A jovem nação timorense é o 11º estado-membro do bloco do Sudeste Asiático. A formalização da adesão aconteceu no domingo, na 47.ª Cimeira da ASEAN, que se realizou em Kuala Lumpur. Apesar de grandes desafios, esta é uma oportunidade para os jovens e o futuro do país, dizem especialistas à Euronews.
A Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) deu as boas-vindas a Timor-Leste como o seu membro mais recente. Para esta pequena nação é um “sonho realizado”, disse Xanana Gusmão, num discurso emotivo. “Hoje, fazemos história”, acrescentou o primeiro-ministro perante os líderes das restantes nações do bloco, enquanto a bandeira do seu país era adicionada às outras 10 numa cerimónia formal em Kuala Lumpur. “Para o povo de Timor-Leste, isto não é apenas um sonho realizado, mas uma afirmação poderosa da nossa jornada, marcada pela resiliência, determinação e esperança”, afirmou.
O primeiro-ministro da Malásia, Anwar Ibrahim, cujo país detém a presidência rotativa da associação, disse que a adesão de Timor-Leste “completa a família da ASEAN, afirmando o nosso destino comum e o profundo sentimento de afinidade regional”.
Esta foi a primeira expansão da ASEAN desde a década de 1990 e levou mais de uma década a ser concretizada.
O último membro a aderir à ASEAN foi o Camboja, em 1999. Nesse mesmo ano, no dia 30 de agosto, um referendo supervisionado pela ONU abria caminho para a independência de Timor-Leste, depois de uma ocupação violenta de 24 anos pela Indonésia, que levou à morte de dezenas de milhares de pessoas devido à violência e graves violações de direitos humanos, fome e doenças. Antes da invasão da Indonésia em 1975, Timor-Leste foi uma colónia portuguesa durante mais de quatro séculos. Esta nação do Sudeste Asiático mantém a sua ligação a Portugal, adotou a língua portuguesa como língua oficial a par do tétum e faz parte da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
A cerimónia marcou a abertura da cimeira anual da ASEAN, seguida de dois dias de encontros de alto nível com parceiros-chave, incluindo a UE, a China, o Japão, a Índia, a Austrália, a Rússia, a Coreia do Sul e os EUA.
Desde o pedido à adesão plena, decorreram 14 anos
A integração da nação mais jovem do Sudeste Asiático, com 1,5 milhões de habitantes, na ASEAN está a ser saudada como um passo simbólico para a inclusão regional.
“Esta conquista histórica representa muito mais do que um reconhecimento diplomático, simboliza a realização das aspirações da nossa nação de nos posicionarmos como iguais entre os nossos vizinhos regionais, de contribuirmos significativamente para a paz e a prosperidade e de garantirmos um futuro melhor para as gerações vindouras”, escreveu o Presidente da República, José Ramos-Horta, num documento publicado no portal do governo timorense a explicar todo o processo de adesão ao bloco do sudeste asiático.
No seu discurso de aceitação, em Kuala Lumpur, Xanana Gusmão fez referência ao “longo caminho” do processo que demorou 14 anos. “Para a ASEAN, é a continuação de uma visão de nações unidas como uma família. O nosso caminho para a adesão foi longo. Desde que pedimos para entrar em 2011, fizemos todas as reformas necessárias nas nossas instituições e fortalecemos a nossa prontidão, guiada pelo apoio da ASEAN e dos seus parceiros. Hoje, abraçamos uma nova era de colaboração com uma das regiões mais dinâmicas do mundo, com muito respeito, cooperação e unidade”, disse o primeiro-ministro de Timor-Leste.
“É uma declaração de pertença”, acrescenta Khoo Ying Hooi, professora associada da Universiti Malaya e especialista em estudos estratégicos, em declarações à Euronews.
Apesar de ser considerado um país pobre e de apresentar lacunas no seu desenvolvimento, Timor-Leste implementou inúmeras reformas económicas, políticas e jurídicas para alcançar os requisitos do bloco desde o pedido de adesão, em 2011.
“De 2020 a 2025, o governo iniciou extensos ajustes jurídicos, económicos e técnicos para se alinhar com as normas da ASEAN”, lê-se no referido documento publicado no portal do governo timorense.
Nos últimos 14 anos, Timor-Leste conseguiu alinhar a sua governação, estruturas económicas e quadros jurídicos com as normas do bloco, “o que é encorajador é a humildade e a disponibilidade para aprender de Timor-Leste”, reconhece a especialista da Malásia.
