D'Alema: Merkel representa "Europa egoísta"

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Massimo D’Alema Presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressistas

Muitos consideram-no como a eminência parda da esquerda italiana. Antigo chefe de Governo e ministro dos Negócios Estrangeiros, Massimo D’Alema é deputado e presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressistas, um centro de reflexão da esquerda europeia. Em entrevista à Euronews manifestou-se sobre as mudanças em curso numa Itália governada desde novembro pelo tecnocrata Mario Monti e sobre a situação na zona euro.

Audrey Tilve, Euronews: Itália fez tremer a zona euro no final de 2011. Desde essa altura, ensaia a recuperação a troco de pesados sacrifícios. Plano de austeridade, aumento de impostos, reforma no sistema de pensões e agora a reforma laboral, com incentivos à contratação, mas ao mesmo tempo facilitando os despedimentos. Massimo D’Alema, como homem da esquerda, considera que são boas respostas?

Massimo D’Alema, Presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressistas: “Devo dizer que Itália deu um passo atrás muito importante, por outras palavras terminou o Governo de Silvio Berlusconi. Foi uma notícia muito boa para o país, mas também para a zona euro, porque a responsabilidade não foi de Itália, mas antes do Governo de Berlusconi.”

Audrey Tilve, Euronews: Em relação à reforma laboral, ao introduzir mais flexibilidade sem reforçar a rede de segurança de um país onde não há salário mínimo, onde os subsídios de desemprego são limitados e onde a proteção social funciona mal, não haverá um risco?

Massimo D’Alema, Presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressistas: “O problema foi a divisão dramática no mercado de trabalho entre os trabalhadores mais protegidos e os jovens precários, absolutamente precários, sem qualquer direito, sem proteção. A reforma tem duas perspetivas. Por um lado, o trabalho mais flexível para os trabalhadores que estavam protegidos, mas por outro lado muito mais proteção para os jovens e precários. O problema dramático da divisão no mercado de trabalho, do meu ponto de vista, não posso dizer que esteja ultrapassado, mas com a reforma é possível dar um passo em frente.”

Audrey Tilve, Euronews: Globalmente Itália tem sido menos atacada nos mercados, mas recentemente as taxas de juro dispararam em alta. O país está endividado, 120% do PIB, e em recessão. Apesar de tudo isto, acredita que Itália está a salvo?

Massimo D’ Alema, Presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressistas: “Não. Penso que é preciso lembrar que temos um problema europeu. Não é apenas italiano e isso tem-se refletido nos últimos dias nos mercados europeus.”

Audrey Tilve, Euronews: Mas Itália faz parte dos elos fracos.

Massimo D’ Alema, Presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressistas: “Justamente. Itália é uma parte do problema. mas é preciso sublinhar duas coisas. Primeiro, Itália é um país rico e a riqueza dos italianos é bem mais elevada do que a dívida. O que quer dizer que temos recursos no país. Depois, no passado mostramos, com os Governos de Prodi, de Ciampi, com o centro-esquerda, que é possível reduzir a dívida pública. Reduzimos a dívida em cinco pontos abaixo dos Governos de direita, sem mexer nos direitos sociais fundamentais. Depois, é preciso preparar um Governo de centro-esquerda.”

Audrey Tilve, Euronews: No próximo ano, precisamente, haverá eleições no país, tal como acontecerá na Alemanha. Dentro em breve em França. Acredita numa viragem nestes países?

Massimo D’ Alema, Presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressistas: “Claro. Sei que os mercados não gostam muito de eleições. Porque, por vezes, parece mesmo que a democracia é um fardo insustentável para os mercados financeiros, mas julgo que não é aos mercados que cabe decidir o destino das pessoas. Penso que é preciso mudar e julgo que podemos fazê-lo porque os três grandes países europeus, a França, Itália e Alemanha representam 200 milhões de cidadãos europeus sobre 330 na zona euro. Três países, mas pesados.”

Audrey Tilve, Euronews: Isso bastará para fazer contrapeso numa Europa que continuaria a ser dominada pela direita?

Massimo D’ Alema, Presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressistas: “Não é verdade, porque para mim as coisas estão prestes a mudar. Na Eslováquia, um país pequeno, a esquerda ganhou. Na Eslovénia, cenário idêntico. Quer dizer que a Europa foi dominada pela direita. Agora vemos o resultado.
Precisamos de uma estratégia europeia para o crescimento. Por outras palavras, investimentos europeus, euro obrigações.”

Audrey Tilve, Euronews: Quer dizer?

Massimo D’ Alema, Presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressistas: “Precisamos de uma garantia europeia sobre a dívida. O que não quer dizer que cada país deva pagar esta dívida, mas a força europeia pode fazer baixar as taxas de juro e libertar recursos para o crescimento em vez de dar dinheiro à especulação financeira.”

Audrey Tilve, Euronews: É algo que não se poderá concretizar enquanto Angela Merkel estiver no poder.

Massimo D’ Alema, Presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressistas: “Sim. Penso que Angela Merkel desempenhou um papel bastante negativo para a Europa. Devo dizê-lo sinceramente. Representa um pouco uma Europa egoísta em tempo de crise.”

Audrey Tilve, Euronews: Há um ano 63 pessoas que fugiam da Líbia morreram à fome e à sede num barco à deriva porque ninguém as socorreu. Itália sabia e não fez nada. É pelo menos o que diz um relatório do Conselho da Europa que coloca também em causa a NATO. Como é possível deixar pessoas a morrer no mar, por não querer recebe-las em terra?

Massimo D’ Alema, Presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressistas: “Penso, mas já o disse na altura, que a política de imigração do Governo de Silvio Berlusconi representou verdadeiramente uma página negra da nossa história. E também o acordo entre Itália e o regime de Muammar Kadhafi do reenvio de clandestinos. Mas o problema é que antes de os reenviar, é preciso controlar se há refugiados que tem o direito de ser acolhidos.”

Audrey Tilve, Euronews: De maneira geral, haverá uma dissonância cada vez mais flagrante entre o discurso da Europa, os valores europeus, e a forma como o velho continente trata os migrantes, os que pedem asilo. A Itália está na linha da frente. Há ou não uma contradição?

Massimo D’ Alema, Presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressistas: “Estou de acordo. E nós precisamos de imigrantes, porque se queremos manter um equilíbrio entre os jovens e as pessoas que estão em idade de reforma, precisamos de imigrantes nos próximos anos. A própria Comissão Europeia disse-nos que nos próximos 15 anos precisaremos de cerca de 30 milhões de imigrantes. Penso que seria melhor haver uma política europeia de imigração, que não temos. Falou de Itália, mas posso dizer que a responsabilidade é de Malta. Não acolheram quem quer que fosse. Quando há um barco, a única coisa que fazem é indicar a rota rumo a Itália.”

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