A versão moderna do conto de fadas clássico foi encomendada e depois cancelada pelo Ministério da Educação francês. Artistas e políticos manifestaram o seu apoio ao lançamento do livro.
Uma versão moderna do conto de fadas de 1756 "A Bela e o Monstro" ("La Belle et la Bête" ) foi publicada na quarta-feira em França, três meses depois de o Ministério da Educação francês a ter considerado inadequada para crianças.
A nova versão ilustrada, escrita pelo cartoonista Jul, chega às livrarias com uma faixa vermelha na capa a dizer: "Enfin!" ("Finalmente!").
O governo francês tinha encomendado o texto no âmbito da sua campanha anual "Um livro para as férias", através da qual 800 mil alunos recebem um exemplar de um clássico literário atualizado para lerem durante o verão.
O livro estava pronto para a sua primeira edição quando o Ministério da Educação cancelou a encomenda em março, alegando preocupações com a representação de temas como as redes sociais e o álcool.
"O livro finalizado não é adequado para leitura independente, em casa, com a família e sem a orientação de professores, para alunos com idades compreendidas entre os 10 e os 11 anos" e "podia levantar uma série de questões entre os alunos que não seriam necessariamente respondidas de forma adequada", afirmou o Ministério numa carta dirigida ao autor.
Jul denunciou a "censura" baseada em "falsos pretextos", alegando que a decisão foi tomada devido à representação de uma heroína de pele castanha e cabelo preto encaracolado.
"Com a sensibilidade e o sentido crítico de um cartoonista habituado a captar o zeitgeist, Jul dá a «A Bela e o Monstro» uma modernidade cativante, sem perder o seu espírito universal", declarou a editora GrandPalaisRmnÉditions antes do lançamento do livro.
O prefácio inicial da ministra da Educação, Élisabeth Borne, desapareceu da nova versão publicada, que se destina a leitores a partir dos 10 anos, segundo a editora.
Jul celebrou o lançamento com um vídeo online de 3 minutos, no qual celebridades lêem excertos do conto.
O vídeo, intitulado "Porque ninguém deve controlar o que lemos", apresenta atores, escritores e políticos de todo o espetro , incluindo a antiga ministra da Educação Nicole Belloubet e o antigo presidente François Hollande.
"Esta mobilização de todo o «arco republicano», com eleitos tão distantes entre si como [o deputado de esquerda] François Ruffin e [o antigo primeiro-ministro de direita] Édouard Philippe, mostra que não é possível que uma franja ultrarreacionária nos diga o que devemos ou não devemos ler", declarou Jul à AFP.
"Há um consenso unânime de que este livro merece ser amplamente lido", concluiu.
A polémica chegou mesmo à Assembleia Nacional. A deputada dos Verdes Cyrielle Chatelain pediu na segunda-feira a criação de uma comissão parlamentar de inquérito sobre "a ameaça ultrareacionária que paira sobre" as escolas francesas. A deputada utilizou o filme "A Bela e o Monstro" como caso de estudo.
O escândalo da "censura" continua a ter consequências e a "Bela e o Monstro" de Jul foi impressa em 20 mil exemplares, contra os 800 mil inicialmente necessários para a campanha do governo.
"As pessoas que o vão comprar nas livrarias são aquelas que já frequentam as livrarias", disse Jul. "Era suposto ser oferecido àqueles que não o fazem habitualmente. A promoção de um património literário comum é a missão do ministério e este falhou", defendeu.