Referendo na Irlanda pelo aborto: tudo o que precisa saber

Irlanda vai às urnas votar eventual abertura à legalização do aborto
Irlanda vai às urnas votar eventual abertura à legalização do aborto Direitos de autor REUTERS/Clodagh Kilcoyne
Direitos de autor REUTERS/Clodagh Kilcoyne
De  Francisco Marques com Reuters
Partilhe esta notíciaComentários
Partilhe esta notíciaClose Button
Copiar/colar o link embed do vídeo:Copy to clipboardCopied

Mais de 3,2 milhões de irlandeses são chamados a revogar nas urnas a lei que penaliza as mulheres pela interrupção voluntária da gravidez. O que pensa da legalização do aborto?

PUBLICIDADE

Irlandesas contra e a favor do aborto saíram à rua para as derradeiras ações de campanha antes do referendo desta sexta-feira. Em causa, está a possibilidade de Irlanda poder revogar a Oitava Emenda da Constituição e, com isso, abrir a porta no país a uma nova e menos restritiva lei da interrupção voluntária da gravidez.

Devido à proibição vigente, o país tem visto nos últimos anos cada vez mais irlandesas a deslocarem-se ao estrangeiro, onde a prática é permitida, para se submeterem a abortos induzidos.

Sinéad Carolan foi um desses casos. Esta irlandesa conta-nos que isso lhe "agravou o trauma" de ter de interromper uma gravidez porque "tudo teve de ser feito em segredo".

"Mesmo a recolha de informação. Não podia falar com ninguém e a família foi ainda colocada sob pressão devido aos custos (da viagem e da intervenção)", acrescenta Sinéad Carolan, uma ativista pelo "sim" à alteração da Constituiçao para dar mais poder à mulher sobre si mesma.

A interrupção voluntária da gravidez é crime na Irlanda há mais de 150 anos. Mais concretamente desde 1861.

Após um referendo com uma aprovação de quase 67 por cento, em setembro de 1983 foi introduzida na Constituição o artigo 40.3.3, vulgarmente conhecido como a Oitava Emenda, que colocou os fetos (bebés pré-natal em qualquer fase de desenvolvimento) com o mesmo direito à vida da mãe.

Em 2012, a morte de uma mulher indiana, Savita Halappanavar, a quem havia sido negado a indução de um aborto, porque o feto registava um batimento cardíaco, deu força a um novo movimento pró-mulher, em defesa da legalização do aborto.

No ano seguinte, após muita pressão social e europeia, o governo aprovou uma emenda à lei, permitindo aos médicos induzir a interrupção de uma gravidez se a vida da mulher estivesse em risco.

Mas também introduziu uma pena de até 14 anos de prisão para quem interrompesse de forma voluntária uma gravidez ou desse assistência à prática de um aborto.

Em 2015, a Comissão para os Direitos Económicos, sociais e Culturais das Nações Unidas recomendou a realização de "um referendo Constitucional" na Irlanda sobre a interrupção voluntária da gravidez, justificado com a preocupação pela limitação dos direitos das irlandesas por "uma das mais pounitivas e restritivas leis do aborto."

Agora, o aborto volta a ser decidido nas urnas com aquela  que poderá vir a ficar conhecida como a 36.ª Emenda à Constituição da Irlanda.

Se a revogação for aprovada, o governo passa a poder legislar diretamente sobre o tema e responder aos apelos para, pelo menos, permitir a interrupção voluntária de uma gravidez até às 12 semanas de gestação.

#HomeToVote

Mais de 3,2 milhões de eleitores foram chamados a decidir e muitos viajam do estrangeiro para exercer o direito. Foi inclusive recuperada uma "hashtag" (#HomeToVote -- "em casa para votar") tornada famosa em 2015 com o referendo pelos casamentos entre pessoas do mesmo género.

Na rua, as irlandesas dividem-se com a revogação da Oitava Emenda.

Questionada pelo referendo, uma jovem defende que o governo devia "olhar mais pelas mulheres". "A maioria dos outros países desenvolvidos olha melhor pelas mulheres. Não há razão para que a Irlanda não faça o mesmo", sublinha.

Uma outra, sexagenária, revela-se mais conservadora. "A minha decisão... voto 'não'", diz, taxativamente.

Uma terceira, aparentemente de meia-idade, questiona a capacidade dos irlandeses: "Não sei se as pessoas estão instruídas o suficiente para tomar opções como estas."

A mudança da lei tem sido exigida sob justificação do cada vez mais acesso ao procedimento. Seja por um crescente comércio pela internet de pílulas abortivas, seja pela facilidade de viajar para outros países europeus onde as leis do aborto são mais brandas.

PUBLICIDADE

Dados referentes a 2016, citados pela BBC, indicam que durante esse ano terão sido induzidas de forma legal cerca de 25 interrupções de gravidez. Ao mesmo tempo, no mesmo período, mais de 3200 mulheres viajaram da Irlanda para o Reino Unido para terminarem de forma voluntária a respetiva gravidez.

Opositores à mudança, como o médico Andrew O'Regan, defendem a proteção da vida a todo o custo.

"Se as pessoas votarem 'sim', o que elas vão estar a fazer é a força os médicos a acabarem com a vida de um dos nossos pacientes. Na Irlanda, na assistência pré-natal, olhamos tanto pela mãe como pelo bebé", sublinhou O'Regan, um dos membros da "Medical Alliance for the 8th", a Aliança Médica a favor da Oitava Emenda.

O correspondente da Euronews na Irlanda conta-nos, por fim, que "sondagens recentes indicam um número de indecisos para este referendo na ordem dos 15 por cento."

"Estes votos podem revelar-se determinantes para manter a Oitava Emenda na constituição irlandesa e a consequente proibição do aborto. Ou, por outro lado, poderão permitir abrir porta ao aborto na Irlanda. O resultado do referendo deve ser conhecido sábado à tarde", conclui Ken Murray.

PUBLICIDADE

Outras fontes • BBC, Irish Times, Irish Examiner

Partilhe esta notíciaComentários

Notícias relacionadas

O papel dos jovens irlandeses no "Sim" ao aborto

O "Sim" irlandês ao aborto

"SIM" vence referendo ao aborto na Irlanda