Entrevista com o analista político e antigo diplomata francês, Hubert Vedrine
O xadrez internacional está em processo de transição. Os Estados Unidos estão a mudar de potência global unipolar para potência relativa. Outras potências emergentes, tais como a China e a Rússia, também reclamam liderança global. Pequim e Moscovo estão agora mais ativos no Extremo Oriente e no Médio Oriente. Enquanto isso, Washington pede aos aliados da NATO para investirem mais.
John R. Allen é presidente do Brookings Institute e antigo vice comandante do Comando central norte-americano. Interrogado sobre esta questão, eis a sua resposta.
“Os Estados Unidos continuam a ser uma nação com compromissos à escala global e, na medida em que esses compromissos se tornam maiores e mais difíceis de gerir, por exemplo, no Médio Oriente e na Ásia oriental, ou no caso da Coreia do Norte, pode ser necessário atribuir um papel maior à NATO”, afirma Allen.
Mas será que a América ainda é a maior potência do mundo ou, pelo contrário, tem que partilhar este estatuto? Esta a questão colocada a Hubert Vedrine, analista político do grupo de reflexão francês IRIS e antigo ministro francês dos negócios estrangeiros na década de 90.
Sergio Cantone (euronews) – Senhor Védrine, será que podemos ainda falar da hiperpotência americana ou encontramo-nos perante uma transferência parcial de poder dos Estados Unidos para outras potências emergentes?
Hubert Vedrine – Bem, quando lancei essa expressão de hiperpotência vivíamos na década de 90, para caracterizar um período particular, os anos que se seguiram ao fim da União Soviética. Hoje, o que se passa, é precisamente o contrário, é o fim do monopólio do poder pelos Estados Unidos e pelos ocidentais. Será que isto significa que os Estados Unidos estão fora de campo? É claro que não. Ainda são a potência número um, mas agora existe a China que é a potência número 1bis e o mundo já não é só americano, mas também não é chinês, não existe comunidade internacional. O mundo ainda não é pós-americano basta ver o orçamento para a defesa dos Estados Unidos. Mesmo assim, é o equivalente ao orçamento da defesa dos outros todos juntos.
SC – Então como é que podemos interpretar o papel proativo mantido pela Rússia na Síria e no Levante? O presidente russo conseguiu fazer valer o seu peso político considerável na região reunindo à mesma mesa o iraniano Rohani e o presidente turco Erdogan, fazendo passar a sua ideia de uma solução para a Síria com Bashar Al-Assad no poder.
HV – O terceiro mandato do senhor Putin representa um regresso em força deste mas também não devemos exagerar a sua importância. Ele prova que a Rússia também não desapareceu, que pode meter ainda um pé na porta; que pode levar a cabo operações como vimos na Crimeia, ou no leste da Ucrânia, e bloquear o acordo na Síria. De resto, é totalmente previsível que a Rússia não iria nunca deixar caír a Síria. Sendo assim, assistimos a um verdadeiro retorno da Rússia. Mas isto não significa que a Rússia representa uma ameaça global como era o caso durante a Guerra Fria.
SC – O recurso à força militar, uma atitude de força, por parte de Moscovo foi decisivo na Síria e não podemos dizer a mesma coisa do papel desempenhado pelos Estados Unidos neste xadrez.
HV – Do ponto de vista ocidental os últimos anos foram marcados por um certo caos e, ao mesmo tempo, a Rússia teve menos objetivos e trabalhou neles com mais perseverança. Por exemplo, não hesitou em utilizar a força para intervir na guerra civil na Síria e impedir a queda do regime. Mas isso não chega para dizer que a Rússia está de volta, uma espécie de ator global que recorre à força. Na minha opinião, isso não tem nada a ver com a época soviética.
SC – Sobre a questão coreana, será que Washington consegue prescindir da cooperação com Moscovo e Pequim a fim de reduzir a ameaça balístico-nuclear que é a Coreia do Norte? Será que os Estados Unidos podem lançar-se numa ação unilateral?
HV – Os Estados Unidos tentaram exercer pressões através de sanções, reunindo os países hostis à evolução da Coreia do Norte, com destaque para a China. Isso, na realidade, não funcionou. E vê-se bem que no longo prazo é a China que tem as chaves para a solução. Bem, a China está muito aborrecida e enervada pelo regime norte-coreano mas também não o vai deixar cair porque prefere evitar a reunificação, o que levaria a Coreia do Sul e as forças norte-americanas até às suas próprias fronteiras. O que me parece mais provável é que o mundo terá que aceitar que existe um país que se tornou numa potência nuclear como dois ou três outros países já o fizeram fora dos países previstos no tratado. E a sua questão tem fundamento porque como você pôde observar nas últimas semanas na imprensa norte-americana, eles questionam o que é que aconteceria se o presidente dos EUA der uma ordem que as altas chefias militares não aceitam. Há mesmo debates no Senado sobre esta questão, isto nunca aconteceu antes.