Onde está a salvação dos agricultores europeus?

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De  Euronews
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É uma problemática europeia: a queda dos preços do leite e da carne está a levar muitos produtores ao desespero. Como é que se chegou até aqui?

Jacques Jeffredo tem uma missão: prestar homenagem aos cerca de 600 agricultores que, segundo ele, cometem suicídio todos os anos em França. As autoridades francesas reduzem estes números em dois terços. Só que Jacques, ele próprio um agricultor, revela que as estatísticas não refletem aquele que é um assunto tabu para muita gente.

“Tenho muitos colegas desta atividade que já partiram deste mundo. Um dia, apercebi-me que ninguém lhes prestava tributo. Isso deixava-me triste, achava que era uma injustiça, não havia reconhecimento nenhum de todas aquelas pessoas que se mataram a trabalhar para nos alimentar a todos”, afirma.

Jacques está a colocar 600 cruzes em frente a uma basílica na Bretanha. É a forma que tem de chamar a atenção para o suicídio entre agricultores, que tem as taxas mais elevadas do que qualquer outra profissão. E não é só em França. Embora seja difícil apurar os motivos pessoais por detrás dos suicídios, a pergunta coloca-se: o que está a acontecer com os agricultores europeus?

Durante o verão, as manifestações sucederam-se. Muitos dirigiram-se a Bruxelas para protestar contra a queda dos preços do leite e da carne. Os produtores afirmam que juntando o fim das quotas de leite, que existiram durante trinta anos, à diminuição da procura e ao embargo russo de produtos lácteos, é inevitável o estrangulamento do setor. Em setembro, a Comissão Europeia prometeu 500 milhões de euros para ajudar os agricultores. Mas estes afirmam que a resposta não está nos subsídios, está em regular a atividade.

Audrey Le Bivic assumiu, há dez anos, as rédeas da exploração que os seus pais têm na Bretanha. Mas, hoje em dia, Audrey considera que perde dinheiro com a produção que obtém de 75 vacas. O preço do leite baixou. Ela recebe agora 300 euros por cada 1000 litros. Mas os custos de produção ascendem aos 345 euros.

Segundo ela, “os compradores querem um volume de produção de 800 mil litros por pessoa. Mas nós somos três para conseguir produzir isso. Não vamos continuar a trabalhar a troco de nada. Os jovens não querem instalar-se no campo para viver assim. Não temos fins de semana. Não temos férias. Trabalhamos, no mínimo, 70 horas por semana. Não temos um salário. Nós é que somos ingénuos por trabalhar assim. Nos outros países da Europa, há gente a sofrer como nós. A base do setor está a morrer. Fomos a Bruxelas manifestar-nos, os alemães estiveram ao nosso lado para dizer que estão a morrer e para pedir novas leis. Mas os políticos não nos ouvem.”

O pai de Audrey, Thierry, abriu esta exploração no início dos anos 80, na altura em que foram impostas quotas de leite para regular o mercado. No passado mês de abril, Bruxelas terminou com a medida, porque, a nível global, a procura de leite estava a aumentar. Mas foi uma tendência que se foi invertendo. O pai de Audrey preocupa-se com o seu futuro. “Nós já estamos perto da reforma, faltam cinco anos. Mas ela vai fazer o quê? Ou vende tudo ou arranja um sócio. Mas será que ainda vale a pena fazer isso? Só se houver um jovem que compre a nossa parte, que queira investir e refazer tudo. Há sempre coisas a refazer. Por isso, pergunto-me se, daqui a cinco anos, não vamos ter de vender isto tudo”, desabafa.

O futuro… É a questão também dos produtores de carne bovina e os suinicultores.
Yves-Hervé Mingam tem uma suinicultura na Bretanha. A indústria da carne de porco foi duramente afetada pelo embargo russo e também por algumas normas que os diferentes países europeus adotaram. “Se eu não vender os animais, depois não tenho lugar para os leitões. Eu preciso sempre de ter lugar disponível. Esta criação está a sempre a abarrotar. Fico com muito pouca margem de manobra se não abater os animais”, explica.

Segundo Yves, há 10 anos, a França produzia mais carne de porco do que a Alemanha ou a Espanha, por exemplo. Hoje em dia, há normas comuns, mas também há normas específicas em cada país. Os alemães e os espanhóis passaram a produzir mais 20 toneladas por ano do que os franceses. Muitos produtores tiveram de fechar portas.

“Hoje em dia, os jovens como eu estão a ser sacrificados. Não conseguimos pagar as contas. Vamos ter de reduzir o volume de produção. Não recebemos ajuda de ninguém, só promessas do governo. Nem a nível europeu encontramos trabalho. Estamos a sacrificar toda uma geração de produtores e as consequências só vão ser visíveis daqui a 10, 20 anos”, vaticina Yves.

Em 1960, mais de 4 milhões de pessoas trabalhavam na agricultura em França. Hoje em dia, são menos de um milhão.

Christian Hascoet produz laticínios. Ele, que foi a Bruxelas manifestar-se, afirma que o caminho liberal que a Europa está a tomar, deixando o mercado autorregular-se, vai levar à asfixia financeira de um terço dos pequenos agricultores.

Christian declara que “é preciso defender um projeto. Não basta manifestarmo-nos contra. É claro que isso já é alguma coisa. Mas o que falta é um projeto comum. E a única estrutura a nível europeu que tem um projeto é a EMB, federação de produtores de leite. Ela agrupa produtores de todos os países europeus. Aquilo que pretendemos é uma Europa onde se possa cooperar. O que as indústrias e os gestores nos querem impor é uma Europa para competir. Mas não são esses dirigentes que vão sofrer as consequências da competição. Em vez disso, impõem-nas aos produtores.”

Este criador continua: “É uma realidade que nos está a matar. Em França, dizem que há, pelo menos, um agricultor por dia a suicidar-se. Mas eu acho que esse número é muito inferior à realidade, por razões das quais não vou falar agora. Infelizmente, o sofrimento social e económico é tal, que as pessoas acabam por passar ao ato.”

Audrey Le Bivic resume a situação: “Eu tenho amigos que se suicidaram. Para mim, a responsabilidade é da Europa e das cooperativas. Por isso, estamos a morrer. Já propusemos soluções, mas eles recusam, porque acham que as explorações têm de se agrupar. Isso não é justo. Eu e os meus pais levámos dez anos a encontrar o nosso sistema, que funciona. Tivemos vários problemas sanitários para resolver. Custou-nos muito dinheiro. Hoje que tudo está estável, temos de vender. Não, lamento! Não estou de acordo. Vou continuar a reivindicar.”

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