Nord Stream 2: um gasoduto geopoliticamente controverso

Nord Stream 2: um gasoduto geopoliticamente controverso
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De  Sebastian ZimmermannPedro Sacadura
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Projeto de parceria entre a Rússia e a Alemanha enfrenta resistência da União Europeia, dos EUA e da Ucrânia, em clima de tensão crescente com Moscovo

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Com a crise entre a Ucrânia e a Rússia como pano de fundo, a pressão sobre a Alemanha para interromper o projeto do gasoduto Nord Stream 2 tem vindo a aumentar.

Esta é uma das sanções económicas que pode vir a ser implementada na eventualidade de se confirmar o cenário mais grave: uma invasão russa na Ucrânia.

Nos últimos dias, Berlim deixou claro que, em caso de agressão, se discutirão diferentes opções, incluindo consequências para a iniciativa do gasoduto Nord Stream 2. Depois de um longo período de contenção, o chanceler alemão Olaf Scholz seguiu essa linha e manifestou uma opinião mais contundente. À semelhança de Annalena Baerbock, a ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Scholz ameaça a Rússia com "custos elevados" se invadir a Ucrânia.

Dos EUA também chegam mensagens de apoio: "Também vale a pena mencionar que ainda não há gás a fluir pelo Nord Stream, o que significa que o gasoduto é um meio de pressão para a Alemanha, os EUA e os nossos aliados, não a Rússia", disse o secretário de estado dos EUA, Antony Blinken.

O começo

Em teoria, o Nord Stream 2 deverá permitir à Alemanha atuar de forma mais independente no mercado de energia na Europa. Apesar de o polémico gasoduto de gás natural entre a Rússia e a Alemanha estar oficialmente concluído, ainda não começou a funcionar.

A iniciativa do Nord Stream 2 serviu para criar uma rota paralela ao projeto Nord Stream 1, a funcionar desde 2011 no fundo do Mar Báltico. O gasoduto estende-se ao longo de cerca de 1230 quilómetros e conecta Ust-Luga, na Rússia, a Greifswald, no nordeste da Alemanha. A construção arrancou em maio de 2018 e terminou a 10 de setembro de 2021, com um ano e meio de atraso.

A empresa estatal russa de gás Gazprom é a proprietária do gasoduto, tendo assumido mais de metade dos custos do projeto de cerca de 9,5 mil milhões de euros. Os custos restantes foram financiados por um consórcio europeu de empresas incluindo a OMV, da Áustria, a alemã Wintershall Dea, a francesa Engie, a Uniper, da Alemanha, e a Shell, do Reino Unido.

Os ramais do gasoduto têm capacidade para fornecer 55 mil milhões de metros cúbicos de gás por ano à Europa. Mas o projeto ainda não descolou. Entre outras coisas, o gasoduto ainda precisa de certificação das autoridades alemãs para poder começar a operar.

Os apoiantes

Quer a Rússia quer a Alemanha, as partes envolvidas no projeto, defendem as vantagens da iniciativa.

Mas em Berlim tem havido visões discordantes no seio do novo governo de coligação recém-formado, em relação à data de funcionamento do Nord Stream 2. Os "Verdes", um dos parceiros de coligação do Partido Social Democrata (SPD), por exemplo, rejeitam o projeto por razões geoestratégicas e de política climática. Já o Partido Liberal Democrata (FDP) também vê necessidade de ação.

Em princípio, a Alemanha conta com o gás da Rússia, considerado uma tecnologia de transição na passagem das energias fósseis para as renováveis. O gasoduto seria uma forma relativamente barata de obter a matéria-prima e cobrir as necessidades energéticas do país.

Moscovo, por outro lado, sai a ganhar porque pode vender gás e obter retorno financeiro. Por ano, a Rússia deve entregar à Alemanha 55 mil milhões de metros cúbicos de gás através do Mar Báltico. De acordo com a Gazprom, é uma quantidade suficiente para abastecer 26 milhões de casas.

A posição da União Europeia

Bruxelas não apoia o projeto do Nord Stream 2, tendo alegado num comunicado, em junho de 2017, que o mesmo não contribui para os objetivos da União da Energia. A Comissão Europeia acrescentou que o gasoduto "não deve ser explorado num vazio legal ou exclusivamente ao abrigo da lei de um país terceiro".

No entender do executivo comunitário, o Nord Stream 2 não contribui para os objetivos da União da Energia de abrir novas fontes de abastecimento, rotas e fornecedores. "Pelo contrário, pode até facilitar que um único fornecedor fortaleça ainda mais sua posição no mercado de gás da União Europeia e seja acompanhado por uma maior concentração de rotas de fornecimento".

Atualmente, existem infraestruturas de transporte de gás em bom funcionamento que garantem o abastecimento de energia na Europa. No entanto, as rotas de transporte existentes, especialmente através da Ucrânia, podem ser potencialmente ameaçadas pela construção do Nord Stream 2. Josep Borrell, o chefe da diplomacia europeia, sublinhou que o gasoduto não é um projeto europeu. Está "exclusivamente nas mãos dos alemães", disse.

Geopoliticamente controverso

A União Europeia não é a única parte crítica do projeto.

Os EUA também não querem que o gasoduto entre em funcionamento. No contexto das sanções impostas à Rússia em 2020, a construção foi interrompida por quase um ano. O fornecimento de gás da Rússia poderia ser usado como uma arma política para Washington.

Em novembro de 2018, os EUA alertaram que "a dependência da Europa em relação ao gás russo é geopoliticamente errada", até porque não haverá interesse em que "o gás seja desligado no meio do inverno quando uma crise política estourar".

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O projeto é, na verdade, visto como concorrência. Os EUA, gostariam, antes, de fazer negócios com a Europa e vender gás liquefeito, por exemplo.

Preocupações a leste

As críticas ao Nord Stream 2 também chegam do leste europeu.

A Polónia, por exemplo, sente que o território foi ignorado como país de trânsito para o fornecimento de energia. O projeto pode reduzir o estatuto dos ramais que já existem na rota terrestre, o que significa que as receitas importantes geradas pelas taxas de trânsito podem ser perdidas.

Além disso, há receios de que a Rússia possa ganhar poder tornando a Europa dependente de seu gás. As preocupações concentram-se em particular na Ucrânia. O país depende dos milhões de euros em receitas geradas com taxas de trânsito.

Kiev alerta para a entrada em funcionamento do projeto, em pleno contexto de tensão crescente com a Rússia. O presidente Volodymyr Zelensky fala numa "arma geopolítica perigosa do Kremlin".

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Há uma semana atrás, a empresa estatal de energia da Ucrânia, Naftogaz, falou numa questão de "segurança nacional" para o país.

Considerando o reforço de tropas russas na fronteira da Rússia com a Ucrânia, "seria mais difícil para o presidente russo, Vladimir Putin, iniciar uma guerra se o gás fluísse pela Ucrânia, porque o abastecimento de gás seria afetado", referiu o líder da Naftogaz, Yuri Vitrenko.

"Tenho certeza: se o Nord Stream 2 entrar em funcionamento, nunca mais haverá gás russo transportado através da Ucrânia para a Europa", acrescentou.

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