Enquanto for financeiramente vantajoso vir para a Alemanha, os especialistas acreditam que os controlos nas fronteiras não resolverão o problema da imigração ilegal.
As deportações de migrantes ilegais e a rejeição sistemática nas fronteiras estão a funcionar de forma ineficaz. Apesar de a quantidade de migrantes ilegais ter diminuído 38% em 2024, em comparação com o ano anterior, o número passagens irregulares na fronteira continua alto, com cerca de 239.000.
"Muitas pessoas já nem sequer pedem asilo", afirma o jurista Daniel Thym, à Euronews, explicando que estas pessoas sabem que serão rejeitadas. "Portanto, nem vale a pena", explicou.
O ministro do Interior, Alexander Dobrindt, anunciou uma linha mais dura na política de migração e asilo para o país. Na cimeira de migração em Munique, no domingo, discutiu com seus homólogos o Sistema Europeu Comum de Asilo (GEAS).
O Bundestag discutirá o assunto na próxima quinta-feira, incluindo a criação de centros de repatriamento em países terceiros e o reforço dos controlos fronteiriços, que já foram intensificados em 2024.
Mas por que razão continua a existir imigração ilegal? A resposta é simples: a entrada ilegal continua a ser vantajosa, apesar dos reforços nos controlos.
Controlos fronteiriços ineficazes
A ausência de queixas de pessoas rejeitadas na fronteira é, para Thym, um sinal de que os controlos não são muito eficazes. "Muitos acabam por conseguir atravessar a fronteira, caso contrário, apresentariam queixas", explica.
Os controlos fronteiriços foram reforçados pela política alemã, fazendo parte das principais promessas eleitorais do governo.
"Se agora desistirem, seria visto publicamente como um sinal de fraqueza", explicou o jurista.
De acordo com o Mediendienst Integration, não há correlação entre o número de refugiados e os controlos fronteiriços, pois as rotas migratórias podem mudar rapidamente, segundo os investigadores que indicam também que as pessoas encontram formas de contornar os controlos.
Além disso, a Alemanha não pode rejeitar requerentes de asilo na fronteira.
O Tribunal Administrativo de Berlim declarou recentemente uma rejeição de pedido de asilo como ilegal. O obstáculo está no processo de Dublin, que só permite sob certas condições, como a proibição de entrada. Ao abrigo desta legislação europeia, se alguém solicitar asilo em solo alemão, a entrada deve ser permitida, existindo controlos fronteiriços ou não.
"Cálculo de permanência"
Isto significa, por outro lado, que o direito ao asilo de uma pessoa só pode ser verificado na Alemanha, depois de ela já ter cruzado a fronteira.
"A probabilidade de serem deportados não é muito alta, do ponto de vista puramente estatístico", explica Thym. "Na verdade, há um cálculo de permanência". Este conceito pode ser descrito como uma ideia de que muitos migrantes arriscam entrar em território alemão, mesmo sem garantias, acreditando que as probabilidades de serem deportados são baixas devido à morosidade e à complexidade dos processos administrativos.
O presidente da Polícia Federal, Dieter Romann, lamentou recentemente os problemas práticos na implementação das deportações. "Só no ano passado, tivemos cerca de 52 800 repatriações", explicou ao jornal Welt am Sonntag. "Dessas, Cerca de 33 600 foram canceladas antes mesmo de a pessoa nos ser entregue" acrescentou.
Em causa está o facto de que, muitas vezes, as pessoas sujeitas a deportação desapareciam ou apresentavam atestados médicos. Tudo isso levava a atrasos e, por consequência, ao vencimento dos prazos de deportação.
A obrigação de deportação passa então a ser uma tolerância. As pessoas com tolerância continuam a ser obrigadas a sair do país. No entanto, o seu regresso é suspenso por motivos legais ou práticos. Não é raro que uma tolerância se transforme numa perspetiva de permanência temporária e, posteriormente, permanente.
"Muitos especulam que, se permanecerem ilegalmente no país, mais cedo ou mais tarde obterão essa tolerância, porque a deportação não é efetivamente bem-sucedida", afirma também o especialista em direito internacional. "E continuam a receber prestações sociais ao abrigo da Lei de Benefícios para Requerentes de Asilo, apesar de serem obrigados a sair do país".
Mito da falta de mão de obra qualificada
Muitos olham para isto como algo positivo, afirmando que o sistema alemão beneficia dos muitos refugiados. Afinal, a Alemanha enfrenta um problema demográfico.
"Mas a migração laboral não deve ser confundida com a migração de refugiados - são coisas distintas" diz Thym que indica que é um mito que o sistema de asilo satisfaça sobretudo as necessidades de mão de obra qualificada. Apenas uma minoria de refugiados e trabalhadores qualificados possui formação universitária ou profissional. E apenas uma minoria consegue completá-la na Alemanha.
"Através da migração de asilo, não vamos preencher a lacuna de mão de obra qualificada", reforçou.
No entanto, ambos sofrem do mesmo problema, apenas com impactos opostos.
"No sistema de asilo, os problemas administrativos levam a que pessoas que deveriam sair permaneçam no país", explica.**
"Na migração laboral, os problemas administrativos fazem com que os trabalhadores qualificados, devido à demora nos processos e à falta de agendamentos, não consigam vir para a Alemanha", afirmou o especialista.
A ministra do Trabalho, Bärbel Bas (SPD), quer criar a chamada "Agência Work-and-Stay" com o objetivo de facilitar o acesso de trabalhadores estrangeiros ao mercado de trabalho alemão.
Centros de Repatriamento em países terceiros
Está atulmente está em discussão uma regulamentação de retorno a nível europeu.
Entre os temas debatidos mais intensamente, está a criação a criação de centros de repatriamento (chamados Return Hubs) em países terceiros. Mas há críticas, principalmente de organizações de ajuda. A PRO ASYL alerta para a violação dos direitos fundamentais e apela ao respeito pela dignidade dos afetados.
Para Daniel Thym, a situação é clara: se foi negociado em Bruxelas e os requisitos para centros de repatriamento em países terceiros estão definidos, então fazem parte do direito europeu.
Para o jurista, se os tribunais alemães determinarem que não há direito de permanência na Alemanha, então, de acordo com os tribunais, é compatível com a dignidade humana deportá-los para um centro de repatriamento num país terceiro.
A pessoa pode sempre voltar ao seu país de origem: "Porque não enviá-los para outro país?", questiona.
O argumento indireto é, segundo Thym, que as pessoas escolheram livremente a Alemanha como destino. Mas o jurista discorda: "O asilo não é um direito de escolha livre do país de destino", disse Thym à Euronews.
Thym acredita que os centros de repatriamento enviariam um forte sinal à população e teriam um efeito dissuasor contra a migração ilegal.
Problemas "domésticos" devem ser resolvidos
O ministro do Interior apoia a medida dos centros de repatriamento apesar de admitir que existem "obstáculos jurídicos".
Mas Thym afirma que a lei é apenas um aspeto e que o tempo de permanência irregular ou o número de pedidos de asilo não irão diminuir como consequência.
"Seria ilusório pensar que um único instrumento resolverá todos os problemas ao mesmo tempo", diz Thym. "A política de asilo é um processo complexo."
Para o jurista, a legislação é demasiado estrita e complicada, assim como os procedimentos relacionados com imigração. Segundo Thym, as autoridades encontram-se sobrecarregadas com o fluxo de refugiados.
Os controlos fronteiriços ou centros de repatriamento não mudam isso. Tudo se resume a uma causa principal: a burocracia alemã. Estes "problemas domésticos" devem ser resolvidos.