Medicamento recorre a anticorpos de voluntários vacinados contra o botulismo para ajudar bebés demasiado pequenos a combater a doença por si.
Quando Alessandro Barbera foi levado de urgência a um hospital nos EUA com botulismo infantil, em outubro, o pai mal tinha ouvido falar da doença, quanto mais do tratamento raro e caro que provavelmente salvou a vida do recém-nascido.
Hoje, Tony Barbera agradece profundamente o BabyBIG, o único antídoto para doenças paralizantes e potencialmente mortais ligadas à fórmula infantil ByHeart contaminada.
"É extraordinário", disse Barbera, 35 anos, cujo filho recupera lentamente.
O surto de botulismo associado à fórmula ByHeart afetou pelo menos 39 bebés em 18 estados dos EUA desde agosto – e mostrou o valor do tratamento feito a partir de plasma sanguíneo doado por um pequeno grupo de cientistas e outros voluntários.
"É quase um milagre", disse Vijay Viswanath, neurologista pediátrico no Children’s Hospital Los Angeles, que ao longo da carreira tratou várias crianças com botulismo, incluindo uma neste surto.
"Antes da descoberta do BabyBIG, algumas destas hospitalizações prolongavam-se por dois ou três meses", disse Viswanath, isso quando as crianças infetadas recuperavam.
Licenciada em 2003, BabyBIG é a marca da imunoglobulina humana contra o botulismo, uma medicação intravenosa que usa anticorpos de voluntários vacinados contra o botulismo para ajudar bebés demasiado pequenos para combater a doença por si.
Tratamento assenta em dadores
O tratamento foi idealizado pelo falecido Stephen Arnon, cientista do Departamento de Saúde Pública da Califórnia. Em 1976, Arnon e os seus colegas identificaram uma forma rara de botulismo que afeta bebés com menos de um ano de idade e, a partir daí, dedicou os seus 45 anos de carreira a descobrir como tratá-la.
A doença ocorre quando os bebés ingerem esporos de botulismo que germinam no intestino e produzem uma toxina perigosa que ataca o sistema nervoso.
Mais de 3.700 crianças em todo o mundo foram tratadas com BabyBIG desde que Arnon e a sua equipa realizaram um ensaio clínico fundamental na Califórnia em 1997, que mostrou que o medicamento poderia encurtar as internações hospitalares e reduzir a necessidade de aparelhos respiratórios.
Produzido em pequenos lotes a cada cinco anos, o BabyBIG custa quase US$ 70.000 (€ 60.400) por tratamento, de acordo com o Programa de Tratamento e Prevenção do Botulismo Infantil da Califórnia, fundado por Arnon. De acordo com a lei estadual, as taxas da venda do medicamento são usadas apenas para financiar o programa de botulismo.
O medicamento depende de doadores como Nancy Shine, uma bioquímica aposentada de 76 anos da Califórnia que foi vacinada contra o botulismo porque trabalhava com o germe letal em um laboratório. Arnon recrutou Shine e outros cientistas para o projeto BabyBIG há duas décadas porque o sangue deles produzia altos níveis de anticorpos, as proteínas sanguíneas que neutralizam a toxina do botulismo.
O protocolo inicial exigia que os voluntários recebessem doses de reforço de uma vacina experimental contra o botulismo, também usada pelas Forças Armadas dos EUA, e depois se submetessem a um procedimento que coleta o plasma sanguíneo que contém anticorpos contra os tipos A e B do botulismo.
“Não foi muito agradável ser vacinada”, lembrou Shine. “Houve muitos efeitos colaterais, como grandes marcas no local da vacinação e um pouco de dor.”
Ainda assim, Shine contribuiu para três lotes da antitoxina produzidos entre 2008 e 2019 “Provavelmente, o ponto alto da minha carreira foi poder participar neste projeto e doar plasma”, disse Shine. “Criámos um produto que pode salvar a vida de bebés”.
Desenvolvimento enfrentou obstáculos
Como o botulismo infantil é raro, com menos de 200 casos notificados por ano nos EUA, foi necessário quase 15 anos e 10,6 milhões de dólares (9,1 milhões de euros) para conseguir financiamento e outros recursos para desenvolver o BabyBIG, tendo sido enfrentados obstáculos substanciais, assinalou Arnon num artigo de 2007.
Atualmente, em média, cerca de 30 pessoas fornecem plasma para cada lote de BabyBIG, segundo as autoridades de saúde da Califórnia. O Lote 8, a edição mais recente, está a ser fabricado atualmente numa fábrica da Takeda Pharmaceutical Co., perto de Los Angeles, segundo Giles Platford, presidente da unidade de terapias derivadas de plasma da empresa.
A empresa tem um contrato com as autoridades californianas para produzir o BabyBIG sem fins lucrativos, declarou Platford.
Alguns dos primeiros dadores, como o Shine, ultrapassaram o limite etário do programa BabyBIG, que recolhe sangue de voluntários adultos com idade até aos 70 anos. São aceites novos dadores, mas estes têm de se inscrever num estudo clínico dirigido pelo Departamento de Saúde Pública da Califórnia e aceitar uma dose de reforço de uma vacina experimental diferente contra o botulismo.
As autoridades californianas estimam ter reservas de BabyBIG suficientes até ao próximo verão, com base nas projeções atuais.
O surto da ByHeart integra uma subida preocupante de, pelo menos, 107 casos de botulismo infantil tratados nos EUA desde agosto, declarou Jessica Khouri, médica responsável pelo programa estatal.
Shine recebeu recentemente uma brochura com fotografias e cartas de famílias cujos filhos recuperaram do botulismo após receberem o BabyBIG.
"É realmente maravilhoso. Leio algumas por dia", afirmou. "Cada uma dá vontade de chorar".