Portugal: Cavaco Silva indigita Passos para primeiro-ministro e pressiona Costa

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Dezoito dias depois das legislativas ganhas pela coligação Portugal à Frente, Presidente reconduziu líder do PSD à liderança criticou os "interesses conjuturais" da esquerda

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O Presidente da República, Cavaco Silva, indigitou esta quinta-feira Pedro Passos Coelho para se manter como primeiro-ministro de Portugal. Após ganhar as eleições de 4 de outubro, o líder do Partido Social-Democrata (PSD) e da coligação de direita Portugal à Frente (PàF) terá agora de formar governo perante uma aliança da esquerda, liderada pelo Partido Socialista (PS), com um alegado acordo para formar um executivo de maioria absoluta.

O PS, o Bloco de Esquerda (BE) e a CDU representam 50,85 por cento dos votos, mas o Presidente, segundo o artigo 187.º da Constituição, tem total liberdade de decisão. No discurso de indigitação, proferido desde Belém, Cavaco Silva criticou a postura da esquerda e pressionou António Costa a viabilizar o projeto da PàF.

Portugal: Pedro Passos Coelho reconduit au poste de Premier ministre https://t.co/BGHn9wTS72#AFP

— Agence France-Presse (@afpfr) 22 outubro 2015

“Lamento profundamente que, num tempo em que importa consolidar a trajetória de crescimento e criação de emprego e em que o diálogo e o compromisso são mais necessários do que nunca que interesses conjunturais se tenham sobreposto à salvaguarda do superior interesse nacional”, afirmou o chefe de Estado.

Neste contexto, acrescentou, depois de ouvir os sete partidos com assento parlamentar e tendo presente que nos 40 anos de democracia portuguesa a responsabilidade de formar Governo foi sempre atribuída a quem ganhou as eleições: “Indigitei hoje (quinta-feira, 22 de outubro), como primeiro-ministro, o doutor Pedro Passos Coelho, líder do maior partido da coligação que venceu as eleições do passado dia 04 de outubro”, anunciou.

“Tive presente que nos 40 anos de democracia portuguesa a responsabilidade de formar Governo foi sempre atribuída a quem ganhou as eleições. Assim ocorreu em todos os atos eleitorais em que a força política vencedora não obteve a maioria dos deputados à Assembleia da República, como aconteceu nas eleições legislativas de 2009, em que o Partido Socialista foi o partido mais votado, elegendo apenas 97 deputados, não tendo as demais forças políticas inviabilizado a sua entrada em funções”, lembrou.

Num discurso de 10 minutos, o Presidente da República falou quer das negociações ocorridas entre a coligação PSD/CDS-PP e o PS, quer das conversações entre o PS com os partidos mais à esquerda (PCP e BE), lembrando que na comunicação ao país que proferiu há cerca de duas semanas afirmou que o país necessita de “uma solução governativa que assegure a estabilidade política”.

Entre as “balizas” que colocou na altura ao futuro Governo, Cavaco Silva apontou a necessidade da solução governativa ter de respeitar os compromissos históricos assumidos pelo Estado e as grande opções estratégicas adotadas desde a instauração da democracia. Contudo, numa referência às conversações entre a coligação PSD/CDS-PP e o PS, o Presidente lamentou esta quinta-feira: “os contactos efetuados entre os partidos políticos que apoiam e se reveem no projeto da União Europeia e da Zona Euro não produziram os resultados necessários para alcançar uma solução governativa estável e duradoura.”

“Esta situação é tanto mais singular quanto as orientações políticas e os programas eleitorais desses partidos não se mostram incompatíveis, sendo, pelo contrário, praticamente convergentes quanto aos objetivos estratégicos de Portugal. Daí o meu repetido apelo a um entendimento alargado em torno das grandes linhas orientadoras de política nacional”, argumentou.

Vincando a ideia que PSD, CDS-PP e PS são “forças partidárias europeístas”, o Presidente da República considerou “tanto mais incompreensível” que não tenham chegado a um entendimento quando, num passado recente aprovaram o Tratado de Lisboa, o Tratado Orçamental e o Mecanismo Europeu de Estabilidade, “enquanto os demais partidos votaram sempre contra.”

“A nomeação do primeiro-ministro pelo Presidente da República não encerra o processo de formação do Governo. A última palavra cabe à Assembleia da República ou, mais precisamente, aos deputados à Assembleia da República. A rejeição do Programa do Governo, por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, implica a sua demissão”, afirmou o chefe de Estado.

[ Leia aqui, na íntegra, a comunicação de Cavaco Silva, Presidente da República portuguesa ]

João Soares antevê “queda” de Passos Coelho

O deputado socialista João Soares lamentou que o Presidente da República tenha indigitado o líder do PSD como primeiro-ministro, numa decisão que faz o país “perder tempo” porque “inevitavelmente” Passos Coelho vai ser derrubado no parlamento. “Penso muito sinceramente que esta decisão do Presidente da República faz o país perder tempo porque inevitavelmente aquele que foi indigitado como futuro primeiro-ministro vai cair nesta Assembleia da República, não tenho sobre isso qualquer espécie de dúvidas”, afirmou João Soares aos jornalistas no parlamento.

