Novo ministro da Saúde francês, Yannick Neuder, terá sido o primeiro ministro a apoiar publicamente a campanha, que nunca recebeu apoio de Paris.
O novo ministro da Saúde francês arriscou-se a azedar a sua relação com o presidente Emmanuel Macron, amante do vinho, ao dizer que iria participar no janeiro "a seco".
Yannick Neuder, que assumiu o cargo há duas semanas, disse aos meios de comunicação social franceses que iria abster-se de beber em janeiro - o que, segundo ele, faz todos os anos - e exaltou os benefícios de passar um mês sem álcool.
O janeiro "a seco" ("Défi de Janvier", em francês) é uma forma de "encorajar os franceses a refletirem sobre os seus hábitos de consumo de álcool e a aperceberem-se dos benefícios de uma pausa, que pode ser prolongada para além de janeiro", disse o cardiologista de 55 anos ao jornal Le Parisien.
De acordo com um inquérito recente encomendado pelo produtor de vinho sem álcool Chavin, cerca de 17 milhões de pessoas em França - um quarto da população - tencionam seguir o desafio.
No entanto, Neuder é o primeiro ministro francês a apoiar publicamente o mês sem álcool, segundo os meios de comunicação locais, e especificou que o fazia "a título pessoal". Este esclarecimento não é surpreendente, uma vez que a tendência nunca recebeu apoio oficial e terá sido rejeitada por Macron há alguns anos, após uma reunião com produtores de vinho.
O janeiro a seco começou em 2013 no Reino Unido, como uma campanha de uma instituição de solidariedade, e agora realiza-se todos os anos com o apoio da Public Health England.
Também ganhou destaque a nível mundial e, em 2019, o Ministério da Saúde francês anunciou planos para que o Eliseu apoiasse a iniciativa. No entanto, a proposta irritou o sector vitivinícola, que instou o governo a abandonar a ideia. Macron apoiou o sector, tendo alegadamente dito aos produtores de vinho franceses que não haveria janeiro "a seco" enquanto ele fosse presidente.
Macron, que foi escolhido como Personalidade do Ano pela revista Review of French Wines em 2022, já disse anteriormente que bebe dois copos de vinho diariamente - e que "uma refeição sem vinho é um pouco triste".
A antiga ministra da Saúde de França, Agnès Buzyn, que liderou a campanha do janeiro "a seco" em 2019, disse numa entrevista no ano passado que era "uma batalha quase impossível de travar no nosso país, na realidade".
"Há demasiados ventos contrários", disse ela à televisão France 2, referindo-se em particular ao poder dos lobbies do vinho em França e ao estatuto do vinho como "uma imagem da cultura francesa".
A França é o segundo maior consumidor de vinho a nível mundial, a seguir aos EUA, e estima-se que a indústria vinícola do país empregue quase meio milhão de pessoas e gere cerca de 13 mil milhões de euros de receitas por ano.
O compromisso de Neuder com o janeiro "a seco" suscitou dúvidas em alguns sectores, uma vez que no ano passado se opôs a um aumento dos impostos sobre o álcool e defendeu a indústria vinícola.
"Não é por se aumentar o preço de uma garrafa de Châteauneuf-du-Pape em sete cêntimos que se vai reduzir a taxa de mortalidade entre os jovens", disse Neuder durante um debate em novembro, quando era deputado. "Não creio que os jovens se embebedem com Châteauneuf-du-Pape. Temos de parar de atacar os nossos produtores de vinho".
Numa entrevista à BFMTV, no mês passado, depois de se ter tornado ministro da Saúde e antes da sua declaração sobre a campanha de abstinência, Neuder disse que "não estava às ordens de nenhum lobby do álcool".
Por esta altura, no ano passado, dezenas de especialistas em dependências em França escreveram ao governo pedindo-lhe que apoiasse o janeiro "a seco" e argumentando que não estava a ser feito o suficiente para combater os riscos do álcool para a saúde.
Segundo dados do Ministério da Saúde francês, o consumo de álcool é responsável por 49.000 mortes por ano no país e representa "um importante problema de saúde pública".