Se o clima mudar o que acontece aos legumes que comemos?

Se o clima mudar o que acontece aos legumes que comemos?
De  Euronews
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É possível garantir a qualidade dos produtos e a segurança alimentar num mundo que enfrenta alterações climáticas? Segundo Ana Allende, especialista em Microbiologia Alimentar, “os problemas de saúde relacionados com o consumo de vegetais afetam cada vez mais pessoas e provocam mais hospitalizações.”

É precisamente para tentar minimizar estes riscos que um grupo de investigadores europeus trabalha em sítios pouco usuais, como numa unidade de processamento de saladas em Bremen, na Alemanha. Cerca de cem toneladas de vegetais são processadas semanalmente nesta fábrica. O produto mais utilizado é, sem dúvida, a alface. Um dos grandes desafios desta indústria consiste nos métodos de conservação.

“Nós trabalhamos com um sistema a frio, para manter a salada a uma temperatura estável e evitar que se dilate ou encolha. É assim que conseguimos garantir um produto fresco ao cliente. Mas a questão é que o tempo de validade é reduzido – de 3 a 5 dias, dependendo dos produtos. Gostávamos de poder alargar esse prazo. É importante que a salada, por exemplo, mantenha uma consistência rígida. O mesmo com as cenouras – não queremos que fiquem flácidas e que percam o sabor”, afirma o responsável, Benjamin Heinemann.

Há um projeto científico europeu que se debruça exatamente sobre as condições de acondicionamento dos vegetais, de forma a aumentar a frescura dos produtos e a segurança. O primeiro passo assenta na análise do aspeto, da textura, do sabor – claro -, e do cheiro. Todos estes fatores variam de acordo com o tempo decorrido após o processamento, o tipo de embalagem ou os compostos de conservação. Imke Matullat, nutricionista, explica que “o trabalho de investigação demonstrou que não é só o período de conservação que é importante, mas também a temperatura do local onde o produto é guardado, a humidade, se há mudanças naquela atmosfera, se a salada por exemplo está fechada em vácuo… Tudo isto tem um papel nos parâmetros de avaliação como a aparência, a textura e o cheiro.”

As análises microbiológicas e bioquímicas permitem aos investigadores apurar precisamente como atuam os microorganismos e que consequências produzem quando os vegetais já estão fora de prazo. Os dados que têm sido recolhidos estão a ser compilados num software online que permite construir estimativas sobre os efeitos de cada etapa, da recolha ao processamento, na qualidade e segurança dos legumes frescos. Alexander Ellebrecht, engenheiro, realça que se está a desenvolver “um software que seja muito acessível, de forma a que as empresas consigam otimizar a atividade através do sistema de antecipação. Não é necessária uma formação específica para utilizar a plataforma, as empresas não vão precisar de grande ajuda para usar este software.”

De acordo com Benjamin Heinemann, “o software permite trabalhar mais rápido. Se houver um problema, o programa mostra-me onde é que a coisa falhou, e se há componentes ou métodos que é preciso alterar para que o produto final se mantenha fresco.Vamos poder colocar rapidamente em prática novas fórmulas de processamento. Esperamos que os nossos produtos possam conservar o sabor durante mais tempo e que o prazo de validade seja maior, sem adicionar conservantes.”

Entre os fatores que participam na questão da segurança alimentar, há alguns que à primeira vista não são evidentes. É o caso das alterações climáticas. Para perceber melhor a relação, fomos até ao sul de Espanha.

Alface, espinafres, rúcula – tudo junto perfaz anualmente mais de mil toneladas de colheitas nesta gigantesca plantação. É um local perfeito para os cientistas estudarem o impacto das mudanças climáticas sobre o futuro da atividade agrícola. Se os modelos atuais de previsão estiverem mais ou menos corretos, o sul da Europa prepara-se para enfrentar grandes períodos de seca. A qualidade dos vegetais e a segurança no consumo podem ficar em questão. Ou talvez não. Mabel Gil, também especialista em Microbiologia Alimentar, declara que “pode mesmo ser benéfico reduzir em 25% a quantidade de água utilizada na irrigação, quer em termos de sustentabilidade ambiental – porque se gasta menos água -, quer para alguns vegetais, que podem até atingir um período de validade mais extenso.”

Os investigadores pretendem também apurar a relação entre elementos patogénicos, o uso de pesticidas e as práticas correntes antes e depois das colheitas neste quadro de previsões climáticas, que aponta para um sul da Europa bastante mais seco e um norte mais quente e húmido. “Antes pensávamos que quanto mais humidade houvesse, maior era a qualidade e a segurança dos produtos. Mas agora sabemos que a humidade favorece a sobrevivência de alguns elementos patogénicos. Por isso, passamos a recomendar a redução da humidade – que chegava a atingir os 95%-96% – no processamento dos produtos”, sublinha Ana Allende.

Na Universidade de Gent, na Bélgica, estuda-se o desenvolvimento dos fungos, em tomates frescos por exemplo, num contexto de mudanças radicais no clima. Liesbeth Jacxsens tem participado nas experiências: “As alterações climáticas trazem temperaturas mais elevadas. Os fungos desenvolvem-se mais rapidamente. E são eles os responsáveis pela produção de micotoxinas. No entanto, estamos a estudar alguns tipos de fungos que são condicionados pelas altas temperaturas. Se o termómetro subir acima dos 25-30 graus, eles páram de crescer. Há aqui um efeito de compensação gerado pelas alterações climáticas.”

Que há consequências no que respeita à segurança alimentar nos produtos frescos, parece ser certo; que dimensão têm, é ainda uma incógnita. Mieke Uyttendaele, da Universidade de Gent, assume que “as alterações climáticas vão provocar um impacto, sim. Mas não é algo que possamos prever em termos quantitativos. É uma questão complexa por diversas razões: o clima, a fisiologia das plantas e a sua variedade, o ambiente, os microorganismos e a sua capacidade de adaptação às mudanças. É uma adaptação que pode trazer vários efeitos positivos, apesar do lado negativo das alterações do clima. No final de contas, o que se vai sobrepor é a combinação entre estes fatores. Não tem de ser negativo. Nos países do norte, as estações vão ser provavelmente mais longas, portanto vão ter mais hipóteses de produzir frutas e legumes.”

Mais informações:

www.sophy-project.eu
www.veg-i-trade.org

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