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Cinquentenário do 25 de Novembro reacende debate sobre memória política da Revolução

A efeméride será também assinalada com uma parada militar na Praça do Comércio, em Lisboa
A efeméride será também assinalada com uma parada militar na Praça do Comércio, em Lisboa Direitos de autor  Ana Brigida/Copyright 2024 The AP. All rights reserved
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De Joana Mourão Carvalho
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Cinquenta anos após o 25 de Novembro de 1975, a data que travou a deriva radical do PREC e abriu caminho à estabilização democrática continua a gerar controvérsia, com interpretações opostas, disputas políticas e críticas às comemorações oficiais promovidas pelo Governo.

O 25 de Novembro foi sempre uma data controversa. Desde 1975, o significado da data dependeu das diferentes posições dos protagonistas. O cinquentenário, que se assinala este ano, é mais um exemplo disso.

Um ano após o 25 de Abril de 1974, a sociedade portuguesa encontrava-se bastante dividida, existindo uma oposição clara entre aqueles que pretendiam prosseguir a revolução com o Movimento das Forças Armadas (MFA) e os que entendiam que o caminho se deveria fazer com os partidos políticos sufragados em eleições.

Nos meses seguintes, o país assistiria a uma série de episódios de violência perpetrados por grupos mais ou menos organizados da extrema-esquerda e da extrema-direita, e a ameaça de uma guerra civil era real.

A 12 de novembro, uma manifestação das forças de esquerda impede os deputados de saírem do parlamento durante dois dias, e na semana seguinte o governo entra em greve por falta de condições para exercer o seu mandato.

A 25 de novembro, toda esta tensão chega ao limite, com setores da esquerda radical a tentarem um golpe de Estado, que acabou por ser frustrado pelos militares que se encontravam com o Grupo dos Nove, apoiados por um plano militar liderado por Ramalho Eanes.

A vitória da ala dos moderados, que intervieram para travar a tentativa de golpe, levaria ao fim do chamado Período Revolucionário em Curso (PREC) e a um processo de estabilização da democracia representativa em Portugal.

Este ano, as comemorações serão equiparadas às do 25 de Abril, com uma sessão solene dedicada ao 25 de Novembro na Assembleia da República e uma parada militar na Praça do Comércio, em Lisboa, tal como aconteceu nas comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos, em 2024.

Depois de, no ano passado, ter havido, pela primeira vez, uma sessão solene dedicada ao 25 de Novembro na Assembleia da República, este ano o Governo quis ir mais além e, em agosto, após um Conselho de Ministros, anunciou a criação de uma comissão para organizar as comemorações dos 50 anos do 25 de Novembro.

Segundo o ministro da Defesa e líder do CDS-PP, Nuno Melo, estas comemorações permitem que o Estado cumpra "a sua obrigação em relação a uma data fundamental para a consolidação da democracia e da liberdade".

"O 25 de Novembro devolveu ao 25 de Abril o seu propósito original. O 25 de Abril permitiu a mudança do regime com intenção de entrega do poder ao povo, e o 25 de Novembro pôs cobro à deriva totalitária e confirmou o regime democrático", referiu Nuno Melo em agosto, quando anunciou a criação da comissão relativa ao 25 de Novembro.

A sessão solene só terá uma diferença relativamente à realizada em 2024 para assinalar os 50 anos do 25 de Abril: em vez de cravos vermelhos, o hemiciclo será decorado com rosas brancas. De resto, desde o número de arranjos florais até aos pendões e bandeiras na fachada, passando pelo valor orçamental e pela configuração do hemiciclo, tudo será semelhante.

A equiparação na comemoração das duas datas — com exceção do facto de o 25 de Novembro ainda não ter sido consagrado como feriado nacional — foi criticada unanimemente pela esquerda, que acusou a direita de pretender reescrever a História e de menorizar a Revolução dos Cravos, defendendo que as duas datas são incomparáveis.

Todos os partidos de esquerda, com exceção do PS, indicaram que não vão marcar presença na parada militar na Praça do Comércio. O PCP recusa-se também a participar na sessão solene na Assembleia da República, à semelhança do que aconteceu no ano passado.

O PS, apesar de participar na parada militar, anunciou que vai organizar o seu próprio programa para comemorar a efeméride e recusou-se a integrar a comissão criada pelo Governo, considerando que oculta "o papel central" de Mário Soares e tem como propósito "criar uma narrativa de confrontação e polarização".

