O emissário da ONU para a Síria, Steffan de Mistura, chegou esta quinta-feira a Damasco, para discutir um processo de paz com o regime sírio.
O emissário da ONU para a Síria, Steffan de Mistura, chegou esta quinta-feira a Damasco, para discutir um processo de paz com o regime sírio.
A chegada de Steffan de Mistura, acontece quando o Ocidente se confronta com uma maré humana de refugiados e Moscovo confirma a presença militar russa na Síria, propondo um diálogo com Washington que evite incidentes entre os dois países em território sírio.
Bachar al-Assad e o seu aliado russo Vladimir Putin acusam o Ocidente de alimentar a crise dos refugiados, apoiando terroristas, como o regime sírio classifica todos os seus oponentes.
Com a Europa confrontada à maré humana dos refugiados, surgem cada vez mais vozes favoráveis à cooperação com Assad e Putin.
Segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, pelo menos 38 civis, entre os quais 14 crianças, formam mortos esta quinta-feira em Aleppo, em ataques de rebeldes sírios a áreas da cidade controladas pelo regime.
Vídeos amadores publicados na internet, mostram combates intensos entre forças governamentais e rebeldes que, alegadamente, terão tido lugar nos últimos dois dias em Aleppo, deixando um rasto de destruição.
Em quatro anos e meio, o conflito na Síria fez já mais de 240 mil mortos.
A euronews falou com Hasni Abidi, diretor do Centro de Estudos e Investigação sobre o Mundo Árabe e Mediterrâneo, sediado em Genebra, um especialista no mundo árabe.
Sophie Desjardin, euronews:
Bashar al-Assad concedeu, esta quarta-feira, uma entrevista a vários meios de comunicação russos onde fala, em particular, da crise dos migrantes na Europa e onde disse: “é como se um dos olhos do Ocidente chorasse com os refugiados e o outro os tivesse na mira de uma arma”, para lá da provocação, o Ocidente está, realmente, preso nesta guerra?
Hasni Abidi:
O Ocidente está mais num impasse face a um fluxo migratório muito grande e que, por vezes, se torna numa ameaça, mas acima de tudo é uma questão de política interna. Bashar al-Assad usa a mesma retórica, ou seja, ele chantageia a Europa dizendo que “se hoje há este fluxo migratório a responsabilidade é vossa porque têm alimentado a guerra.” Mas ele esquece uma coisa é que estes fluxos migratórios, a crise dos migrantes e dos refugiados, os deslocados internos ou que estão em países vizinhos, começaram bem antes da criação do Estado islâmico.
Euronews:
Assad acusa o Ocidente de ter criado o Estado islâmico. Mas se os jihadistas não tivessem entrado em cena, e a equação se resumisse aos pró e contra Assad, talvez o regime já tivesse caído há muito tempo, não acha?
Hasni Abidi:
É muito difícil. Trata-se de um regime que ampliou a sua base de apoio e que fez algo que funciona muito bem e tem demonizado a oposição. Inicialmente, a oposição era pacífica. Ela não exigia a saída de Bashar al-Assad. Ela queria reformas, foi o regime que radicalizou aquela que era, no início laica e baseada na cidadania, mas quando viu que era uma oposição bem organizada, que tinha um projeto social para uma Síria diferente, de uma Constituição pluralista, utilizou a carta do terrorismo.
O Estado islâmico é alimentado pelo regime sírio. É a máquina de Bashar al-Assad que cultiva a ameaça que o Estado islâmico é, porque o fracasso da oposição moderada tem levado as pessoas a aderirem ou a apoiarem outro tipo de oposição, provavelmente, muito mais radical, face a uma certa resignação ou impotência por parte da comunidade internacional.
Euronews:
Acredita que há uma forma de de parar esta guerra que já dura há 4 anos sem ter de apoiar o regime sírio?
Hasni Abidi:
Bashar conseguiu fazer bem chantagem, ou seja, a vossa segurança tendo como contrapartida o apoio ao regime. Penso que Genebra 1 e 2 e os esforços das Nações Unidas merecem muito mais apoio. Pode chegar-se a uma transição política, negociar com Bashar al-Assad a sua saída mas não para que fique. E é por isso que há que aproveitar a oportunidade iraniana e também a russa. Infelizmente a oposição está perdida, está quase órfã. Por isso, sem um compromisso político, sem vontade, penso que o conflito pode durar bastante tempo.
Euronews:
A Rússia tem vindo a marcar passo. Apesar da abertura diplomática e militar pensa que ela pode beneficiar das consequências militares desta guerra na Europa? Podem jogar a favor de Moscovo?
Hasni Abidi:
Concordo absolutamente. Esse é o trunfo do presidente Putin. Bashar al-Assad é uma carta muito importante nas suas relações com os EUA e com a Europa e está pronto a jogá-la tendo em consideração os seus interesses ou quando as negociações com a liderança ocidental recaírem sobre outros temas. É por isso que é importante retomar o diálogo com Putin, mas também com o Irão e todos os países que ainda apoiam Bashar al-Assad. O apoio público da Rússia e também do Irão mostra que ambos os países querem usar a carta síria, usar Bashar Assad não apenas na questão síria, mas também porque eles têm interesses estratégicos que vão para além da cena síria.