Brando Benifei, especialista da Lei da IA do Parlamento Europeu, disse à Euronews que os planos da Hungria para utilizar o reconhecimento facial, baseado em IA, para multar os participantes no evento LGBTQIA+ violam as regras da UE.
Os sistemas de reconhecimento facial digital que a Hungria propõe utilizar para localizar e identificar os participantes na marcha do Orgulho Gay de Budapeste violam a lei europeia sobre a IA e as regras de proteção de dados, segundo um eurodeputado italiano, responsável pelo controlo da lei sobre a Inteligência Artificial.
Na passada terça-feira, o parlamento húngaro decidiu proibir a marcha - que se realiza habitualmente em junho - através de uma alteração às regras que afetam a realização de reuniões públicas no exterior e ameaçou os infratores com multas de 200 000 Forintes (500 euros), reservando-se o direito de utilizar ferramentas de reconhecimento facial digital para identificar os participantes.
De acordo com o eurodeputado Brando Benifei (Itália/Socialistas e Democratas), copresidente do grupo de monitorização da IA do Parlamento Europeu, que está encarregado de supervisionar a implementação da Lei da IA, esta seria uma clara violação da nova Lei da IA da UE.
"O que foi anunciado por Orbán é ilegal: a Lei da IA proíbe a utilização de câmaras biométricas para identificar manifestantes. Não se pode vigiar pessoas que protestam pacificamente, a menos que estejam ligadas a crimes graves, como homicídio ou terrorismo", disse Benifei à Euronews.
Primeiro grande teste para a lei histórica, diz Benifei
Benifei, que também conduziu a Lei da IA no Parlamento como relator, acrescentou que as empresas só podem vender sistemas de reconhecimento facial na Europa sujeitos a estas disposições, caso contrário arriscam-se a perder a licença para o fazer. O eurodeputado instou a Comissão Europeia a analisar a questão.
"Ainda estamos a recolher dados e estamos na fase inicial de implementação da Lei da IA. Mas a Hungria vai ser o primeiro grande teste para nós e a Comissão deve ser muito clara nesta matéria", acrescentou.
Tamás Lattmann, especialista em direito da UE na Hungria, concordou que o regulamento húngaro viola a Lei da IA numa publicação nas redes sociais que especifica os crimes que justificam a utilização de ferramentas de IA. "Em todos os outros casos, a sua utilização é proibida", afirmou Lattmann.
Benifei acrescentou que, independentemente da aplicação da Lei da IA, considera que a utilização da tecnologia de reconhecimento facial no contexto da marcha constituiria também uma violação clara do Regulamento Geral de Proteção de Dados da UE.
Distinção entre análise facial em tempo real e após o evento
Um porta-voz da Comissão Europeia disse à Euronews que a avaliação da legalidade da lei da IA depende do facto de a polícia húngara utilizar o software de reconhecimento facial em tempo real ou após o evento, para o chamado pós-processamento.*
A utilização da identificação biométrica em tempo real dos manifestantes é proibida por lei, exceto em caso de ameaça terrorista iminente, procura de pessoas desaparecidas ou investigação de crimes graves com aprovação judicial prévia, afirmou.
"A identificação biométrica à distância, incluindo o reconhecimento facial em espaços públicos, é uma aplicação de alto risco, que exige transparência, responsabilidade e avaliações de impacto sobre os direitos fundamentais", disse o porta-voz, referindo-se às regras que afetam a identificação pós-evento, que entram em vigor em agosto, após a marcha programada.
A Euronews pediu ao governo húngaro que comentasse a sua proposta de utilização da tecnologia.
Na Hungria, o Centro Nacional de Perícia e Investigação tem o direito de analisar dados faciais. Desde 2015, esta organização recolhe dados biométricos dos cidadãos a partir dos bilhetes de identidade e das cartas de condução. A pedido da polícia, um algoritmo procura correspondências na base de dados. Os meios de comunicação social húngaros sugeriram que as alterações às regras de reunião pública podem abrir a porta à utilização do reconhecimento facial para controlar questões como as infrações de trânsito e o lixo. No entanto, os especialistas também questionaram se a administração tem os recursos técnicos necessários para vigiar a marcha do orgulho.
A Lei da IA da UE - que regula as ferramentas de IA de acordo com o risco que representam para a sociedade - entrou em vigor em agosto passado. As suas disposições começaram a ser aplicadas gradualmente: a lei entrará plenamente em vigor em 2027. Cada Estado-membro do bloco terá de criar um regulador nacional para monitorizar a conformidade das empresas com a Lei da IA até agosto deste ano. Estas entidades irão colaborar com o Gabinete de IA da Comissão Europeia, que apoia as autoridades nacionais.