Esta comissão, presidida pelo tenente-general Alípio Tomé Pinto, foi apenas integrada por partidos de direita (PSD, Chega e IL), um dos motivos que levou um dos protagonistas do 25 de Novembro, o coronel Vasco Lourenço, a considerá-la "uma palhaçada".

Qual a importância da data na história do processo revolucionário?

Para os historiadores contactados pela Euronews, não parece haver dúvidas de que o 25 de Novembro de 1975 tem o seu lugar na história da revolução.

José Miguel Sardica, historiador e professor catedrático da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, enquadra o 25 de Novembro como um momento de viragem "depois de vários meses de vertigem revolucionária, que fizeram guinar o processo revolucionário para a esquerda".

"Há um braço de ferro em escalada, tanto no campo civil como no campo militar, entre moderados e radicais, que culmina exatamente naqueles meses mais quentes, em que a extrema esquerda militar começa a perder o controle, ou seja, começa a ser suplantada pelos chamados moderados, e quando o PCP e também aquela base Gonçalvista-Otelista, percebendo que estão a perder o controle sobre a revolução, montam uma série de episódios de clara radicalização em escalada, nomeadamente o cerco à Assembleia Constituinte, em novembro, que é uma clara tentativa de condicionar aquilo que viria a ser a Constituição em 1976", começa por referir, em declarações à Euronews.

Para o especialista em história contemporânea de Portugal, a 25 de novembro de 1975, conseguiu-se "uma solução que, ao mesmo tempo que corrige o excesso revolucionário, recentra o processo revolucionário numa opção democrática, multipartidária, pro-europeia, que é, ao fim e ao cabo, aquela que a Constituição de 1976 abre a porta".

"Há uma intentona militar de cariz radical e, no dia 25, uma tomada de posição contrarrevolucionária, uma resposta moderada, entenda-se, democrática, daqueles que queriam corrigir a derrapagem revolucionária para voltar ao centro, voltar a equilibrar as coisas, e o saldo final é, de facto, o da vitória das instituições, a vitória dos moderados", descreve José Miguel Sardica.

Bruno Cardoso Reis, mestre em História Contemporânea pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, também considera o 25 de Novembro de 1975 uma data muito importante, mas não equiparável ao 25 de Abril de 1974.

"O 25 de Abril representa o fim da ditadura e a abertura de um processo que vai levar, de facto, a uma democracia plena e, portanto, desse ponto de vista, objetivamente, o 25 de Novembro não é comparável a essa data. Agora, não é apenas mais um episódio no conjunto de golpes e contragolpes que se seguem ao 25 de Abril. Se quisermos, foi o último golpe do período do chamado PREC e, desse ponto de vista, é muito importante", assinala.

Em declarações à Euronews, o historiador também sublinha que "quem vence nesse contexto são os moderados politicamente e os moderados também em termos militares, que querem apostar num processo de transição para uma democracia no modelo da Europa Ocidental, uma democracia pluralista, constitucional, com eleições em que há múltiplos partidos", acrescentando que é isso que permite que haja depois eleições em 1976.

Tentativa de instrumentalizar a História?

Apesar da importância da data, José Miguel Sardica reconhece que as comemorações do cinquentenário revelam "uma tentativa de instrumentalização da memória histórica".

"É uma tentativa de reescrita da história, atribuindo ao 25 de Novembro uma centralidade, como se fosse a data fundadora do nosso atual regime. E, ao mesmo tempo, como que menorizando a data fundadora, que é o 25 de abril de 1974", acredita, à semelhança das críticas feitas pelos partidos de esquerda.

Nessa lógica, vê-se aqui dois fatores importantes. Por um lado, "há um PS que hoje está um bocadinho amnésico, ou seja, parece não querer celebrar o 25 de Novembro para não ofender os seus aliados políticos desde há 10 anos", diz o historiador, aludindo ao período da geringonça, o acordo político informal que sustentou a governação socialista com o apoio parlamentar do Bloco de Esquerda e do PCP.

Por outro lado, o surgimento de uma "direita mais radicalizada e ruidosa" personalizada no partido Chega. "O Chega não é muito claro se é um saudosista do Estado Novo, ou se, não sendo saudosista, tem de facto uma visão ou um interesse em repensar a história, reescrever a história, apagando 1974 e dizendo que a democracia só começou em novembro de 1975", sugere o historiador, apontando que é daí que aparece a ideia de que abril é de esquerda e novembro é da direita.