De acordo com João Soares, “vai ser preciso chamar alguém que esteja em condições de assegurar um Governo estável e duradouro em termos de apoio parlamentar, e isso só pode ser feito pelo PS, pelo BE e pelo PCP”.

João Soares – A esquerda tem toda a legitimidade para formar governo https://t.co/9xraVceR9wpic.twitter.com/FpBBNP4TS0

— Partido Socialista (@psocialista) 22 outubro 2015

João Soares recusou ainda que haja divisões no seio dos socialistas sobre o acordo que tem vindo a ser negociado com BE e PCP para uma alternativa a um governo PSD/CDS-PP, partidos que, no quadro da coligação Portugal à Frente, venceram as eleições legislativas de 4 de outubro, sem maioria absoluta no parlamento. “O grupo parlamentar do PS e o PS estão unidos no apoio a uma solução histórica no nosso país, que, pela primeira vez, pode acabar com aquilo que era um conceito abstruso do ponto de vista democrático, o conceito do arco governativo”, disse.

Questionado sobre a possibilidade de haver deputados socialistas que votem contra no parlamento decisões necessárias à formação de um eventual governo PS apoiado por BE e PCP, como moções de rejeição a um executivo PSD/CDS-PP, João Soares respondeu: “Não me parece possível e acabei de estar mais de uma hora numa reunião do grupo parlamentar do PS”.

“A única solução estável e duradoura, como os portugueses já compreenderam ao longo deste processo complicado de negociações entre as lideranças partidárias, é aquela que resultará do entendimento entre o PS, o BE e o PCP”, declarou o filho de Mário Soares, acrescentando que “António Costa disse, como aliás têm dito quer a líder coordenadora do BE, quer o líder do PCP, que não há condições para um governo de direita”. “Por isso é que é particularmente estranho e de lamentar que o senhor Presidente da República tenha indigitado alguém que sabe que não tem condições para assegurar um governo estável e duradouro”, insistiu.

BE critica “costela de direita” do Presidente

O líder parlamentar do BE acusou o Presidente da República de tentar salvar as vidas políticas de Passos Coelho e Paulo Portas ao indigitar o líder do PSD para voltar a formar Governo, devido à sua “costela de direita”. “O país precisava de um Presidente responsável que não fizesse o país perder tempo e não se comportasse como se estivesse dependente da sua costela de direita, particularmente de apoio a PSD/CDS”, afirmou Pedro Filipe Soares, no parlamento.

“Presidente está a tentar condicionar as decisões dos deputados” https://t.co/sXFwMdmWUD

— Catarina Martins (@catarina_mart) 22 outubro 2015

Segundo o deputado bloquista, “PSD e CDS perderam a maioria, perderam a legitimidade para continuarem a governar e só o Presidente é que os quer salvar, nesta situação”. “Da nossa parte, rejeitaremos este Governo e ele, no que de nós depender, não terá viabilidade em termos de programa”, reafirmou, referindo-se à moção de rejeição já prometida na noite eleitoral, embora reconhecendo que a decisão de Cavaco Silva tem “legitimidade formal e constitucional, mas “ignora completamente as audições junto dos partidos políticos.”

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Pedro Filipe Soares recusou revelar o curso das negociações com PS, PCP e PEV, com vista a uma alternativa de Governo, e se um eventual entendimento passa por um acordo de incidência parlamentar porque as conversações “fazem-se à mesa”.

PCP fala em “desprezo absoluto” pelos portugueses

O líder parlamentar do PCP afirmou que a decisão do Presidente da República de voltar a indigitar Passos Coelho como primeiro-ministro “traduz uma postura de confronto e desrespeito pela Constituição da República Portuguesa”. “Esta decisão é inaceitável, revela absoluto desprezo pela vontade expressa pelo povo português nas eleições de 04 de outubro e total ausência de imparcialidade”, declarou João Oliveira, nos Passos Perdidos do parlamento. Segundo o deputado comunista, Cavaco Silva colocou-se “totalmente ao serviço do PSD e do CDS, cuja ação governativa os portugueses quiseram ver interrompida”. “O Presidente é inteiramente responsável e terá de assumir todas as consequências pela instabilidade que cria e resultará desta decisão”, acrescentou, relativamente à hipótese de um eventual executivo em gestão acaso o novo Governo venha a ser “chumbado” na Assembleia da República.

João Oliveira reiterou a intenção do seu grupo parlamentar de apresentar uma moção de rejeição do programa do futuro Governo PSD/CDS-PP.

CDS-PP diz que “optar por quem perdeu é que seria estranho”

O vice-presidente do CDS-PP considerou hoje que “indigitar quem venceu é um ato normal em democracia e optar por quem perdeu é que seria estranho”, realçando que a responsabilidade é agora dos deputados. Na reação ao discurso do Presidente da República, Nuno Melo considerou que este foi um dos discursos mais “importantes, claros e corajosos” de todos os mandatos de Cavaco Silva.

Segundo o centrista – que recordou que Cavaco Silva fez aquilo que todos os Presidentes da República fizeram nos últimos 40 anos – a decisão e a responsabilidade cabe agora aos deputados, sendo de esperar que os parlamentares façam o que tenha que ser feito, escusando-se a antecipar cenários.

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Texto: Francisco Marques e Michel Santoscom Lusa

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