Os novos sindicatos russos

Os novos sindicatos russos
Direitos de autor 
De  Euronews
Partilhe esta notíciaComentários
Partilhe esta notíciaClose Button

“Para Marx”, assim se chama o último filme da realizadora russa, Svetlana Baskov.

Conhecido apenas pelos amantes da cultura alternativa, a partir de agora visa um público mais vasto. Fala dos sindicatos independentes, na Rússia de hoje.

Desde a sua conclusão, no início de junho, o filme já foi selecionado pelo júri de dois festivais: “Kinotavr”, em Sochi e “Voices”, em Vologda. A crítica teceu-lhe elogios.

Um tema escaldante, da atualidade russa. A realizadora explica a sua escolha:

“Os sindicatos são, para mim, o símbolo da vontade que as pessoas têm de defender a sua dignidade. Mesmo que o verbo ‘ser’ não seja tão apropriado, como ‘querer’. Mas eles querem tanto, que estão dispostos a arriscar. É a única instituição em que podem acreditar”.

Após a dissolução da União Soviética, em 1991, os sindicatos passaram por uma década negra: êxodo em massa dos ativistas, incapazes de defender os direitos dos trabalhadores, por causa do mau funcionamento do Estado centralizado e do sistema jurídico.

Salários em atraso tornaram-se numa prática comum que causou muitos protestos em todo o país.

Agora, renasce o sindicalismo russo. O número de sindicatos independentes não pára de crescer, apareceu uma nova geração de lideres, os trabalhadores estão mais sensibilizados para a defesa dos seus interesses. E foi criado o partido político, “União do Trabalho”.

O MPRA, o Sindicato Interegional da Indústria Automóvel, é um dos mais сombativos.

Fundado em 2006, tem já quatro mil filiados, das diferentes regiões, onde estão instaladas as fábricas de automóveis.

Em Kalouga, a atividade é coordenada por Dmitry Kojnev. Ele explicou o aparecimento dos novos sindicatos:

“Na União Soviética, a reliadade era outra, não havia qualquer confrontação entre o empregador e o trabalhador. Os sindicatos eram, de facto, uma estrutura de Estado que estava envolvido no campo social: férias pagas, distribuía os lugares em creches, os apartamentos, faziam tudo, menos defender os interesses laborais. Hoje temos um capitalismo perfeitamente normal, com todas as consequências que se seguirão, incluindo a luta de classes”.

Após a sua criação, o MPRA tornou-se rapidamente conhecido, pelas greves que fizeram recuar as administrações das fábricas da Ford, Volkswagen, GM/Avtovaz, e Avtoframos/Renault, em Moscovo.

A última greve retumbante do MPRA foi no final de Março, início de Abril, na Benteler. Durante três dias, os trabalhadores bloquearam a produção, causando rutura no stock de peças, e impedindo o fornecimento à Volkswagen.

Apesar das ameaças de uso da força, a direção cedeu às negociações do Contrato Colectivo, que terminaram, agora, com um acordo.

Os ativistas do MPRA conduziram as negociações, beneficiando da lei da imunidade sindical.

Denis, operário e membro da União, não teve essa chance. Após a sua participação na greve, foi demitido com um pretexto polémico: um dia de ausência, devido a doença.

“O chefe de segurança da fábrica, perguntou-me se era membro do MPRA. Eu percebi que ele insinuava que eu devia sair e, nesse caso, seria melhor para mim. Se não o fizesse, teria problemas. Apertámos as mãos e separámo-nos. Depois, ele chamou-me, no dia seguinte, e pediu-me para assinar uma declaração de falta ao trabalho. Eu estava despedido por desrespeito ao regulamento interno, apenas pela falta de um dia, por doença”.

Denis, com o apoio de um advogado do MPRA, apresentou queixa judicial, reclamando a reintegração.

Dizem que tem 90 por cento de hipóteses de vencer a causa. E, se for esse o caso, promete envolver-se ainda mais na luta sindical.