Em 2022, o país foi aceite como membro observador. Desde então, “há vários anos participa nas reuniões da ASEAN, investindo em formação e preparação linguística”.
A adesão tanto pode trazer oportunidades como ser demasiado desafiante
A ilha de Timor faz fronteira terrestre e marítima com a Indonésia. Situa-se a 600 quilómetros a noroeste de Darwin, Austrália, com a qual partilha a fronteira marítima no Mar de Timor. Atualmente, Timor-Leste apresenta um PIB de 1,9 mil milhões e tem acesso a um fundo petrolífero de 18,74 mil milhões, através do investimento dos royalties provenientes de reservas de petróleo no Mar de Timor, explorados conjuntamente com a Austrália.
A sua economia “continua fortemente dependente das receitas do petróleo e do gás natural, e os esforços de diversificação, especialmente na agricultura, turismo e setor criativo, continuam numa fase inicial”, aponta a investigadora da Malásia.
“Cumprir os padrões técnicos da ASEAN em matéria de comércio, conectividade e governação exigirá recursos que o país ainda não possui totalmente”, lembra a investigadora malaia. “Para Timor-Leste, o desafio é a capacidade institucional e económica. A sua administração pública, sistema educativo e infraestruturas ainda enfrentam lacunas significativas”, prossegue.
“O governo ainda tem necessidades de apoio em diversas áreas”, reforça Mica Barreto Soares, professora na Universidade Nasional de Timor Lorosa’e (UNTL), em conversa com a Euronews. “A ASEAN está muito preocupada com a falta de infraestruturas e recursos humanos do país. Timor-Leste está a tentar dar resposta a estas questões, mas o país precisa de gerir este processo ao seu ritmo, dando prioridade ao que é realmente necessário”, sublinha a professora, desde Díli.
Para a professora de Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Sociais e Políticas da UNTL, “a entrada de Timor-Leste no bloco vai exigir um sem número de compromissos, como, por exemplo, a participação em mais de 300 reuniões anuais. O país “precisará de recursos humanos para participar em todas essas reuniões da ASEAN”, para além de infraestruturas. A investigadora pensa que o país não precisa de participar em todas, pelo menos fisicamente e sugere que os respetivos grupos de trabalho “participem remotamente”, por exemplo. “Isso reduzirá o tempo e os custos para todos”.
A professora acrescenta ainda que Timor-Leste precisa de priorizar o que é importante e “estabelecer um prazo de 5 anos para isso”. “Não precisamos de ter a ambição de implementar ou cumprir todos os requisitos de uma só vez, devemos ser seletivos de acordo com o que precisamos, não com o que queremos”, declara.
Benefícios e contrapartidas em pertencer ao maior bloco asiático
A adesão de Timor-Leste à ASEAN oferece ao país acesso a acordos de comércio livre, oportunidades de investimento e um mercado regional mais amplo constituído por 10 nações, o que se traduz em melhor acesso a uma comunidade económica de nações com cerca de 680 milhões de pessoas e uma economia de 3,8 biliões de dólares. Estas são condições vitais para diversificar uma economia há muito dependente do petróleo e do gás natural e para dar oportunidades de trabalho, sobretudo aos jovens que se acumulam nas cidades (especialmente em Díli), sem emprego. A abertura de fronteiras entre os membros do bloco pode trazer oportunidades para os jovens que “já são multilíngues e têm uma mentalidade global”, diz a professora malaia.
A ASEAN pode ajudar a ligar os jovens timorenses aos centros de inovação regionais. O secretário-geral, Anwar Ibrahim, afirmou que o objetivo da ASEAN é “procurar um crescimento resiliente e justo e salvaguardar o bem-estar das gerações futuras”.
“Pode ser uma porta de entrada para a juventude de Timor-Leste através da mobilidade educativa, das redes da economia digital e do intercâmbio cultural”, acrescenta a especialista da Universiti Malaya. “As indústrias criativas e tecnológicas em crescimento na região oferecem inspiração para a diversificação”, continua. Mas isso só resulta se houver vontade, para abrir essa porta, “depende da ASEAN criar um acesso real”, ressalva a investigadora malaia à Euronews.
Mica Barreto, por seu lado, lembra que Timor-Leste ainda tem muito que percorrer para desenvolver as suas instituições, sobretudo escolas e universidades. “Como académica que sou, esta oportunidade dar-nos-á acesso à rede académica dos parceiros da ASEAN, permitindo-nos desenvolver as nossas instalações e capacidades educativas”, sublinha a professora timorense.