"Temos que olhar para a revolução como um processo com muitas datas, e o 25 de Novembro é absolutamente incompreensível sem o 25 de Abril de 1974. É uma data que corrige o rumo revolucionário e, se não tivesse acontecido, poderíamos ter de facto chegado a um confronto político muito mais sério, a uma guerra civil. Mas o 25 de Novembro não é mais do que a consequência de tudo o que está antes. Portanto, nós não podemos começar a história do regime democrático no dia 25 de novembro de 1975 porque isso é amputar a história".

Simetricamente, também defende que "não podemos, como alguma esquerda faz, dizer que novembro foi um contragolpe reacionário e que novembro é fascista, não é nada disso. Novembro é uma contrarresposta democrática moderada. Portanto, novembro não tem culpa de estar agora a ser instrumentalizado por uma direita radicalizada, que é o Chega, mas é o CDS também".

O docente da Universidade Católica Portuguesa também considera que a intenção da AD em comemorar a efeméride é também "tentar esvaziar um bocadinho a retórica do Chega, ir às causas e às bandeiras do Chega, e não deixar que a data tenha uma conotação claramente antiliberal, antidemocrática, revanchista".

Bruno Cardoso Reis também é da opinião de que há aproveitamentos políticos, até porque estas comemorações nunca são absolutamente consensuais.

"O 25 de Abril não é consensual, ainda há nostálgicos no Estado Novo, o 5 de Outubro não é consensual, ainda há monárquicos em Portugal. No 1º de Dezembro, também há pessoas que acham que se calhar tínhamos feito melhor em continuar unidos à Espanha. Portanto, a ideia de que tem de haver um consenso absoluto para haver algum tipo de comemoração — isso também é um disparate", atira o historiador.

O professor auxiliar do ISCTE-IUL vê ainda algo de paradoxal no facto de alguns dos principais protagonistas do 25 de Novembro não estarem contentes com esta comemoração.

"O principal elemento civil desta coligação que venceu no 25 de Novembro, que é o Partido Socialista, que dá a legitimidade da rua e eleitoral aos moderados, não está satisfeito com estas comemorações. Portanto, há realmente aqui bastantes paradoxos em torno destas comemorações."

Bruno Cardoso Reis evidencia mesmo que os alinhamentos políticos atuais têm pouco a ver com aquilo que foi a realidade da época: "Há a reconstrução da memória, não só pelos protagonistas da época, que ainda estão vivos, mas também pelos protagonistas políticos atuais, que, em certos casos, constroem aqui uma memória política que tem pouco a ver com os factos históricos, mas isso também faz parte, haver memórias plurais e contestadas é normal na democracia pluralista".

Deve ou não ser comemorado o 25 de Novembro?

Em relação às comemorações, José Miguel Sardica não vê problema em haver duas cerimónias, uma em abril e outra em novembro.

"Não me choca que o figurino possa ser o de uma sessão solene, com convidados, intervenções, bandeiras hasteadas e flores, independentemente de elas serem vermelhas ou brancas. Isso é uma questão estética. Faz sentido e é útil evocar as duas datas, porque comemorar implica uma unanimidade que já vimos que não existe e temos que aceitar que, historicamente, não existe, pois a Revolução foi divisiva", frisa.

No entanto, o professor da Universidade Católica Portuguesa rejeita a ideia de que o dia 25 de novembro seja consagrado como feriado nacional.

"Isso é colocar novembro ao mesmo nível de importância histórica que tem a data fundadora. As duas datas não estão ao mesmo nível; não são equivalentes, mas são complementares. E sendo complementares, ao fim e ao cabo, talvez faça sentido existirem duas cerimónias, uma que evoca a abertura e outra que evoca o fecho, mas o feriado só pode ser um", defende.

Já Bruno Cardoso Reis lembra que este ano se assinalam os 50 anos desta data e que, por essa razão, não pode ser comemorada da mesma forma que nos anos anteriores.

"Não há, todos os anos, este tipo de comemoração. Que não houvesse nenhuma comemoração oficial também me parece questionável. Aparentemente, há quem defenda isso. Não me parece que isso faça sentido, pelo menos para quem acredita que era bom termos uma democracia pluralista, em que toda a gente pode ter as suas opiniões, até inclusive críticas sobre o 25 de Novembro", critica.

Contudo, reconhece que há uma diferença clara no estatuto e no reconhecimento que é dado à data do 25 de Abril e ao 25 de Novembro, nomeadamente pelo facto de esta última não se tratar de um feriado nacional.

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