A Internet "libertou a palavra" na Tunísia e no Egito

A Internet "libertou a palavra" na Tunísia e no Egito
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A euronews entrevistou o sociólogo francês Dominique Cardon sobre as relações entre Internet e democracia, depois dos eventos na Tunísia e no Egito.

O autor de “La Démocratie Internet” (Seuil, 2010) salienta que uma das funções políticas da Internet é a “libertação da palavra”.

“De repente, começámos a ousar pensar coletivamente coisas que não ousávamos pensar antes”, afirma o sociólogo numa entrevista realizada em colaboração com a Villa Gillet em Lyon.

euronews: Que papel desempenhou a Internet nos movimentos sociais na Tunísia e no Egito?

Dominique Cardon: Não devemos sobrestimar o papel da Internet enquanto causa da revolução, mas a Internet tornou-se um meio para os indivíduos se exprimirem. A Internet liberta a palavra, liberta a subjetividade. Essa é a meu ver uma das suas funções políticas da Internet.

As redes sociais são pequenos espaços onde as pessoas interagem, partilham coisas familiares, coisas do quotidiano bastante normais, e, de vez em quando, ousam dizer coisas que não ousavam sequer pensar para si próprios. Ousam dizê-las aos próximos e os próximos confirmam essa ideia repentina de ter ousado dizê-las.

Acho que há uma espécie de libertação da palavra, há uma troca em pequenas redes de sociabilidade,
que teve um efeito viral bastante crucial na Tunísia e no Egito no sentido em que as pessoas começaram a ousar pensar algo que não ousavam pensar antes.

euronews: Os eventos foram então uma surpresa para a própria população?

Dominique Cardon: Sim, a revolução é sempre um evento que surpreende até mesmo os próprios atores. Por isso os comentadores e os homens políticos não se aperceberam do que se estava a passar. Até os atores são surpreendidos pela sua própria ousadia. Uma audácia que foi testada com os amigos na Internet. De repente as pessoas apercebem-se de que algo é possível e que é possível ousar pensar coletivamente algo de novo.

euronews: O Twitter desempenhou o papel de ‘braço diplomático’ dos Estados Unidos?

Dominique Cardon: Dizem que a Internet não é regulada e que os EUA não controlam o que se passa. Em geral isso é verdade nas democracias ocidentais, incluindo nos Estados Unidos. Mas é claro que existem laços fortes entre o governo dos EUA e as empresas de Internet que são empresas norte-americanas uma vez que foram solicitadas a tomarem um conjunto de medidas em relação às suas redes, de não as encerrar e de facilitar a comunicação. Foi o que se passou na Tunísia e no Irão também com o Twitter.

euronews: Qual foi o papel do Twitter no Irão?

Dominique Cardon: O Twitter não desempenhou um papel vital entre os iranianos que se mobilizaram e se manifestaram. Teve um papel de coordenação, mas o telefone foi sem dúvida mais importante que o Twitter. O Twitter foi, no entanto, uma correia de transmissão para o exterior e permitiu a alguns militantes bem equipados de comunicar com o exterior e contar o que se estava a passar numa altura em que o governo tentava bloquear a situação.

euronews: Há uma relação direta entre Internet e democracia?

Dominique Cardon: Não existe relação direta entre a Internet e a democracia, em termos de causalidade, mas é evidente que a internet dá a possibilidade aos cidadãos de ter uma democracia mais rica, mais dinâmica, mais vibrante e coletiva, porque a Internet permite comunicar e organizar-se de forma mais horizontal, sem passar por instituições, partidos ou sindicatos.

euronews: A Internet cria uma maior intimidade com a política?

Dominique Cardon: A Internet cria uma intimidade com a vida dos indivíduos. As pessoas associam mais facilmente as coisas coletivas, o que diz respeito a todos, com a sua própria vida enquanto indivíduos e cidadãos.

euronews: Há pontos em comum entre o fenómeno Wikileaks e o que aconteceu na Tunísia?

Dominique Cardon: Penso que a WikiLeaks desempenhou um papel importante em relação à ideia de transparência da informação, em particular no caso da Tunísia ao mostrar a diferença entre o que a diplomacia dos EUA pensava oficialmente e o que dizia nos bastidores, nomeadamente nos telegramas trocados pelos embaixadores em que se dizia que o clã Ben Ali era quase uma máfia. A partir do momento em que essa informação se torna pública, torna-se claro aos olhos do cidadão tunisino que há uma diferença sensível entre o que é dito sobre o que os diplomatas ocidentais dizem e as avaliações reais feitas pelos EUA. Esta discrepância abriu uma brecha, uma falha que corroeu as crenças e as lealdades dos cidadãos em relação ao governo da Tunísia.

Elza Gonçalves

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