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Base das Lajes: "Está a fazer-se uma tempestade num copo de água"

Vista geral da base aérea conjunta dos EUA e Portugal na vila das Lajes, Terceira, Açores, sábado, 15 de março de 2003,
Vista geral da base aérea conjunta dos EUA e Portugal na vila das Lajes, Terceira, Açores, sábado, 15 de março de 2003, Direitos de autor  SANTIAGO LYON/AP
Direitos de autor SANTIAGO LYON/AP
De João Azevedo
Publicado a Últimas notícias
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À Euronews, o major-general Agostinho Costa desdramatiza o uso da base das Lajes pelos Estados Unidos no âmbito do ataque ao Irão, vincando que Portugal não fica ligado à ofensiva norte-americana. "É um avião neutro, que nem está armado", disse sobre as aeronaves reabastecedoras operadas nos Açores

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Portugal confirmou que deu autorização, na passada quarta-feira, 18 de junho, aos Estados Unidos para o estacionamento ou trânsito de 12 aviões militares com funções de reabastecimento.

"Ao abrigo do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA a utilização da Base das Lajes para o estacionamento ou trânsito de aviões militares está sujeito a autorização prévia do Estado português", informa, em comunicado, o gabinete do ministro da Defesa, Nuno Melo, ressalvando que se trata de "um procedimento habitual" e que "as aeronaves que se encontram nos Açores são aviões de reabastecimento aéreo".

O Ministério da Defesa esclarece que Portugal "concede autorizações específicas, trimestrais ou permanentes de sobrevoo e aterragem, não apenas aos EUA, mas a muitos outros países".

De acordo com estas autorizações, “o estacionamento de aeronaves militares é normalmente notificado com 72 horas de antecedência ou com antecedência mais curta, devido à imprevisibilidade de algumas missões”.

O comunicado do governo surge na sequência dos pedidos de esclarecimento do PCP e do Livre que, no domingo, perguntaram ao executivo se podia assegurar que os aparelhos operados na Base das Lajes não foram usados pelos Estados Unidos na ofensiva contra três centrais nucleares iranianas.

Os socialistas, no sábado, através de Francisco César, líder do PS Açores, e de José Luís Carneiro, já tinham solicitado explicações, bem como o Bloco de Esquerda que, logo na sexta-feira, tinha perguntado ao primeiro-ministro se sabia da "súbita intensificação" do recurso à Base Aérea das Lajes pela Força Aérea dos Estados Unidos.

A Defesa garante "que não passam meios de combate norte-americanos pela Base das Lajes há mais de um mês" e que além da notificação em causa, "emitida pelas vias regulares e adequadas", via nota diplomática, "não houve mais nenhum contacto por parte das autoridades dos EUA".

"Estação de serviço no meio do Atlântico"

A Base das Lajes apresenta a segunda maior capacidade de abastecimento da Força Aérea dos Estados Unidos fora de território norte-americano, sendo a maior na Europa para estas funções.

"É uma estação de serviço no meio do Atlântico, porque desde o fim da Guerra Fria não há aviões estacionados para, nomeadamente, monitorização do Atlântico e verificação dos submarinos", nota o major-general Agostinho Costa, em declarações à Euronews.

"A base no Havai é o porta-aviões americano no Pacífico, a base das Lajes é o porta-aviões americano no Atlântico", prossegue. "Ciclicamente, aviões americanos aterram na Base das Lajes."

Foi, por isso, com naturalidade, refere o major-general, que os Estados Unidos recorreram à base militar portuguesa como ponto de reabastecimento para uma operação militar.

"Há grande especulação política, fundamentalmente do ponto de vista da área mesmo, na região autónoma, mas em boa verdade não é um caso novo", salienta.

"Portugal nunca poderia dizer que não. O Partido Socialista é um partido que tem partilhado a governação e que sabe muito bem quais são as obrigações de Portugal. Até porque terá sido um procedimento bastante rotineiro", reforça.

Embora refira que a tipologia de ação tem semelhanças com o uso da base na antecâmara da guerra na Iraque, na lógica de uma infraestrutura crucial de um aliado norte-americano, o especialista militar deixa claro que Portugal não fica diretamente envolvido no conflito Estados Unidos-Irão.

"Acho que está a fazer-se uma tempestade num copo de água", atira. "Um avião reabastecedor é um avião neutro, que nem está armado, não é um tanque de guerra. É como um desses depósitos que abastecem as estações de combustível".

Segundo Agostinho Costa, a base açoriana serviu um fim meramente funcional e não foi inserida no xadrez da investida militar.

"Uma coisa seria estes aviões estacionarem, ficarem durante algum tempo nos Açores e partirem para auxílio de missões de combate a partir dos Açores. Aí Portugal poderia dizer que está diretamente envolvido no conflito, usando o seu território para esse fim. Outra coisa é, em termos subsidiários, permitir os estacionamentos para reabastecimento".