Contudo, a professora Khoo Ying Hoo alerta que as oportunidades devem “ir além dos programas de elite para alcançar os empresários, artistas e jovens ativistas locais”, porque acredita que “a juventude de Timor-Leste pode trazer a criatividade enraizada na comunidade e na sustentabilidade, algo com que o modelo de desenvolvimento da ASEAN poderia aprender”. Portanto, não se trata apenas de Timor-Leste recuperar o atraso, mas também da ASEAN acompanhar essa evolução”, lembra.
Ou seja, tanto um como outro podem tirar partido desta entrada histórica da mais pequena nação do Sudeste Asiático. Se por um lado, “a adesão dá a Timor-Leste uma plataforma para moldar a sua identidade regional e obter acesso a redes de cooperação económica, educação e diálogo sobre segurança, após duas décadas de independência, também sinaliza maturidade política, alinhando-se com as normas regionais de diplomacia e consenso”. Por outro lado, a adesão ao bloco oferece uma “lembrança muito necessária da razão pela qual a ASEAN existe”, ou seja, “para construir uma comunidade que inclua, e não exclua”, afirma a professora Khoo Ying Hoo.
A experiência do processo de transição de um país que viveu sob ocupação violenta durante 25 anos pode ajudar a ASEAN a resolver problemas com alguns dos seus membros mais antigos, através da via diplomática. A professora Mica Barreto reconhece que, para já, Timor-Leste trará muito pouco para a ASEAN, “além de trocar as nossas experiências com processos de paz”. “Timor-Leste pode ajudar a ASEAN a alcançar a paz em alguns dos seus membros, como Mianmar. Mesmo sabendo que nenhum outro país pode interferir, como princípio de não interferência da ASEAN, Timor-Leste pode trazer a sua experiência na defesa das negociações de paz. A diplomacia timorense pode, com esta experiência, ajudar nos processos de paz”, sugere a professora timorense.
A investigadora malaia concorda: “Timor-Leste traz peso moral, tendo construído a paz através da reconciliação, em vez da repressão”, diz Khoo Ying Hoo. “Também traz diversidade em termos de língua, história e experiência de governação, o que pode ajudar a re-energizar o discurso da ASEAN sobre direitos humanos e democracia, bem, se o bloco estiver disposto a ouvir”, acrescenta.
Os desafios de uns e as preocupações de outros
A ASEAN foi formada em 1967 com cinco estados-membros: Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura e Tailândia. Em 1984, o bloco alarga-se ao Brunei, seguindo-se o Vietname (1995), o Laos e o Mianmar (1997) e o Camboja (1999). Este bloco intergovernamental, começou por ser principalmente comercial, mas depois passou a promover a cooperação regional nos domínios económico, social, cultural, técnico e educativo, bem como a paz e a estabilidade.
“Há preocupações de ambos os lados. Para a ASEAN, a questão é sobre a preparação. O bloco funciona por consenso, o que significa que integrar uma economia pequena e frágil como a de Timor-Leste requer não apenas boa vontade, mas também um compromisso político e financeiro sustentado de todos os membros. Sem isso, há um risco real de que Timor-Leste seja simbolicamente “incluído”, mas praticamente marginalizado”, alerta a professora Khoo Ying Hoo.
Khoo Ying Hoo aponta para as contradições internas da ASEAN que são permanentes. “O bloco tem dificuldade em lidar com questões como violações dos direitos humanos ou crises políticas em Mianmar”.
Se a ASEAN não enfrentar essas inconsistências, a adesão de Timor-Leste arrisca-se a ser tratada como um gesto simbólico, em vez de uma expansão genuína da comunidade. Por isso, a especialista em estratégia sugere que a inclusão “deve vir acompanhada de investimento, tanto no desenvolvimento de Timor-Leste como na própria credibilidade da ASEAN”.
Já a investigadora sénior da maior universidade de Timor-Leste espera que a entrada na ASEAN possa ir além da política. Atualmente, a máquina do Estado representa um fardo muito pesado na economia do país.
“A adesão de Timor-Leste à ASEAN não deve permanecer ao nível do Estado, precisa de ir além. Quais são os benefícios reais para o seu povo?”, questiona. “Isso é o que resta ver”, alerta a professora.