Irão: ventos de mudança abrandam mas não param

Contestação no Irão ganhou fôlego em setembro de 2022
Contestação no Irão ganhou fôlego em setembro de 2022 Direitos de autor AFP PHOTO / UGC IMAGE
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De  Ilaria Federico
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Contestação do regime no Irão teve de adaptar-se face à repressão contínua

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Nove meses depois da morte de Masha Amini, a revolta no Irão não tem o mesmo impacto internacional. Perseguidos pelas autoridades de Teerão, os contestatários do regime tiveram de se adaptar, mas a semente da mudança está plantada.

"A raiva ainda está lá", mas mudou de forma e "manifesta-se mais esporadicamente, já não é acompanhada de manifestações na rua", explica Farhad Khosrokhavar, sociólogo e director da Escola Superior de Ciências Sociais de Paris (EHESS).

"Estamos agora numa guerra de desgaste", observa. Perante a repressão brutal do regime iraniano, a resistência foi obrigada a adaptar-se. "Os protestos de rua foram gradualmente abafados. Mas a dimensão feminista do movimento continua. As mulheres recusam-se a usar o véu na rua", prossegue o investigador franco-iraniano sublinhando que "o poder tem tido dificuldade em dominar" estes protestos.

A revolução na sociedade iraniana está a entrar numa nova fase. Para lutar, o regime recorreu a outra forma de repressão: o encerramento de bancos e lojas que atendiam mulheres sem véu e a instalação de câmaras de vigilância. "Mas todas estas medidas se revelaram ineficazes", afirma. A repressão não conseguiu "repor a situação que existia antes da morte da jovem curda", acrescenta Mahmood Amiry-Moghaddam, director do braço iraniano da organização não governamental Human Rights Watch.

A revolta iraniana na comunidade internacional

"Nos últimos meses, os dirigentes dos países da UE, mas também dos Estados Unidos, sancionaram os responsáveis pelos crimes cometidos, as violações dos direitos humanos cometidas no Irão. São comandantes da Guarda Revolucionária Islâmica, comandantes da polícia, oficiais regionais", explica Cornelius Adebahr, especialista em assuntos do Irão na Carnegie Europe. "Os bens na União Europeia foram congelados e estão proibidos de entrar na União Europeia", lembra.

Mas, para alguns, as medidas adoptadas pela comunidade internacional continuam a ser insuficientes. "Estas sanções são muito tímidas e a principal razão talvez seja o facto de, de momento, ainda não existir uma alternativa aceite pela maioria dos manifestantes", comenta Azadeh Kian, socióloga franco-iraniana da Universidade de Paris.

"A guerra na Ucrânia mobilizou totalmente os Estados ocidentais contra a Rússia e, por isso, o Irão tornou-se uma espécie de questão secundária", acrescenta Farhad Khosrokhavar.

Será possível uma mudança de regime no Irão?

A contestação mantém-se e para quem acompanha a situação no terreno, é apenas uma questão de tempo até novos protestos voltarem a ganhar dimensão nacional e impacto no exterior.

"Não se pode esperar que o regime seja derrubado de um dia para o outro", diz Azadeh Kian, que também escreveu o livro Women and Power in Islam. "Formaram-se muitos grupos políticos de oposição. Precisam de tempo para tentar ouvir as posições uns dos outros e talvez avançar para uma coligação que acabe por derrubar o regime", continua.

"O movimento falhou na sua dimensão política, ou seja, o derrube do regime islâmico, mas na sua dimensão cultural, na minha opinião, foi bem sucedido. Revelou, de certa forma, a grande crise de legitimidade deste poder", analisa Farhad Khosrokhavar.

O vento de revolta da juventude iraniana soprou para lá das fronteiras. "Milhões de pessoas mobilizaram-se no Canadá, nos Estados Unidos e na Europa", diz o sociólogo iraniano. A formação de uma oposição na diáspora iraniana é uma força motriz para uma eventual mudança de regime. "Dá-lhes uma legitimidade que pode convencer a geração dos pais e dos avós a aderir ao movimento", continua Khosrokhavar.

Se a revolução não derrubar o regime, o seu impacto político poderá ser importante a longo prazo. "Este movimento lançou as bases para uma futura participação da maior parte da sociedade civil iraniana", afirma o especialista.

"Isto ainda não acabou", conclui o investigador Cornelius Adebahr. E outras revoltas poderão ocorrer "logo que surja uma oportunidade", garante Mahmood Amiry-Moghaddam, director da ONG Iran Human Rights. "A contagem decrescente começou no dia em que mataram Mahsa". Para este ativista, está a ser preparada uma nova revolução, "é apenas uma questão de tempo".

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