O major-general acredita que Washington, na notificação feita a Lisboa, pode nem ter comunicado o propósito da operação nos Açores. "Esta é uma operação de altíssimo nível de segredo, não é?"

Portugal cumpriu, assim, a missão que lhe cabia como aliado histórico dos Estados Unidos e membro fundador da NATO.

"Os Estados Unidos são o nosso principal aliado, esta é a realidade dos factos, os Estados Unidos partilham connosco uma fronteira marítima, não nos podemos esquecer que os Açores não são só importantes para a segurança coletiva e para a coesão do nosso país, mas são também importantes para os Estados Unidos, que querem ter uma garantia que o equipamento não é autorizado contra os interesses estratégicos. É preciso ver também as coisas nesse sentido".

Aviões podem estar ainda nas Lajes

O governo já esclareceu que não foi feita mais nenhuma notificação para além da que chegou a Portugal no dia 18 de junho, mas o major-general Agostinho Costa acredita que ainda possa haver aviões de reabastecimento da Força Aérea dos Estados Unidos nas Lajes.

"Pode haver a continuação de bombardeamentos", lembra. Não sabemos a reação iraniana, não acreditamos que o Irão vá retaliar sobre forças americanas, não nos parece, mas estamos na expectativa. Apostaria que se mantêm lá".

"Estarão lá ainda alguns aviões, como medida preventiva, mas isso só o Ministério da Defesa é que nos poderá esclarecer", acrescenta.

A Euronews contactou o ministro da Defesa que remeteu para o comunicado oficial, sem ter respondido a esta questão em concreto.

"Cimeira da Guerra"

A Base das Lajes, oficialmente designada como Base Aérea N.º 4 (BA4), celebrou há poucos dias 84 anos. Situada no coração do Atlântico, na vila das Lajes, na ilha açoriana da Terceira, estende-se por cerca de 10 km2.

Ao abrigo da "velha aliança existente entre Portugal e a Inglaterra,", explica a Força Aérea Portuguesa na sua página oficial na internet, forças inglesas chegaram à Terceira, em outubro de 1943, aí permanecendo até junho de 1946.

Em fevereiro de 1944, instalaram-se nas Lajes destacamentos da Força Aérea, da Marinha e do Exército dos Estados Unidos. Com a saída dos britânicos em 1946 após a Segunda Guerra Mundial e o fim do contrato de cedência, os norte-americanos transferem-se em definitivo para a BA4.

A base já foi um local essencial para travar guerras contra alemães e russos, tendo ficado neste século ligada ao início da guerra no Iraque.

Na tarde de 16 de março de 2003, a Base das Lajes tornou-se o centro do mundo. O então primeiro-ministro português Durão Barroso recebeu o presidente norte-americano George W. Bush, o primeiro-ministro britânico Tony Blair e o chefe do governo espanhol José Maria Aznar para aquela que ficaria conhecida como a "Cimeira da Guerra".

"Ou o Iraque se desarma ou é desarmado pela força", afirmou George W. Bush, na conferência de imprensa final da Cimeira, naquele que pareceu ser um derradeiro ultimato à ONU e a Saddam Hussein para que se evitasse uma operação militar em solo iraquiano.

A diplomacia perdeu e, quatro dias mais tarde, ouvia-se o fragor das primeiras bombas lançadas sobre as principais cidades do Iraque, entre as quais a capital Bagdade.

Base luso-americana

Hoje em dia, permanece um contingente norte-americano na Base das Lajes, incluindo civis que são familiares dos militares deslocados e que formam uma comunidade própria.

"Umas escassas centenas, diria, ou menos. Inclui o pessoal da linha da frente e por linha da frente entenda-se quem ajuda a pôr os aviões em funcionamento, que faz a manutenção, as inspeções de pré-voo, de segurança, não obstante também estejam lá as autoridades portuguesas. E depois há o pessoal administrativo que gere a base", adianta o major-general.

Na base portuguesa já não haverá aviões norte-americanos em permanência, antes "uma esquadra de apoio".

"A ideia que tenho é que os aviões que se veem nos Açores são aviões que estão em trânsito. Estão empenhados em movimento, digamos, do continente americano para a Europa, porque os americanos têm uma presença militar da sua Força Aérea na Europa muito significativa. Aviões estacionados em permanência, esquadras aéreas em permanência, a informação que tenho é que não há nenhum", estima.

Sobre os benefícios da presença norte-americana nas Lajes, o major-general fala num certo contributo para a economia local, além de contrapartidas militares que reforçam os compromissos de proteção do país.

"Nós não nos podemos esquecer que os funcionários norte-americanos são a principal potência da NATO, e esta é a nossa contribuição para a NATO".

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