A pressão sobre os membros do MPRA continua a aumentar. A polícia local tentou forçar um ativista a dar informações sobre os dirigentes. Uma acusação feita por Dmitry.

A nova lei do direito de reunião pode complicar ainda mais as coisas, concretamente, os direitos dos piquetes de greve.

Especialistas apelidam o MPRA e outros sindicatos de “alternativos”, por oposição aos sindicatos tradicionais, como é o caso da FNPR que sucedeu à federação sindical, da era soviética.

Em Moscovo, a sede da FNPR parece um museu do sindicalismo russo, desde as suas origens pré-revolucionárias, até aos nossos dias.

A FNPR tem, de acordo com as suas estatísticas, mais de 20 milhões de membros. O chefe da Federação, Mikhail Schmakov, assume a herança do passado:

“Nós não renunciamos às nossas tradições e à nossa história que não começou em 1917, mas muito antes, no fim do SEC IXX. No entanto, é preciso reconhecer que estamos numa época diferente e que os sindicatos são também diferentes, assim como as relações de trabalho – poder público, empregadores, sindicatos”.

A greve não é o método favorito da FNPR. Alguns criticam a sua direção, por se colocar constantemente ao lado do poder, como na última manifestação do Primeiro de Maio.

“A vinda dos mais altos responsáveis do Estado a uma manifestação sindical do Primeiro de Maio demonstra, do meu ponto de vista, que os sindicatos são muito influentes neste país. Quando o presidente e o Primeiro-Ministro vêm até nós e dizem ‘nós estamos convosco e partilhamos as mesmas preocupações’, isso dá-nos força para criticar ainda mais os dois, para que tomem boas decisões”, diz Schmakov.

De um lado ou do outro, os problemas que os trabalhadores enfrentam são os mesmos, apesar de uma melhoria do clima social, na década de 2000, incluindo a adaptação do novo código do trabalho. Mas este dispositivo legal não tem ainda mecanismos para obrigar o empregador a cumprir as convenções sociais.

Em 2009, Vladimir Putin foi obrigado a intervir, em Pikalevo, para pôr fim a uma desobediência civil, causada por um conflito na fábrica local.

E, do outro lado, que pensam os representantes patronais, sobre o papel que o Estado deve desempenhar, para facilitar a concertação social?

Fyodor Prokopov é professor na Escola de Economia em Moscovo e membro da Comissão tri-partida que reúne sindicatos, empregadores e o governo.Defende uma melhoria das leis laborais:

“O Estado devia criar um quadro jurídico, melhorando todas as leis que permitam à economia desenvolver-se e, ao mesmo tempo, que estabeleça um sistema que possa defender o trabalhador e não provoque o crescimento do desemprego”.

Os sindicatos alternativos, reunidos na Confederação Russa de Trabalho, participam ativamente no movimento sindical internacional. Boris Kravchenko esteve, em Genebra, na conferência anual da Organização Internacional do Trabalho.

Ali, apresentou uma queixa sobre a violação da Rússia, do direito de organizar reuniões livres. Esta ofensiva internacional está a cirar preocupaçõles, em Moscovo.

“Nós observámos coisas muito curiosas, nesta sessão. Os empregadores tentaram pôr em questão o direito de base dos trabalhadores à greve, como se isso provocasse o caos, na Rússia. É muito significativo, do meu ponto de vista. É uma consequência directa da crise económico-financeira que vivemos hoje. Os empregadores querem resolver o seu problema de baixa taxa de produtividades, aumentando a exploração”.

O movimento sindical russo evolui, entre o seu passado soviético e o presente, marcado pela ofensiva ultraliberal.

Como dizem alguns especialistas russos, a democracia política não é possível, sem a democracia laboral.

Partilhe esta notíciaComentários

Notícias relacionadas

França depois dos atentados de 2015

A questão central das eleições alemãs é a transição energética

Certificação do queijo halloumi suscita controvérsia entre UE, cipriotas gregos e turcos