Trabalhadores destacados na Alemanha tratados como escravos

Trabalhadores destacados na Alemanha tratados como escravos
De  Hans von der Brelie
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Todos os anos, o grupo de intervenção Fair Mobility recebe cerca de 6 mil queixas de trabalhadores destacados.

Alexandru foi subcontratado por um empresário sérvio que dirigia uma companhia alemã gerida, na verdade, por romenos… Parece confuso, mas passamos a explicar.

É uma longa viagem de regresso a casa aquela que Alexandru Spalatelu tem de fazer. Passaram muitos meses desde que não vinha à Roménia. A falta de trabalho aqui fez com tivesse de alargar horizontes a outros países.

Encontrámo-lo na aldeia de Lungesti. Há cerca de um ano, Alexandru foi subcontratado por um empresário sérvio que dirigia uma companhia alemã gerida na verdade por romenos… Parece confuso, mas passamos a explicar. Os trabalhadores foram destacados em outsourcing para construir escritórios no aeroporto de Frankfurt. A promessa era de receberem 11,50 euros/hora. Mas, nos primeiros dois meses, ganharam apenas metade. Nos seis meses que se seguiram, não viram a cor do dinheiro.

“Davam-nos só o essencial para comprar comida. No início, recebíamos de 30 a 50 euros por semana. Depois, passaram a dar 10 euros por dia a todo o nosso grupo, que tinha 6 trabalhadores. Trabalhávamos de 14 a 20 horas diariamente. Às vezes, começávamos às 7 e íamos até à 1 da manhã. Tínhamos de acabar aquilo que começámos. Achávamos que quanto mais trabalhássemos, mais bem pagos seríamos. Mas não foi o que aconteceu”, conta-nos.

What an obscure battle over #employment law reveals about Europe’s neuroses #postedworkersTheEconomist</a> <a href="https://t.co/9uM0meHjme">https://t.co/9uM0meHjme</a> <a href="https://t.co/icdR5vHtt5">pic.twitter.com/icdR5vHtt5</a></p>&mdash; EBC (EBC_SMEs) 25 September 2017

Alexandru acabou por ser resgatado, digamos, por Letitia Matarea-Türk, que trabalha para a “Fair Mobility”, um grupo de intervenção criado pela DGB, a confederação dos sindicatos alemães. “Ao todo, o senhor Spalatelu e quatro dos seus colegas têm a receber 55 mil euros… O método mais frequente consiste em ignorar os salários praticados nos países onde o trabalho decorre efetivamente, nem mesmo o salário mínimo. Ou então são-lhes retiradas fatias do salário arbitrariamente”, aponta Matarea-Türk.

Esta especialista salienta também que “tem de haver limites no que diz respeito à transferência do local de trabalho, seja em que setor económico for. O número de contratos em outsourcing tem de ser condicionado e controlado. Aquilo que temos visto é que este sistema disseminou-se por todo o lado e abriu o caminho à exploração de trabalhadores estrangeiros”.

“Fazem os trabalhadores atravessar a fronteira e depois exploram-nos como escravos”

Todos os anos, a Fair Mobility recebe cerca de 6 mil queixas de trabalhadores destacados. Mas Alexandru vai voltar a tentar a sua sorte. Foi o que fez quase toda a sua vida para criar três filhas. Já trabalhou na Jordânia, na Grécia, em Chipre, em Itália…

“Não se deve aceitar trabalho em empresas-fantasma, seja em que país for. Fazem os trabalhadores atravessar a fronteira e depois exploram-nos como escravos. Não importa se são búlgaros, romenos ou de outras nacionalidades. Os países de acolhimento têm de verificar essa companhias e perguntar-lhes se receberam dinheiro do contratador principal, se pagam aos trabalhadores. Se for sim, ótimo. Se não, têm de parar com tudo”, considera Alexandru.

A próxima paragem é Itália, a conduzir um camião de transporte de material entre Roma e Milão. Mas, mais uma vez, não há nada assinado antes do trabalho começar.

Fomos conhecer um outro Alexandru: tem 22 anos, é casado e tem uma filha de 8 meses. As dificuldades de encontrar um emprego no interior da Roménia fizeram-no aceitar um subcontrato numa empresa de entregas alemã. Alexandru começava às 4:30 da manhã e terminava às 9 da noite.

“As carrinhas tinham matrículas romenas. Nem sequer sei se havia seguro ou não… Sei que eu não tinha seguro. Lembro-me que as carrinhas tinham várias avarias: os travões não funcionavam direito, as velocidades também não… E eu ali, sem seguro de saúde…”, revela.

Depois arranjou outro trabalho, nas mesmas condições, a desmantelar antigas instalações militares alemãs. “Éramos 10 pessoas num quarto. Havia uma cama pequena de criança para dois. Na cama grande dormíamos 7. Estávamos tão apertados que, se um queria levantar-se ou virar, tinha de acordar os outros… tínhamos de nos virar todos ao mesmo tempo”, diz.

Is #Juncker’s enthusiasm for a common #labour authority premature? #postedworkershttps://t.co/MpRoVW2qxmpic.twitter.com/jX6OqeDKxM

— CEPS (@CEPS_thinktank) 22 September 2017

Erich Mocanu é um antigo detetive particular que ajuda agora casos como os de Alexandru ou Ciprian. As histórias que chegam da Alemanha são muito idênticas: trabalhadores agredidos pelos chefes, imposição de tarifas para usar uniformes, salários não pagos, comissões surgidas do nada… Ciprian trabalhou num matadouro na Baviera.

Segundo Mocanu, “os trabalhadores migrantes da Roménia são recrutados em condições que já ninguém imagina… O grande problema está naqueles que contratam em outsourcing. Ninguém faz a mínima ideia de quem trabalha onde e quando. Os empregadores menos honestos podem evitar impostos na Alemanha através do registo dos trabalhadores que têm na folha de pagamentos. Sobretudo, quando se trata de trabalhadores romenos. Aí, eles pagam o salário mínimo romeno em vez do alemão… Temos aqui um contrato de um empresário a trabalhar em outsourcing para um serviço alemão. O contrato rege-se pela lei romena: oito horas por dia e cerca de 300 euros por mês. O diretor é responsável por duas empresas: uma na Alemanha, outra na Roménia. Na Alemanha, assina os acordos com os grandes contratadores. Na Roménia, recruta a mão de obra. Ou seja, não paga impostos na Alemanha e não faz descontos nenhuns”.

A saúde de Ciprian deteriorou-se consideravelmente. Contraiu uma infeção nos dedos das mãos depois de manipular ácido sem a proteção adequada.

“Tinha um cartão de acesso para entrar no matadouro. Mas não estava no meu nome, era o nome doutra pessoa, um colega que já se tinha ido embora há algum tempo. Quando me fui embora, houve outros a usar o mesmo cartão. A culpa também é do empregador alemão, porque tolera este método pouco claro entre trabalhadores que entram e saem. Toda a gente recebe a sua parte: o empregador alemão, os intermediários… E nós, os trabalhadores, somos manipulados por eles para conseguirem receber a sua comissão… Não é normal”, desabafa.

Insiders: Posted workers from Romania

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