prometeram um cupão de valor inferior. Quanto ao meu pedido de reembolso do nosso voo de regresso, até agora nenhuma resposta, 84% dos clientes da Ryanair, como nós, ainda estão à espera de ser reembolsados pelos voos cancelados".

Para Binoj, "essa não é forma de lidar com os clientes. Se outras empresas se comportassem da mesma maneira, ficariam sem clientes rapidamente e iriam à falência".

Aplicação móvel facilita reclamação

Nem sempre é fácil encontrar as moradas de contacto certas das companhias aéreas, essas moradas estão por vezes muito bem escondidas
Anke Hering
Criadora de aplicação móvel de ajuda ao consumidor

Em Düsseldorf, na agência regional de defesa dos consumidores, encontramo-nos com Anke Hering e Beate Wagner. Juntas, desenvolveram uma nova aplicação chamada "problemas de voo". Apesar de, para já, estar disponível apenas em alemão, com a covid-19, a aplicação tornou-se bastante popular, contando com cerca de 600 downloads por dia.

"Hoje temos o problema de as pessoas serem confrontadas com um grande número de voos cancelados. As companhias aéreas enviam-lhes mensagens: ‘o seu voo foi cancelado, oferecemos-lhe um vale". Mas as pessoas não querem vales. Precisam do seu dinheiro de volta. As pessoas têm de ser reembolsadas no valor do preço do bilhete pré-pago, no prazo de sete dias. Nem sempre é fácil encontrar as moradas de contacto certas das companhias aéreas, essas moradas estão por vezes muito bem escondidas. Ao utilizar a nossa aplicação, é gerada uma carta-modelo, em inglês ou alemão. A aplicação preenche automaticamente com os endereços certos e envia as cartas [para as companhias aéreas]", explica Anke.

Através deste mecanismo, a dupla já processou com sucesso dezenas de companhias aéreas de todo o mundo.

Os passageiros dentro da União Europeia estão protegidos pela lei comunitária, que, de acordo com Beate, determina que "nos voos a partir de um Estado-Membro da União Europeia, tem de ser aplicado o Regulamento dos Direitos Aéreos dos Passageiros".

Com este documento, afirma, "as normas jurídicas em vigor estão claramente definidas. Se os voos forem cancelados, os passageiros aéreos podem escolher entre obter o reembolso total do preço do bilhete ou ser reencaminhados. Isso significa que pode tomar uma decisão entre: 'Quero o meu dinheiro de volta' e 'Aceito um vale para voar numa data posterior'".

Para evitar as perdas abruptas nas companhias aéreas, a Comissão Europeia propôs reforçar a solução dos vales, tornando-a mais atrativa aos consumidores. Mas a decisão final, cabe sempre aos passageiros.

Entre terminais vazios e perdas financeiras, o setor da aviação luta para voltar à normalidade.

Sem haver certezas de que o vá conseguir, resta saber quem vai pagar a fatura da covid. As tripulações de cabina e os clientes das companhias aéreas? As companhias aéreas?

No final, pode mesmo vir a ser o contribuinte, ao subsidiar as companhias aéreas em dificuldades.

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